sábado, 7 de novembro de 2015

Receita de carinho - Luciana Alvarez


Os avanços da medicina aumentaram - e muito! - as chances de cura, mas às vezes perde-se o foco nas pessoas. Um atendimento de saúde humanizado enxerga as histórias e sentimentos que estão além da ficha médica

Certo dia, aquela dorzinha que incomodava vez ou outra se transforma. O corpo adoece e você se vê envolvido numa rotina de consultas, exames e intervenções. Nesse caminho entre o momento saudável e o leito de um hospital, muitas vezes parece que o senso de humanidade vai se esvaindo à medida que adentramos na rotina apressada e tensa dos ambientes médicos. No esforço de entender as forças que agem sobre os mecanismos fisiológicos das doenças e deter seu avanço, a medicina moderna foi fechando o foco, aprofundando-se mais e mais no conhecimento especializado. As descobertas das últimas décadas aumentaram as chances de cura e elevaram a expectativa de vida da população, mas também trouxeram uma espécie de vazio para o paciente. Porque, mesmo com novos exames, remédios e tratamentos, a necessidade de proximidade e contato humano permanece.

Ao perceberem o abandono dos pacientes, mesmo daqueles que estão dentro dos hospitais, muitas pessoas sentem que precisam agir e se dedicam não apenas a buscar a cura, mas a levar alegria, oferecer conforto e inspirar confiança. Talvez o exemplo mais conhecido de humanização da saúde no Brasil seja o da organização Doutores da Alegria, cujos palhaços entraram nos hospitais infantis para permitir que as crianças, mesmo enfermas, possam ser crianças. Uma visita de um Doutor da Alegria (um palhaço fantasiado de médico) permite que elas brinquem, deem risadas, divirtam-se e, nem que seja por apenas alguns instantes, se esqueçam da doença e foquem na vida.

Para além das crianças, enfermos de todas as idades - assim como suas famílias - precisam de apoio. Nas próximas páginas, apresentamos seis iniciativas que atuam de maneira bastante distintas, cuidando das pessoas de forma humanizada desde o nascimento até o momento de dizer adeus. Apesar das diferenças, todas têm sempre como grande objetivo fazer o paciente sentir-se melhor e mais pleno. São ações inspiradoras - e quem quiser pode colaborar também!

Solução 1

Disseminar a informação

Havia um problema claro na unidade de saúde em que a médica Andressa Gulin dava aulas, em Curitiba (PR): o número de exames ginecológicos preventivos não chegavam à meta - algo muito grave, pois o câncer de colo de útero é a quarta causa de morte entre as mulheres. Juntas, ela e a professora de enfermagem Tatiane Trigueiro pensaram em uma forma de resolver a questão.  Ao mapearem o bairro, perceberam uma grande quantidade de salões de beleza. "Ao conversarmos com as depiladoras, percebemos que elas não sabiam o que fazer ao ver alguma lesão nas clientes", diz Andressa. Então, convidou-as a passar por uma formação no posto de saúde. "A ideia não é que elas identifiquem o tipo de lesão, mas que encaminhem as mulheres ao posto e saibam a importância dos exames." O projeto Depiladora Amiga fez o número de exames aumentar 60% e está sendo levado a outras unidades de saúde.

Solução 2

Alegrar o espaço físico

Bem de saúde, a artista plástica Vera Ferro costumava passar longe de hospitais. Até que um dia recebeu um convite de uma amiga, médica do Hospital Boldrini, em Campinas: comandar um esforço para pintar de forma lúdica as paredes de uma nova ala do centro infantil. Com ampla experiência com arte-educação, Vera aceitou o desafio para alegrar os 400 metros de parede. Em vez de uma pintura-padrão em tons pastel, o local foi decorado com uma obra de arte coletiva, feita por todos que estavam lá, desde as crianças até médicos. "Convidamos as pessoas e dizíamos apenas "traga sua criança interior", lembra-se. Isso foi em 1998, e, desde então, Vera já fez 21 edições do projeto, que chamou "Pintando as paredes do mundo", em diversos hospitais e casas de atendimento para crianças. "As pessoas passaram a me chamar, e fui aceitando. No momento da execução, a gente fica em estado de graça", diz.

