Produtos que fazem sucesso com atletas e frequentadores de academia dependem de vários fatores para terem resultados satisfatórios e não realizam milagres
Em 2012, a comercialização de suplementos alimentares movimentou R$ 450 milhões, um aumento de 23% em relação ao ano anterior, segundo dados da Associação Brasileira das Empresas de Produtos Nutricionais (Abenutri). A produção e venda de suplementos alimentares envolvem quantidades enormes de dinheiro e publicidade, mas o retorno ao consumidor pode não ser tão expressivo quanto os números financeiros.
Esses produtos são disponibilizados nas mais variadas formas, como comprimido, líquido e gel e contêm nutrientes que existem naturalmente na alimentação humana e que são essenciais para o bom funcionamento do organismo. "Praticamente todos os nutrientes podem ser usados", afirma Julio Tirapegui, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) e autor do livro Nutrição, metabolismo e suplementação nas atividades físicas (Ed. Atheneu). Carboidratos, proteínas, vitaminas, minerais, todos são importantes para o corpo, que precisa manter os níveis dessas substâncias. O que a suplementação faz é ajudar a pessoa a atingir esses níveis, seja porque o indivíduo está com falhas nutricionais na dieta ou porque consome uma quantidade tão grande desses nutrientes que a reposição apenas via alimentação se torna inviável.
Esse é o caso de atletas que realizam atividades físicas pesadas, durante muitas horas por dia. Os suplementos são uma forma prática de reposição dos nutrientes utilizados pelo corpo durante o exercício. Porém, boa parte dos usuários de suplementos alimentares não é atleta profissional. "Será que essa pessoa treina tanto assim para não conseguir repor os nutrientes via alimentação? Geralmente a resposta é não", conta Bruno Gualano, professor da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE).
Em academias é comum encontrar pessoas que utilizam suplementos com o objetivo de aumentar a massa muscular e melhorar o condicionamento físico, mas os suplementos nutricionais possuem um efeito marginal. As melhoras no desempenho físico proporcionadas por esses produtos só ocorrem se existe uma deficiência comprovada de alguns nutrientes no organismo. Ainda assim, a melhora no desempenho pode passar despercebida por uma pessoa que não seja atleta profissional, pois para os atletas qualquer melhora no desempenho físico que proporcione um centésimo de segundo de vantagem em relação aos demais competidores já pode diferenciar o vencedor do último colocado. "Um indivíduo que não tem um fim competitivo pode não se valer do benefício do suplemento", ressalta Gualano.
A questão das proteínas
A alimentação dos brasileiros em geral é rica em proteínas, devido ao grande consumo de carne pela população. Por essa razão, dificilmente um indivíduo consome menos proteínas do que o seu corpo precisa. Esse nutriente está presente em vários suplementos e é um chamariz para as pessoas que querem aumentar sua massa muscular rapidamente, já que as proteínas são as responsáveis pela construção dos músculos. O problema é que consumir mais proteínas do que o necessário não significa que o corpo irá produzir mais massa muscular. A proteína em excesso é descartada pelo organismo, e nesse processo pode causar sobrecarga do fígado.
"Normalmente, brasileiros que não utilizam suplementos consomem em torno de um grama de proteína por quilo, enquanto a recomendação é de 0,8 grama por quilo", conta Fabiana Benatti, nutricionista e professora da EEFE. Para atletas a recomendação chega a dobrar, e então os suplementos podem ser uma solução eficaz.
Se a proteína ingerida ficar em excesso no organismo, ela pode ser usada como fonte de energia, substituindo os carboidratos. Mas além de ser mais cara em relação a esse nutriente, produz menos energia do que a mesma quantidade de carboidratos, não sendo um substituto eficiente. "Ninguém come filé para satisfazer necessidades energéticas", exemplifica Tirapegui.
Mesmo que a proteína esteja em quantidade adequada para o organismo, somente a sua presença não garante que o indivíduo terá aumento da massa muscular e da força. Ela só funciona quando aliada a exercícios físicos específicos, como os de hipertrofia muscular. "O que as pessoas imaginam é que o suplemento vai ser a solução de todos os problemas, mas isso não é verdade, o treino é mais importante", afirma Fabiana.
Suplementos x anabolizantes
Os suplementos alimentares são também substâncias anabolizantes, mas não no sentido comumente atribuído à palavra. O termo "anabolizante" se refere na verdade a tudo o que tem efeito construtor no organismo. Assim carboidratos, proteínas e outros nutrientes são anabolizantes, pois constroem gordura e músculo, entre outras estruturas. As substâncias que geralmente ganham o nome de "anabolizantes" são aquelas que possuem efeitos dopantes e que não são produzidas no organismo humano, ou pelo menos não na quantidade ingerida por aqueles que se dopam.
A testosterona é um bom exemplo. Esse hormônio existe naturalmente no organismo humano, mas algumas pessoas utilizam o hormônio sintetizado em laboratório para aumentar sua concentração no organismo. Como a testosterona está relacionada ao crescimento da massa e força muscular, alguns indivíduos que querem atingir um crescimento rápido dos músculos e da força recorrem à utilização abusiva da substância, sem acompanhamento de um médico. Em quantidade além do normal para o corpo, a testosterona pode causar atrofia dos testículos e esterilidade. Além disso, o uso prolongado de agentes dopantes para aumento da massa muscular também pode levar a problemas cardíacos.
