sábado, 29 de novembro de 2014

Bandeirada da discórdia - Silas Colombo


Aplicativo para fazer corridas com motoristas particulares chega à cidade e incomoda taxistas, que reclamam de concorrência desleal

Ter um carro top de linha com chofer particular disponível 24 horas já um foi privilégio exclusivo dos paulistanos mais abastados. Agora, desde a chegada do Uber à cidade, um aplicativo americano que funciona como os de táxi, qualquer pessoa pode desfrutar um luxo. O usuário se cadastra e informa dados de cartão de crédito ou de uma conta PayPal, as únicas formas de pagamento aceitas pelo serviço. Depois, diz onde está e pede um veículo. As semelhanças acabam aí. A frota na capital, com cerca de 1 000 veículos, reúne apenas modelos Hyundai Azera, Toyota Corolla e Ford Fusion - a maioria na cor preta. Só são aceitos automóveis fabricados a partir de 2009. Eles são guiados por condutores em traje social que falam o mínimo possível sem o convite do passageiro. No banco traseiro, água, carregadores de celular, balas, chocolates e até remédio para dor de cabeça estão disponíveis, a título de cortesia.

O Uber tem potencial para roubar espaço dos quatro aplicativos usados em larga escala por usuários e taxistas na metrópole: Easy Taxi, 99Taxis, Taxi-já e Taxibeat. Em um teste realizado na semana passada por VEJA SÃO PAULO, com quatro carros em horários e itinerários iguais, o novo serviço se mostrou 20% mais caro e ganhou no conforto oferecido ao passageiro. O valor da corrida é calculado pelo aplicativo. A taxa fixa inicial é de 5 reais, acrescida de 40 centavos por minuto e 2,42 reais por quilômetro rodado. O custo mínimo da bandeirada é de 10 reais. Não há diferenças na tarifa se a pessoa embarcar durante o dia ou à noite.

"Os clientes aceitam pagar mais, pois estão insatisfeitos com o que é oferecido hoje. Querem algo mais seguro e confiável", entende Anderson Mota, que há três semanas tirou seu Ford Fusion 2012 da frota de uma empresa de transporte executivo para trabalhar com o aplicativo. Na última quarta (30), o publicitário Nabil Carone foi um de seus passageiros. Por vezes, ficava esperando muito e era atendido por um carro velho guiado por uma pessoa mal humorada, conta ele, usuário do Uber há duas semanas. "Se é para enfrentar o trânsito, que seja om conforto", acrescenta.

Lançado nos Estados Unidos há cinco anos, o negócio chegou ao Brasil em maio, no Rio de Janeiro. Lá, imediatamente criou polêmica. No fim de junho, cinquenta motoristas de praça cariocas dirigiram-se às ruas para protestar contra a novidade. O mesmo aconteceu em Paris, Berlim, Londres e em muitas outras das mais de 150 cidades dos 42 países onde o aplicativo é usado. Em algumas dessas localidades, o Uber abocanhou 40% do mercado dos  taxistas. Em São Paulo, já começa a surgir um barulho semelhante contra o serviço. "É crime, pois trabalham como taxistas sem ter autorização", afirma Natalício Silva, presidente do Sinditaxisp, que representa a categoria na capital. A entidade promete entrar em breve com uma ação pública para barrar a operação do Uber, e seus diretores procuraram alguns vereadores na última semana em busca de apoio. "Se o poder público não demonstrar interesse em ajudar, vamos para as ruas e eu mesmo vou queimar esses carros!", ameaça Silva.

A cidade tem 33 700 motoristas de praça, e as novas autorizações para ingressar no mercado estão congeladas desde 2011. Por lei, qualquer pessoa que use o veículo para transporte individual de passageiro como negócio precisa de licença, sob o risco de ter o carro apreendido. Os responsáveis pelo Uber refutam as acusações, com o argumento de que eles não trabalham como uma central de táxi: "Somos uma companhia de tecnologia", defende Lane Kasselman, porta-voz da companhia americana. "Não temos automóveis nem motoristas contratados, só oferecemos uma plataforma que liga quem dirige aos passageiros nteressados em pagar pela viagem."

Por enquanto a prefeitura paulistana tem adotado uma postura dúbia em relação ao serviço. A Secretaria Municipal de Transportes emitiu recentemente uma nota que classificava como ilegal a atividade, com argumentos parecidos aos do sindicato dos taxistas. Na prática, porém, a fiscalização está deixando o negócio correr solto. Até a quinta passada (31), nenhum motorista ligado ao Uber tinha enfrentado problemas.

No exterior, depois de controvérsia semelhante, o aplicativo acabou recebendo a aprovação das autoridades de trânsito de cidades como Washington e Seattle, ambas nos Estados Unidos. Por lá, segundo a empresa, os motoristas faturam até 90 000 dólares por ano. "As novas tecnologias trazem perspectivas que não se enquadram em leis de décadas atrás", comenta o advogado Ronaldo Vieira Breto, especialista em transportes. "Antes de extinguir a nova atividade, é importante analisar se ela não está suprindo uma necessidade da população", completa.




(texto publicado na revista Veja São Paulo de 6 de agosto de 2014)




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