sábado, 7 de novembro de 2015

É devagar, devagarinho


O clínico geral e psiquiatra Cyro Masci fala sobre a importância de mastigar bem os alimentos e relaxar na hora da refeição

Se você tem o costume de comer correndo, sem apreciar o que coloca no prato ou perceber os sabores e as texturas do que leva à boca, talvez seja a hora de mudar este hábito. Ao não mastigar bem os alimentos e não relaxar durante a refeição, a digestão e até mesmo as tentativas de perda de peso podem ser prejudicadas.

O clínico geral e psiquiatra Cyro Masci, que bateu um papo com a Revista Divino Fogão, explica que o alimento pouco triturado prejudica tudo o processo digestivo, inclusive interferindo na sensação de saciedade e fazendo com que as pessoas ingiram mais porções do que precisam.

"Nosso cérebro leva cerca de 20 minutos para reconhecer que já está saciado e comer muito depressa atrapalha este processo. Fora isso, as partículas de comida mal digeridas podem cair na corrente sanguínea, promovendo mudanças na flora intestinal e no sistema imunológico", afirma o médico.

Para evitar que isso aconteça, o ideal é se alimentar sem pressa, especialmente durante o almoço e o jantar, e aproveitar o momento. Outras dicas são criar um ambiente relaxante para as refeições, inclusive com a ajuda de música, prestar bastante atenção ao que está sendo ingerido e mastigar cada garfada entre 10 e 20 vezes.

Além disso, é importante aprender a reconhecer o sabor e a textura de cada alimento no prato, pois isso ajuda a aprimorar o paladar. "Quando o prazer com o paladar é bom, a tendência é escolher criteriosamente os alimentos", acrescenta Masci. A seguir, saiba mais sobre o tema e também o que fazer para emagrecer com saúde.

Por que é tão importante mastigar bem os alimentos durante as refeições?

A digestão começa na mastigação, que tem efeito físico e mecânico de quebrar os alimentos, mas também de estimular a produção de várias substâncias químicas, chamadas enzimas digestivas, tanto na boca quanto no estômago. Comida mal triturada na boca chega ao estômago em pedaços maiores do que deveriam, dificultando o aproveitamento dos alimentos. Fora isso, as partículas de alimentos mal digeridas podem cair na corrente sanguínea, promovendo mudanças na flora intestinal e no sistema imunológico.

O que mais pode acontecer?

Pode haver interferência no emocional e até no peso corporal. Sem contar que comer rápido deixa a pessoa com a sensação de peso e causa sonolência, e isso certamente atrapalhará o trabalho e comprometerá o ato de dirigir, entre outras atividades.

Quer dizer que comer devagar ajuda a emagrecer?

A sensação de saciedade, de que já se comeu o suficiente, tem várias origens, e uma das mais importantes é gerada no estômago. Essa informação leva, em média, vinte minutos para chegar ao cérebro. Se uma pessoa come muito depressa, a informação de que já deve parar de comer chegará com atraso, e aí a pessoa já terá comido mais do que deveria.

Qual o número ideal de mastigadas em cada garfada?

O ideal é que a comida liquefaça na boca antes de ser engolida, o que é mais fácil falar do que fazer. Um número razoável é entre 10 e 20 mastigações. Minha sugestão é contar mentalmente enquanto mastiga e só engolir depois da contagem. Também é possível prestar atenção ao tamanho da comida na boca, e, quando ela ficar parecida com uma papinha, aí sim se pode engolir.

Quais são as suas dicas para comer com mais tranquilidade?

A primeira delas é tentar não se distrair e prestar atenção total ao que está comendo. Na prática isso significa não trabalhar no computador ou ficar assistindo televisão enquanto se alimenta, para evitar colocar o cérebro em algo parecido com um modo automático, distraído, e comer mais depressa. Além disso, enquanto estiver mastigando, não segure os talheres, mas, sim, coloque-os ao lado do prato. Esse simples artifício promove uma pausa e pode quebrar o hábito de já ir se servindo de mais comida antes mesmo de ter engolido o que está na boca. Também é preciso mastigar bem os alimentos, como já adiantamos, aprender a reconhecer o sabor e a textura de cada alimento no prato e, se tiver controle sobre o som ambiente, deve-se colocar músicas calmas e relaxantes.

O som que escutamos durante a refeição realmente interfere no tipo de alimento que escolhemos? De que forma isso acontece?