Auxílio na terceira idade
O que poucas pessoas sabem é que os suplementos podem ser mais do que amigos de frequentadores de academias e atletas profissionais. Bruno Gualano coordena o Laboratório de Nutrição e Metabolismo Aplicados à Atividade Motora da EEFE, que pesquisa nutrição associada ao exercício. Partindo da premissa de que em algumas condições a combinação de determinados nutrientes com a atividade física é necessária para que se alcance uma resposta ideal do organismo, o laboratório trabalha também com idosos e portadores de doenças metabólicas, como o diabetes.
Em um trabalho publicado em 2010, os pesquisadores do laboratório demonstraram que a suplementação de creatina aliada ao treinamento físico era capaz de melhorar o controle glicêmico do diabético, proporcionando um resultado melhor do que o obtido apenas com o exercício. Atualmente os estudos estão focados em idosos e nas estratégias para aumentar a massa muscular dessa parcela da população. Com o avanço da idade, a perda de musculatura se acentua, em um processo denominado sarcopenia, o que dificulta a realização de algumas atividades do dia a dia. Para tentar reduzir esse problema, o laboratório testa fontes de proteínas e aminoácidos aliados ao exercício físico para ver se ocorre um aumento da massa muscular dos idosos. "Tentamos usar medidas não farmacológicas, que são as melhores nesse caso, para combater a sarcopenia e fragilidade", conta.
Os idosos possuem um quadro de resistência anabólica, que exige quantidades maiores de proteína para que haja uma resposta do organismo e ocorra a formação de tecido muscular. Esse aumento da demanda de proteína coincide com uma época da vida em que as pessoas geralmente passam a consumir quantidades menores do nutriente, devido a dificuldades na ingestão dos alimentos e fatores culturais. Os suplementos alimentares podem ajudar a suprir essa deficiência. "O idoso que não consegue alcançar essa quantidade de proteína via alimentação pode utilizar o suplemento como uma alternativa interessante", afirma Gualano.
Contaminação
Um grande problema enfrentado por aqueles que consomem suplementos alimentares é conseguir ter certeza de que aquele produto é realmente o que diz ser. Estima-se que por volta de 20% a 30% dos suplementos alimentares vendidos no Brasil possuam substâncias esteroides em sua composição, como a testosterona.
Bruno Gualano conta que a contaminação pode se dar de duas formas distintas: deliberada ou cruzada. A contaminação deliberada é aquela causada propositalmente pelo fabricante, de modo a garantir que o consumidor sinta um aumento da massa muscular, por exemplo. O outro tipo de contaminação pode ocorrer se a empresa fabricante também produzir substâncias farmacêuticas e houver algum contato - mesmo que pequeno - entre os componentes do medicamento e do suplemento, ou dos instrumentos utilizados para produzi-los. Sem saber, o indivíduo ingere esteroides, que podem causar problemas graves para o seu organismo, enquanto acredita que os resultados advêm da simples suplementação alimentar.
Além de colocar a saúde do consumidor em risco, a contaminação dos suplementos pode arruinar a carreira de atletas. As substâncias contaminantes são proibidas para os participantes de competições esportivas, que podem ser punidos gravemente por utilizá-las. O exame antidoping também pode prejudicar a carreira dos profissionais da saúde e nutrição que acompanham esses atletas, já que são eles que indicam os suplementos a serem utilizados. Como afirma Gualano, "o atleta pode se salvar com o argumento de que tomou o que lhe foi passado, agora, o nutricionista ou o médico não escapam".
O professor da EEFE acredita que deveria existir no Brasil uma lista com os suplementos que foram testados e que não sofreram nenhum tipo de contaminação, como existe na Alemanha. "Precisamos dar mais segurança para os profissionais que prescrevem suplementos nutricionais", afirma. Enquanto isso não acontece e em meio a tanta variedade de oferta de suplementos, é preciso cautela na hora de escolher. "A pessoa tem que usar uma marca em que ela confie, tem que tomar cuidado", aconselha Fabiana.
Julio Tirapegui critica ainda que muitos suplementos nutricionais não possuem as quantidades de substâncias que afirmam possuir, ou nem mesmo possuem qualquer traço do ingrediente. "Existe muita falsificação", acusa. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) é responsável por controlar a entrada de suplementos alimentares no mercado, mas isso não impede que exista a comercialização de produtos não aprovados." A Anvisa não tem estrutura para fazer essa análise", critica o professor da FCF. "A gente não tem quem fiscalize os suplementos nutricionais", alerta Bruno Gualano. Apesar de criticar a facilidade com o qual suplementos são vendidos com substâncias proibidas, Gualano defende a forma de atuação da Anvisa. Segundo o professor, a agência brasileira preza mais pela segurança do consumidor do que a sua similar americana, a FDA (Food and Drug Administration). Isso porque a Anvisa é criteriosa na hora de liberar um produto novo no mercado. Porém, alterações no produto após essa liberação podem passar despercebidas se não houver uma denúncia e "a maior parte das denúncias sobre os suplementos é feita por empresas concorrentes", afirma Tirapegui.
Auxílio profissional
A utilização de suplementos alimentares pode ajudar o indivíduo a melhorar o condicionamento físico e a saúde, mas apenas se houver deficiências nutricionais em seu organismo. Consumir esses produtos sem necessidade, além de ser caro, pode fazer mal ou trazer resultados indesejados, como o ganho de peso. Por essas razões, consultar um profissional da saúde antes de utilizar esse tipo de produto é essencial. Somente esse profissional pode indicar a necessidade de consumir algum suplemento e qual o tipo, a dosagem e a forma de ingestão mais indicadas para a sua necessidade.
(texto publicado na revista Espaço Aberto nº 156 - dezembro de 2013)
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