sábado, 8 de novembro de 2014

Água, o grande desafio do século - Atalita Figueiredo, especial para o Jornal do Comércio


As projeções mais recentes da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que, se o uso da água e o crescimento populacional permanecerem no ritmo atual, nos próximos 30 anos a quantidade de água disponível por pessoa estará reduzida a 20% do que temos hoje. O diagnóstico assusta, e serve de alerta a governos, organizações não-governamentais e centros de pesquisa que desenvolvem trabalhos para minimizar os efeitos da escassez que está por vir.

Há dez anos, com a criação da Lei nº 9.433/97, a Lei das Águas, o assunto começou a ser discutido mais amplamente no Brasil, mas os desafios ainda são muitos. Eles passam pelo convencimento dos empresários de que precisam investir em usos mais conscientes da água e desembocam na necessidade de mudança de hábitos da população.

Pela lei, a água é um bem de domínio público e um recurso natural limitado, dotado de valor econômico. Além disso, a legislação afirma que, em situações de escassez, a água deve ser usada prioritariamente para o consumo humano e para matar a sede de animais; que sua gestão deve sempre proporcionar o uso múltiplo; que a bacia hidrográfica é a unidade territorial para a implementação da Política Nacional.

O exemplo do Paraíba do Sul

Bem econômico é passível de cobrança. Desde 2002, o Comitê da Bacia do Rio Paraíba do Sul, que abrange 180 municípios do Rio de Janeiro (53), São Paulo (39) e Minas Gerais (88), cobra pela água retirada do rio e cobra também de acordo com a qualidade do efluente jogado de volta no Paraíba do Sul. De acordo com a Lei das Águas, o recurso obtido da cobrança deve ser investido na despoluição da bacia.

Atualmente há cerca de 400 pagantes, entre municípios, empresas e moradores. A maior parte das cobranças, segundo Maria Aparecida Vargas, secretária-executiva do Comitê para Integração da Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul (Ceivap) é para empresas de saneamento.

"A cobrança é a fonte de recursos necessária para que possamos fazer investimento de recuperação da bacia do Paraíba do Sul, mas mesmo assim ainda não temos como notar melhora. Para que haja realmente resultado são necessários investimentos da ordem de R$ 4 bilhões. Nós arrecadamos R$ 6 milhões por ano. A gente sabe que isso não acontece a curto prazo", afirmou.

A secretária-executiva do Ceivap espera que o dinheiro arrecadado com a cobrança possa servir para alavancar outros fundos, como, por exemplo, ser usado como contra-partida para obras feitas com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal.

O maior problema da bacia hoje, de acordo com Maria Aparecida, é o esgoto doméstico. Isso passa pela criação de estações de tratamento de esgoto e pela educação da população.

Atualmente, cerca de 14 milhões de pessoas são beneficiadas pelas águas da bacia - 5 milhões diretamente do rio e outras 9 milhões de pessoas do Rio de Janeiro, cuja empresa de abastecimento transpõe a água para o rio Guandu para fornecer água para a Região Metropolitana do Estado.

Para a secretária-executiva do Ceivap, "a ideia é criar uma cultura em relação a esse tema". Ela afirma que o comitê não teve dificuldades de conscientizar os empresários e implementar a cobrança e os programas de conservação porque foram feitas parcerias com as federações.

Critérios para devolução da água

A cobrança da água também passa pela qualidade do efluente que a indústria despeja de volta no rio. Nesse caso, o preço varia de acordo com a qualidade dessa água. Isso fez com que muitos empresários investissem no tratamento do efluente.

O diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), Benedito Braga, diz que o sistema ambiental funciona no sistema de "comando e controle". "Se poluir, paga", resume. Mas não é só por isso que o empresário desembolsa dinheiro. "Paga-se para extrair, pelo que consome no processo de produção e que acaba e pelo que lança de volta, que nunca terá a mesma qualidade do que foi retirado", lembra.

Braga afirma que a ANA não tem tido problema com inadimplência. Na bacia de Piracicaba, Capivari e Jundiaí (cujo comitê iniciou a cobrança em janeiro do ano passado), a adimplência é de quase 99%. Na do Rio Paraíba do Sul, chega a 90%.