Foram realizados trabalhos científicos que compararam a velocidade de ingestão de alimentos com diversos tipos de música. O que se constatou é que músicas mais agitadas fazem as pessoas entrarem em ritmo mais acelerado, o que aumenta também a velocidade de ingestão. Já as músicas maias calmas levam a um estado de espírito mais tranquilo, e isso se reflete tanto na qualidade da escolha dos alimentos, ou seja, em alimentos mais saudáveis, quanto na velocidade de ingestão.

E quanto a aprender a reconhecer os sabores no prato, por que isso é importante?

Os culinaristas dizem que desconstruir os sabores ajuda a aprimorar o paladar. Quando o prazer com o paladar é bom, a tendência é escolher criteriosamente os alimentos. Costumo perguntar para meus pacientes que tomam vinho, se eles aceitam tomar um vinho qualquer, de má qualidade. A maioria diz que não. O mesmo princípio se aplica aos alimentos. Quanto mais sensibilidade gustativa tivermos e quanto mais soubermos diferenciar os sabores, mais fácil se tornará ser exigente e criterioso com o que se come.

Todas estas questões acabam relacionadas com a perda de peso. Só que muita gente tem dificuldade para emagrecer. O que atrapalha este processo?

Cada organismo possui necessidades específicas e individuais. O antigo modelo mecanicista era simples. "Se diminuir a ingestão de calorias e aumentar o gasto delas, eu vou emagrecer. Esse modelo serve apenas para uma minoria. A maioria não consegue emagrecer comendo pouco porque o metabolismo está alterado. Por isso, é necessário a abordagem individual.

Como proceder nestes casos?

Procurar um médico. É preciso, antes de mais nada, investigar se existe alguma doença hormonal e se o metabolismo está funcionando adequadamente. Depois disso, é possível pensar em causas biológicas e emocionais, assim como na influência do ambiente no controle do peso corporal.

E o que é preciso para emagrecer com saúde?

Basicamente fazer atividade física regular, sem necessidade de que seja extremada, e comer de modo equilibrado e saudável. Se o leitor chegou até aqui, é um bom sinal de que está no caminho certo, que deseja se informar de modo correto sobre o que deve comer e como deve selecionar aquilo que irá formar seu corpo e sua mente.

Como alimentar corretamente o corpo e a mente?

Quem deseja emagrecer vai precisar mudar a forma como se enxerga e o mundo ao seu redor. Quem não muda a imagem que tem de si mesmo, corre o risco de voltar ao estado anterior, ou seja, voltar a engordar. As mudanças no modo de pensar, sentir e agir ocorrem no cérebro, que pode ser exercitado para facilitar as modificações em sua estrutura. Essa capacidade de formar novas conexões no cérebro é conhecida como neuroplasticidade, e estimular essa capacidade ajuda a fixar os resultados do seu esforço. Do mesmo modo que um jogador de bola faz exercícios de musculação se preparando para o jogo, também o cérebro de quem quer emagrecer pode ser estimulado com atividades que nada tem a ver com dieta.

Quais, por exemplo?

É preciso criar experiências de realização. Muita gente pensa que é nos finais de semana e nos feriados que somos mais felizes. Não é bem assim. O estado de felicidade e realização acontece quando equilibramos desafios com nossas capacidades, quando fazemos alguma coisa que traga dificuldade, mas que ainda se encontra dentro das nossas capacidades. A dica aqui é buscar um desafio que gere esse estado de imersão e contentamento. Vale aprender um instrumento musical, uma nova língua, ir cantar num coral...

O importante, então, é criar uma nova fonte de contentamento e estímulo para o cérebro?

Sim. Também recomendo dar risada. Vários trabalhos científicos com pessoas enfermas mostraram que assistir a filmes engraçados melhora o sistema imunológico e facilita a cura. Com a obesidade ocorre um processo semelhante. Durante a dieta, procure assistir comédias, ler livros de humor. Ao mesmo tempo afaste-se de filmes e leituras que coloquem seu organismo em estado de alerta. Essa sobrecarga irá liberar cortisol, que sabidamente dificulta a perda de peso. É preciso exercitar o corpo estimulando o cérebro.

Algumas atividades físicas entram nesta categoria...

Sim. Dança, pilates e ioga são algumas atividades que estimulam áreas do cérebro que não estão sendo totalmente utilizadas e exigem habilidades de concentração e equilíbrio, por exemplo. Nesses casos, o objetivo não é queimar calorias, mas sim estimular novas conexões no cérebro.


(texto publicado na revista Divino Fogão nº 17 - ano 04 - nov/dez de 2015 e jan de 2016)

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