O terremoto que devastou cidades no centro da Itália expõe a fragilidade aos abalos sísmicos do país que conserva muitos monumentos históricos da humanidade
"A cidade inteira está sob escombros, conhecidos meus morreram. Sobraram poucos prédios, será impossível reconstruir tudo isso." Em meio às lágrimas, foi assim que Sergio Perozzi, prefeito de Amatrice, definiu a destruição que atingiu sua cidade e outras vizinhas depois do terrível terremoto que arrasou cidades nas regiões de Lazio, Abruzzo, Marcas e Úmbria, no centro da Itália. O lugar é um dos mais belos cartões postais da Itália. Menos badalado que Toscana, Emilia Romagna e o Vêneto, fica a duas horas de carro ou trem de Roma, na idílica região do Parque Nacional do Gran Sasso, entre os mares Tirreno e Adriático. "O paraíso virou o inferno de Dante", resumiu Perozzi.
O inferno começou na madrugada da quarta-feira, dia 24 de agosto. O terremoto de magnitude 6.2 aconteceu 100 quilômetros a nordeste de Roma. A região já enfrentou uma série de terremotos nos últimos 40 anos e fica em um dos pontos mais suscetíveis a tremores no mundo. O abalo ocorreu a uma profundidade de 10 quilômetros, considerada rasa, o que amplificou o tamanho da tragédia e os danos a edificações. Até o fechamento desta edição, na sexta-feira, dia 2, 268 haviam morrido e 387 estavam feridas.
Abalos sísmicos de grande intensidade fazem parte da rotina de quem vive ao longo da Cordilheira dos Apeninos, que corta a Itália de Norte a Sul. Segundo dados da agência governamental americana que monitora desastres naturais, a Itália, desde 2000, registrou 12 terremotos de grande intensidade. Essa atividade sísmica na região mediterrânea é resultado do grande atrito entre as placas tectônicas da África e da Eurásia. Além disso, o Mar Tirreno, no oeste da Itália, enter o continente e as ilhas da Sardenha e da Córsega, está se abrindo aos poucos, cerca de 2 centímetros por ano. Segundo especialistas, essa pressão é agravada pelo movimento da crosta terrestre do lado leste, no Mar Adriático, que estaria se movendo para "debaixo" da Itália. O resultado é um grande sistema de falhas geológicas que percorre toda a extensão da cadeia montanhosa. Cidades como Perúgia e Áquila estão localizadas em cima dessas falhas.
O epicentro do terremoto da quarta-feira foi perto da cidade de Nórcia, na região da Úmbria, que também fica em cima dessas falhas geológicas e cujo centro histórico é um ponto turístico popular. "As estruturas antissísmicas da cidade se mantiveram. Há danos ao patrimônio histórico e a prédios, mas estávamos preparados para o pior", afirmou Nicola Alemanno, prefeito de Nórcia. Ao contrário de Nórcia, outras cidades da região não estavam - e não estão - preparadas para o pior. Era o caso de Amatrice, sem dúvida a cidade que mais sofreu com o tremor. A cidade é uma pérola do Lazio, a região cuja capital é Roma. Considerada um dos berços da gastronomia do local, com suas massas sem similar e o famoso molho à amatriciana, Amatrice é chamada de "cidade das 100 igrejas" ("la città delle cento chiese"), tantas são as relíquias arquitetônicas representantes do períodos Românico, Barroco e Renascentista.
Tudo isso desapareceu no período de menos de 60 segundos em que a terra tremeu e devastou a cidade. Assim como em Amatrice, moradores de outras cidades italianas estão em risco permanente - sem contar várias das maravilhas arquitetônicas da Itália. Desde 1861, quando o país foi unificado, houve 35 grandes terremotos e 86 menores. Por causa dos inúmeros tremores, a Itália tem um dos códigos de construção mais avançados do mundo - mas ele só vale para construções novas. Mais de 75% dos edifícios da Itália têm mais de 100 anos. Igrejas, museus e outras edificações beiram a casa dos 1.000 ou 2 mil anos. As leis de conservação do patrimônio histórico restringem a modernizações que poderiam afetar a beleza de monumentos - mas, em contrapartida, torná-los mais seguros. "O desafio da Itália é avaliar a segurança sísmica de edifícios antigos e dar prioridade a intervenções para adaptação e fortalecimento", afirmou à revista Time Carmine Galasso, professor de engenharia sísmica na University College London.
O custo de lidar com a tragédia pode ser muito maior que o custo da prevenção. Em 2009, a cidade de Áquila, localizada sobre uma falha geológica que provoca abalos constantes, sofreu um dos piores terremotos da história recente da Itália. Ao menos 300 pessoas morreram e seu vasto centro histórico ficou sob escombros. Passados sete anos e um investimento de 13 bilhões de euros, o centro histórico não foi completamente recuperado - e as vidas que se foram estão perdidas para sempre.
Em um país conhecido pela burocracia e pelos entraves a modernizações como é a Itália, reformar ou melhorar edificações antigas requer um esforço hercúleo. Obras realizadas em Roma, Pisa e outras cidades italianas para fortalecer estruturas de prédios e monumentos históricos - alguns deles patrimônios da humanidade - enfrentaram sérios obstáculos para ficar prontas. A própria lei que instituiu um código de construção moderno prevendo proteções antissísmicas demorou quase dez anos para ser aprovada no Parlamento.
O terremoto que destruiu Amatrice e outras cidades em uma das regiões do mundo mais suscetíveis a terremotos é um alerta para as autoridades italianas. Um sinal de que sob a beleza estonteante da paisagem e da arquitetura do Bel Paese, como a Itália é conhecida, estão estruturas antigas e frágeis, que podem não resistir a futuros impactos e tremores.
(texto publicado na revista Época de 29 de agosto de 2016)
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