A pior epidemia de ebola da história é só mais um exemplo de mazelas que pareciam sumidas ou extintas que voltaram para assombrar o mundo
Um passageiro de avião morre em pleno saguão do aeroporto de Lagos, cidade mais populosa da África e capital da Nigéria. Nos dias seguintes, duas pessoas que tiveram contato com ele também sucumbem à doença. Os três foram vítimas da pior epidemia de ebola da história. Na China, uma cidade inteira passou dias isolada por causa de um caso de peste bubônica. No século 14, a doença foi responsável por dizimar quase dois terços da população da Europa. E no Afeganistão a ação do grupo terrorista Talibã é apontada como a responsável pelo recrudescimento da poliomelite, que causa paralisia em crianças de até 5 anos.
Nos últimos meses, o mundo tem assistido á volta do ebola e de outras doenças que pareciam extintas. Alguns fatores explicam isso. O desmatamento, por exemplo, expulsa animais e insetos vetores de seu habitat natural para colocá-los em contato com os humanos. Além disso, a urbanização acelerada transformou as cidades em ambientes perfeitos para o contágio em massa. Sem falar nas guerras e conflitos, que forçaram o deslocamento de refugiados e tornaram grupos radicais ainda mais intolerantes à vacinação.
"Em tempos de constante movimento das pessoas, se não houver vigilância e monitoramento que diagnostiquem, tratem e previnam as possíveis situações de riscos das doenças, estas permanecem endêmicas, especialmente em países de extrema pobreza, sem controle ou recursos", afirma a infectologista e professora da Universidade Federal de Pernambuco, Sylvia Hinrichsen. Nas páginas a seguir, GALILEU mostra o que explica a volta de doenças que pareciam extintas.
Ebola
O vírus que assusta o mundo
Na pior epidemia da história, quase 2 mil pessoas foram infectadas e mais de mil morreram da doença que completa 38 anos
A morte do americano de origem liberiana Patrick Sawyer foi a primeira registrada por causa do ebola em Lagos, capital da Nigéria. Quando mais duas pessoas morreram da enfermidade no país mais populoso da África e o oitavo do mundo, um alarme foi disparado: a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou situação de emergência sanitária internacional. Até o fechamento desta edição, em meados de agosto, o ebola havia infectado quase 2 mil pessoas em Guiné, Libéria, Serra Leoa e Nigéria, deixando mais de mil mortos. Apesar de ainda estar longe de acabar, esse já é tido como o pior surto da história do vírus.
Transmitida por primatas infectados por morcegos frutíferos, hospedeiros do vírus, a primeira notícia que se tem do ebola é de 1976. Ele teria aparecido no Sudão e na República Democrática do Congo (RDC), numa região próxima ao Rio Ebola, que emprestou o nome à doença. Naquele ano foram 318 casos da moléstia com 280 pessoas mortas na RDC - taxa de letalidade de 90%. Ao mesmo tempo, na região que hoje conhecemos como Sudão do Sul, 280 pessoas foram infectadas. O saldo final foi de 156 mortos.
Desde então, surtos esporádicos do ebola são comuns na África, mas nada comparado com o que testemunhamos hoje. O que explica a gravidade da situação é a precariedade do sistema de saúde dos países afetados, recém-saídos de guerras civis e castigados pela violência e pela pobreza. Para se ter ideia, a Libéria gasta US$ 18 per capita em seus sistema público de saúde. Serra Leoa US$ 13 e Guiné meros US$ 7. No Brasil, esse gasto é de US$ 466 dólares e nos EUA, quase US$ 4 mil.
Os cinco tipos
Ebola Zaire: o mais letal, já teve taxa de mortalidade de 90%. É o que mais faz vítimas hoje na África.
Ebola Sudão: um dos primeiros vírus a atingir o homem, mata cerca de metade dos infectados.
Ebola Bundibugyo: com 27% de mortalidade, surgiu em Uganda e se espalhou para o Congo.
Ebola Costa do Marfim: foi transmitido só para uma pesquisadora em 1994, sem causar sua morte.