A cobrança na bacia do rio São Francisco está em fase de finalização de estudo. Atualmente, está sendo criado o comitê de gestão da bacia do rio Paranaíba, a terceira maior do País. Perguntado sobre um balanço desses dez anos de leis da água, ele diz que prefere "ver o copo meio cheio, do que menos vazio".

"Hoje, todos os estados já têm empresas públicas para gerenciar os recursos hídricos e temos experiência na cobrança. Ainda falta fortalecer os organismos de gestão e dedicar mais recursos financeiros para que os comitês possam realmente funcionar e obter resultados", afirma.

Apesar de achar ser "tempestade em copo d´água", quando se fala em falta de água mundial, ele admite que haja regiões do Brasil que há anos sofrem com a escassez. "As cidades crescem, a demanda cresce, temos, sim, problemas em cidades menores que não conseguem investir no abastecimento. Localmente temos problemas que podem ser solucionados com recursos voltados para infra-estrutura e políticas públicas. Mas não vejo catástrofe", entende.

Para diminuir os custos da água, cobrada na extração do rio, no uso (do que não volta) e no despejo de efluentes, empresas investem em novas tecnologias. O reuso da água é uma experiência cada vez mais comum em empresas que se beneficiam de estudos de universidade e organizações não-governamentais.

O Centro de Referência em Reuso da Água (Cirra), vinculado à Escola Politécnica da USP, investe em pesquisas com a finalidade de proporcionar treinamento e desenvolver tecnologias para a prática de reuso no País desde 2002. O coordenador de projetos do centro, professor José Carlos Mierzwa, diz que o pressuposto inicial para qualquer análise é a conservação.

Empresas buscam assessoria

"Fazemos estudos para saber como a empresa usa a água e se ela pode conservar. Às vezes são necessárias mudanças nos procedimentos, em outras é necessário adquirir novos equipamentos. Depois da conservação, partimos para o reuso", explica. Cada vez mais, o Cirra é procurado por indústrias, principalmente depois do início da cobrança pela água. Entre as empresas que já se beneficiaram dos estudos promovidos pelo centro estão a Brasmetal, Ina Rolamentos, a IBF Vaz e a CSN.

"É a empresa que cobre os custos do estudo que objetiva identificar a melhor solução para que ela gaste menos. Temos notícia de que algumas empresas conseguiram reduzir em até 50% o consumo de água. Às vezes, o problema é que a industria é tão antiga, que ninguém parou para analisar que há procedimentos mais modernos e eficientes. São nesses casos que ocorrem a maior conservação de água", diz Mierzwa.

O reuso é mais complicado e demanda análise detalhada do que será feito com essa água. Nem sempre isso pode ser feito numa grande indústria, mas já é utilizado, por exemplo, por prefeituras do Estado de São Paulo que usam água de reuso para lavar as ruas com auxílio de caminhões-pipa.

Há também condomínios residenciais sendo construídos já com essa preocupação, onde a água do chuveiro e da pia dos banheiros é tratada e reutilizada nos vasos. A água coletada da chuva é usada para irrigar os jardins. Nesses lugares, e atualmente em grande parte do comércio, faz-use uso do temporizador - a água é liberada quando se aperta um botão e por um tempo curto.

Não é só em reuso de água, mas condomínios também começam a investir em estações de tratamento de esgoto. Segundo a Biosistemas, empresa paulista especializada em tecnologia para tratamento de água e efluentes líquidos industriais e urbanos, os gastos com água são o segundo maior custo dos condomínios, ficando atrás apenas do gasto com pagamento de pessoal.

Para um condomínio de 2 mil habitantes, por exemplo, um sistema de saneamento próprio tem um custo estimado de R$ 300 mil, o que significa um investimento de aproximadamente R$ 150 por condômino para a geração de uma economia por tempo indeterminado.

A intenção de conservar já está em pauta nas reuniões dos empresários que, no entanto, criticam a falta de linhas específicas de crédito para financiar os investimentos em conservação e reuso de água. Os fundos privados, bem como os estrangeiros, visam apenas grandes projetos de grandes empresas, deixando de lado a necessidade dos pequeno e médio empresários.




(texto publicado no Jornal do Comércio de 1º de outubro de 2007)




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