sexta-feira, 17 de março de 2017

Delícias de um sabonete feito à mão - Carol Salles


Antes dos processos industriais, esse item primordial de higiene era produzido de maneira artesanal, à base de óleos e outros ingredientes naturais. Que tal resgatar essa tradição e fazer do seu ritual de limpeza diário um momento ainda mais gentil para a sua pele?

A primeira evidência da existência de um sabão data de 2800 a.C. Cilindros de argila com uma receita inscrita foram encontrados onde, na época, se localizava a Babilônia (atual Iraque). Provavelmente, esse sabão era usado para lavar tecidos ou como remédio - não tinha ainda o "nobre" objetivo de limpar o corpo.

O primeiro higienizante corporal que se aproxima daquilo que conhecemos hoje talvez seja o "sapun ghar" (pronuncia-se sabun gá). Produzido na cidade síria de Alepo, era feito a partir de cinzas, azeite e óleo de bagas de louro. "Era uma pasta, inicialmente usada como antisséptico medicinal. Com o tempo e o calor, ao ser transportada no lombo dos camelos, a pasta virava barra. Sua característica principal era ser verde por dentro e castanho por fora. Só o sabão de Alepo ficava assim", conta Ane Walsh, artesã especializada em perfumaria de antiquário, a prática de fazer perfumes como antigamente, de Cambuquira, MG.

Durante a Idade Média, o sabão de Alepo chegou à Europa. A novidade - melhor e mais suave do que os saponáceos elaborados à base de gordura animal - foi uma revolução, já que, na época, os hábitos de higiene e o saneamento público não eram exatamente um primor. Muitas doenças se espalhavam por conta da sujeira, matando milhares de pessoas. Um único problema precisava ser resolvido: um dos ingredientes-chaves para a fabricação do sabão de Alepo, o óleo do fruto do louro, não existia na Europa. "Na falta dele, inventaram um sabão somente com o óleo de oliva", explica o químico Roberto Akira Sugai, professor de saboaria artesanal. Assim surgiu o sabão de Castela, produzido nessa região histórica espanhola. Devido à facilidade de produção do óleo de oliva, e por seu poder de limpeza suave e eficiente, ao longo dos séculos, o sabão de Castela passou a ser usado em toda a Europa, se tornando famoso até hoje. Tempos depois, na região de Marselha, na França, a receita à base de azeite de oliva incluiu também água do mar e cinzas e, igualmente eficiente e suave, tornou-se rapidamente cobiçada. Tanto que, em 1668, para proteger esse produto de falsificações, Jean-Baptiste Colbert, ministro do rei Luís 14, criou uma lei segundo a qual apenas sabões feitos naquela região - e sob determinadas especificações, como conter pelo menos 72% de óleo vegetal (oliva e palma) - podiam receber o carimbo de "savon de Marseille". A título de curiosidade, na década de 1880, já existiam mais de 100 saboarias em Marselha.

Foi só durante a Revolução Industrial (séculos 18 e 19) que o sabão começou a ser fabricado em larga escala, graças à criação de máquinas que automatizavam o processo. No final desse período, por exemplo, William e James Hesketh Lever iniciaram, na Inglaterra, uma das maiores indústrias de cosméticos do mundo, a Unilever.

A Primeira Guerra Mundial, por incrível que pareça, impulsionou ainda mais esse processo. Com a escassez de óleos e gorduras, a indústria precisou buscar ingredientes alternativos. Isso levou ao desenvolvimento de aditivos químicos, como os surfactantes, detergentes com alto poder de dissolver gorduras. E essas substâncias são encontradas até hoje nos sabonetes comuns de supermercado. "São detergentes sintéticos, à base de gordura animal. A glicerina, a parte mais hidratante do processo de sabonificação, é retirada para outras finalidades cosméticas. Também se acrescentam perfume, cor e carbonato de cálcio, para o sabonete ficar mais duro e pesado", informa a ex-arquiteta Beth Bacchini, professora de saboaria artesanal e dona do ateliê Santo Sabão, em São Paulo. "Em geral, o desengordurante sintético mais usado é o lauril sulfato de sódio. Trata-se do mesmo princípio ativo dos detergentes de cozinha, que varre da superfície toda e qualquer sujeira", explica a artesã de cosméticos naturais Sachimi Garcia dos Santos (mais conhecida como Sachi), nascida na Bélgica e radicada no Rio Grande do Norte. Acontece que, com o tempo, remover completamente o manto de gordura que recobre a pele a deixa ressecada e vulnerável.

A vantagem dos sabonetes feitos a partir de óleos e manteigas hidratantes é que eles mantêm toda a glicerina durante o processo de saponificação. A substância é subproduto da reação ente os óleos e a soda cáustica (daí porque toda receita caseira precisa desse último ingrediente). "Transparente e viscosa, ela atrai água para si. Por isso é hidratante", explica Sachi. 

A manufatura também possibilita uma seleção de ingredientes mais gentis para a pele. Argilas e carvão de bambu, por exemplo, desintoxicam e fazem uma limpeza profunda. Aveia e casca de laranja e limão esfoliam sem machucar enquanto o mel e o iogurte hidratam. Óleos essenciais também são usados para aromatizar e conferir efeitos terapêuticos aos sabonetes. "Cada um tem uma lista enorme de benefícios físicos, emocionais, mentais e até espirituais", completa Sachi.



(texto publicado na revista Bons Fluídos edição 200 - novembro de 2015)

Um comentário:

  1. Muito boa a reportagem... Se as pessoas soubessem o bem que faz à pele o sabonete artesanal feito com glicerina, não compraraiam mais os sabonetes de supermercado :D

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