Ebola Reston (Virginia, USA): o único que é transmitido pelo ar. Já matou centenas de macacos.
A tecnologia contra epidemias
A primeira declaração formal da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a atual epidemia de ebola foi divulgada em 23 de março. Nove dias antes, o site HealthMap já tinha identificado na região o surto de uma "misteriosa febre hemorrágica", e no dia 19 encontrou em sua base de dados menções ao ebola, lançando um alerta. O site, desenvolvido em 2006 por uma equipe do Boston Children's Hospital, é composto por algoritmos que vasculham milhares de sites, redes sociais, portais públicos e fóruns de infectologistas. As epidemias são categorizadas em cores diferentes, de acordo com sua intensidade, e é possível localizar as que estão mais próximas a você. Surtos como os de dengue e febre amarela podem ser vistos em nove línguas diferentes. (André Jorge)
Cobaias humanas
O médico norte-americano Kent Brantly foi infectado em julho na Libéria. Já com dificuldades para respirar, ele ligou para sua mulher para se despedir. Ante a morte, Brantly concordou em ser tratado com uma droga experimental chamada ZMapp, que até então só havia sido testada em macacos. Brantly estava infectado há nove dias quando tomou a droga. Após uma hora, já conseguia respirar bem e pouco depois voltou aos Estados Unidos, onde segue em recuperação. Apesar do resultado positivo no caso de Brantly, usar drogas ainda não aprovadas para uso humano é um risco restrito a poucas pessoas. O governo da Nigéria tentou, em vão, pedir lotes da ZMapp numa tentativa de controlar o surto, mas a ideia gerou uma enorme discussão no meio científico sobre o uso de drogas experimentais em humanos. A boa notícia é que, se o diagnóstico do ebola for rápido e o atendimento imediato, o corpo da vítima é capaz de desenvolver anticorpos para enfrentar o vírus. Os pacientes recebem fluídos de forma intravenosa para combater a desidratação e manter a pressão estável, analgésicos para as dores e antitérmicos para a febre, além de transfusões de sangue para repor as perdas em hemorragias e tratamento de infecções secundárias provocadas pelo vírus.
Perto da cura?
O pesquisador Thomas Geisbert crfia vacinas e medicamentos contra o ebola que funcionaram em macacos. Desafio é testá-los em seres humanos
P: Por que o vírus ebola é tão mortal?
Ainda não temos certeza absoluta. Sabemos que ele desarma ou reduz o nosso sistema de imunidade atingindo algumas das mais importantes células que são a primeira linha de defesa do corpo, como as células dendríticas. Fazendo isso, o vírus consegue crescer mais rápido e atingir outras partes do corpo.
P: Como você desenvolveu uma vacina que protege os macacos do vírus ebola?
Colocamos um pequeno fragmento do vírus no hospedeiros para que o sistema imunológico do corpo pense que está lidando com o verdadeiro ebola. O corpo do animal então desenvolve a habilidade de se defender contra o vírus porque foi ensinado a reconhecê-lo. Então usamos um vírus diferente que não atinge humanos como veículo de entrega, tiramos a glicoproteína dele e a substituímos pela glicoproteína do ebola e vacinamos alguns macacos com isso. Depois os colocamos em exposição ao ebola e todos sobreviveram.
P: Por que ainda não temos uma vacina contra o ebola para humanos?
Há vários motivos. Um dos principais é que o ebola é uma doença rara que só acontece em países de terceiro mundo. Diferentemente de desenvolver uma cura para o câncer, um remédio para doenças cardíacas ou até uma vacina para gripes, há poucos casos de ebola em uma escala global, então não há incentivos financeiros para a indústria farmacêutica desenvolver uma vacina.
P: Na mesma linha, por que ainda não existe medicação contra o ebola?
Temos três tratamentos capazes de proteger totalmente os macacos do ebola depois da exposição ao vírus. Mas a razão por que nenhum desses tratamentos foi licenciado é a mesma da vacina.
(texto publicado na revista Galileu nº 278 - setembro de 2014)
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