Solução 3

Usar animais no tratamento

Quem tem bichos de estimação já sabe: passar um  tempo com animais é uma verdadeira terapia. Mas, além de fazer companhia, bichos podem auxiliar em tratamentos de saúde. Em Brasília, a ONG Cavalo Solidário atende gratuitamente quase 200 crianças com situações diversas: há autistas, deficientes físicos, crianças com paralisia cerebral e com transtorno de déficit de atenção. Para todas, a convivência com o cavalo traz impactos positivos. "Montar trabalha a afetividade, a autoestima e a autoconfiança; afinal, a pessoa domina um ser muito maior que ela", explica Mônica Lima, coordenadora da ONG. Para quem tem problemas motores, a equoterapia é uma oportunidade ainda mais especial. "O cavalo ajuda no desenvolvimento motor porque faz movimentos tridimensionais", diz. Sobre o animal, a criança também é estimulada a aguçar os sentidos, sentir o cheiro, o toque e o vento.

Solução 4

Levar música ao hospital

Ao ver os bons resultados que a música estava promovendo em um hospital particular onde atuava, o psiquiatra Kleber Lincoln Gomes, diretor da faculdade de medicina de Itajubá, decidiu levá-la também ao hospital universitário, que atende pelo SUS. "O hospital já tinha um grupo de humanização para divertir as crianças, e eu mesmo havia trazido a disciplina de cuidados paliativos para a grade curricular", conta. A iniciativa começou há dois anos, quando os artistas fizeram uma formação específica e foram contratados. Hoje, há música pelos corredores, em todas as alas, de segunda a sexta-feira - só a UTI fica de fora por questões de segurança. "É um trabalho extraordinário, que emociona e envolve a todos do hospital. Desde que começamos com o projeto, diminuímos o tempo médio de internação de cinco dias e meio para quatro dias e meio", comemora Kleber.

Solução 5

Ajudar na hora da despedida

Depois de esgotados os mais avançados tratamentos, o paciente se torna um caso sem solução do ponto de vista estritamente médico. Porém, ele continua precisando de atendimento e conforto até o fim da vida. "Esse é sempre um momento difícil, mas ele pode ser envolto em respeito e carinho", afirma Avany Maia, oncologista especializada em cuidados paliativos domiciliares da Liga Bahiana contra o Câncer. Pacientes terminais do Hospital Aristides Maltez, onde a Liga atua, podem passar seus últimos dias em casa graças a um programa que ensina a família a trazer os atendimentos paliativos. Os cuidadores participam de reuniões com a família para aprender sobre a doença, conhecer questões práticas e receber apoio emocional. "Em casa, o paciente ganha mais autonomia do que no hospital, pode escolher a hora de tomar banho, de comer, com quem conversar...".


Solução 6

Apoiar na hora do nascimento

Bióloga por formação, há dois anos Gabriela Müller largou a carreira na indústria farmacêutica para se dedicar à profissão de doula. Cada vez mais casais grávidos procuram profissionais desse ramo para ter um acompanhamento físico e emocional durante a gestação, parto e pós-parto. Mas Gabriela pensava nas mulheres que não podem pagar pelo serviço. Foi então que ela e outras cinco doulas se uniram para prestar o serviço de forma voluntária no Hospital Santo Antônio, em Blumenau (SC). As seis mulheres se revezam para atender às futuras mães. Apesar de ser um acompanhamento apenas no momento do trabalho de parto, elas conseguem dar conforto físico e emocional às gestantes numa hora tão importante. "Para o físico, fazemos ações de analgesia, como massagens, uso da bola de pilates e escalda-pés. Mas também damos apoio psicológico. A mulher sente que não está sozinha", diz Gabriela.



(texto publicado na revista Sorria para ser feliz agora nº 46 - nov/dez de 2015)

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