quinta-feira, 12 de novembro de 2015

WhatsApp é vício - Walcyr Carrasco


Com o celular, a gente corre o risco de trabalhar o tempo inteiro, o chefe pode chamar a qualquer momento

Estou no restaurante Gero, em São Paulo. Na mesa próxima, um casal de orientais. Cada um em seu celular. Durante a refeição não trocam uma palavra. Só teclam. Saem juntos, andando e teclando. Em outra ocasião, em Madri, um amigo convidou um grupo para jantar. Um dos convidados sacou o celular. Ficou conversando com a família no Brasil. E nem se interessou em conhecer o grupo de espanhóis na mesa!

A vida com o celular é boa, mas tem armadilhas. Primeiro, a gente corre o risco de trabalhar o tempo inteiro. O chefe pode chamar a qualquer momento, com um assunto urgente. (Que no passado podia esperar até segunda-feira.) Também se intromete em minha vida o tempo todo. Por exemplo, estou jantando com alguém. Ouve-se o toque. A pessoa se lança numa longa conversa, enquanto espero trucido o peixe em meu prato e tento fazer cara de paisagem. Juro, tento me acostumar. Tornou-se impossível falar com alguém sem que a pessoa atenda a algumas ligações, e fale pelo Whats­App durante boa parte do papo, dividida entre nossa conversa e alguém que não sei. Ri, enquanto falo de um assunto sério. Mas está rindo do que escreveram do outro lado. É muito estranho. Reconheço: o WhatsApp tem vantagem. Tenho dois grupos familiares, um com minhas sobrinhas e outro com meus irmãos. Estamos sempre atualizados sobre nossas vidas. Sem dúvida a internet une as pessoas. Mas também separa. Porque há quem não consiga parar de teclar. Conheço umas duas atrizes que teclam até durante a gravação da novela. Na hora da fala, não se lembram. Estavam teclando. Alguém assopra e a interpretação vai para o lixo. Já ouvi diretor de novela falar:

– Aquela é muito desconcentrada. Fica teclando na hora de gravar.

É só uma demonstração, em meu meio profissional, de como o WhatsApp especialmente pode prejudicar a vida de alguém. Em reportagens, e também em conversas com um fisioterapeuta, soube que as pessoas estão tendo problemas no pescoço, de tanto ficar com a cabeça curvada no celular. Pode ser uma festa, a pessoa consegue se isolar. Um amigo saiu do Rio Grande do Sul para ser modelo em São Paulo. Durante um evento, estava direto no WhatsApp. A certa altura, virou-se para mim furioso:

– Imagine o que minha mãe disse para meu primo...

Respondi:

– Você não está lá. Está aqui. Não pode participar de briguinhas familiares. Relacione-se com as pessoas, faça contatos. Senão, é melhor voltar para sua cidade de uma vez.

Ele me encarou como se eu estivesse dizendo um absurdo.

– Espera aí. Só vou terminar aqui – disse.

E voltou a teclar que nem doido, rosto vermelho, no meio de uma briga familiar a quilômetros de distância.

Bem, mas isso é com ele. Pior quando é comigo. Às vezes, enquanto espero alguém, converso pelo WhatsApp. Quando a pessoa chega, explico que preciso parar. É como se estivesse expulsando alguém da minha casa. Vem uma rea­ção ofendida. Quem está no WhatsApp comigo acha que tem prioridade. E também quem faz ligações. Esses dias tive um problema com meu celular. Não carregava. Estava com um mínimo de bateria. Antes de sair para comprar um carregador, um amigo ligou. Como nunca me chama, achei que era importante. Atendi e expliquei:

– Seja rápido. Minha bateria está no fim e não sei se o problema é do celular ou do carregador.

– Ah, tá. Sabe, eu fui na casa da Vera, sou muito amigo dela e do marido, e ela disse que falou com você e que você...

– Pelo amor de Deus, diga em uma frase.

– Tudo bem. É que ela disse que...

O celular pifou. Mais tarde, celular carregado, liguei. Ele começou a explicar, eu cheio de trabalho a fazer. Finalmente, implorei.

– Por favor, do que se trata?

Ofendeu-se. O comportamento dele é o mesmo de quem está fazendo uma visita. Só que visita eu marco. O do celular entra e se instala como numa poltrona a minha frente. Vejo cada vez mais gente que não consegue parar de falar no WhatsApp, e nele resolve toda a vida amorosa, pessoal e, creio, até financeira. Há relações íntimas entre gente que nunca se viu. O comportamento do usuário de WhatsApp é idêntico ao de um viciado: verifica se há mensagens a cada instante, responde, volta a falar, verifica de novo, responde, verifica. Em vez de um vício químico, surgiu o eletrônico. Óbvio. Palpável. Mas do qual as pessoas não têm consciência e perdem até o contato direto, visual, com quem está em frente a elas.

Dona Jandira, uma senhora mineira de 85 anos, resumiu:

– A invenção do celular pôs fim à etiqueta.



(texto publicado na revista Época de 24 de agosto de 2015)

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