Peste bubônica
Roedores contra-atacam
Após matar 60% da população da Europa no século 14, a peste reaparece na Europa
Em julho, 30 mil moradores de uma pequena cidade da China foram isolados depois de um caso de peste bubônica. A medida foi tomada depois que um homem de 38 anos morreu ao entrar em contato com uma marmota infectada. A peste bubônica (ou peste negra, como também é conhecida) é transmitida pelo bacilo de Yersin, que infecta roedores. Pulgas que se alimentam do sangue desses animais mordem humanos, transmitindo a doença. No caso da China, mais de 159 pessoas ficaram em quarentena, mas não foram registradas outras mortes.
O quadro chinês é bem diferente do registrado nos séculos passados "Alguns desventurados, incapazes de suportar o tormento, se atiravam do alto das casas, disparavam um tiro ou se destruíam de qualquer outro meio; casos como esses vi muitos. Outros, sem poder se conter, lançavam gritos incessantes de dor, e seus gemidos, tão fortes, tão lastimáveis, atravessavam o coração de quem os ouvia pela rua, e ainda era sabido que o mesmo chicote poderia ser açoitado contra si a qualquer instante", escreveu Daniel Defoe na obra Um Diário do Ano da Peste. O relato conta como a peste matou 70 mil pessoas em Londres em 1665.
O pânico dos ingleses tinha explicação: eles sabiam do estrago que a praga havia causado em boa parte da Europa no século 14. Considerada uma pandemia, a pior epidemia da história da Europa reduziu a população em quase um terço. Com uma taxa de mortalidade de 60%, o número de europeus caiu para 30 milhões entre 1346 e 1353.
A peste chegou à Europa com as tropas do Império Mongol que ocupavam a península da Crimeia, origem da praga. Há relatos de que os mongóis catapultavam corpos infectados contra seus inimigos para espalhar o contágio pelo Ocidente, mas o mais provável é que a bactéria tenha entrado na Europa Ocidental através dos ratos que habitavam os navios de comércio e de comerciantes infectados. Assustados, genoveses e venezianos fugiram, espalhando a peste para o resto do continente. Na Europa, o bacilo de Yersin encontrou o ambiente ideal para sua disseminação: nas cidades medievais, as condições de higiene eram péssimas, sem aterros sanitários e com lixo espalhado pelas ruas.
A Ásia foi o berço da peste bubônica,mas hoje pessoas morrem da doença em quase todos os continentes. No mundo inteiro, há entre mi le 3 mil casos de peste negra por ano, segundo a OMS. Em volta das picadas de pulga, a pele é tomada por zonas gangrenadas. Ela incha e forma nódulos, os chamados bubões (daí o nome peste bubônica), que crescem nas virilhas e axilas e ficam do tamanho de uma maçã. As feridas secretam sangue e pus, e urina, suor, saliva e escarro ganham uma cor escura (daí o outro nome, peste negra). "A peste ainda está aí, é a mesma que tivemos antes, ainda com o poder e a ameaça que tinha", disse à revista The Atlantic o britânico Tim Brooks, especialista em doenças infecciosas.
Poliomielite
O vírus e o terrorismo
O número de casos de poliomielite foi reduzido em 99% até o ano passado, mas ação de grupos terroristas pode ajudar a dar fôlego para a epidemia
A poliomielite foi o terror de pais até a década de 1980. Transmitida de pessoa para pessoa via oral ou fecal por meio de água ou alimentos contaminados, ela causou paralisia e deformações no corpo de milhares de crianças de até 5 anos ao redor do mundo. Pior: em questão de horas, a vítima poderia ficar paralítica. Descoberta em 1840, a primeira vacina para a doença surgiu 110 anos depois e causou uma revolução na saúde. Em três décadas, uma campanha internacional encabeçada pelo Rotary e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) reduziu a transmissão da pólio em 99%. O número de casos da doença caiu de 350 mil no início da vacinação para 406 casos em 2013.
Há apenas duas regiões do mundo onde a pólio nunca foi erradicada: áreas tribais na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão e no norte da Nigéria, na África. A explicação para isso? O terrorismo. Alguns anos atrás, na caçada pelo então terrorista mais procurado do mundo, a CIA criou uma campanha falsa de vacinação para coletar o DNA dos moradores do bunker de Osama bin Laden em Abbottabad, no Paquistão.
Quando descobriram a estratégia, líderes religiosos passaram a bater de porta em porta para convencer os paquistaneses de que campanhas de vacinação fazem parte de um plano mirabolante do Ocidente para destruir os muçulmanos. Quem sofre com isso são as crianças. Em 2011, ano em que bin Laden foi morto, foram contabilizados apenas 11 casos de pólio no Paquistão. Neste ano, foram 104 até o mês de agosto.
Algo semelhante acontece na Nigéria. O grupo terrorista Boko Haram rejeita tudo o que considera ocidental, incluindo vacinação e educação. O grupo é o autor de ataques contra centros de imunização, mataram nove funcionários responsáveis pela campanha no ano passado e sequestraram mais três neste ano. Fora de controle, o vírus que se espalha pela Nigéria provocou uma crise de pólio na Somália, que espalhou a doença para o Quênia e a Etiópia. Em 10 anos o número de casos pode chegar a 200 mil no mundo inteiro. Uma em cada 200 infecções levam à paralisia irreversível e, entre esses casos mais graves, até 10% morrem porque os músculos respiratórios param de funcionar. A pólio ainda não tem cura.
Tuberculose
A doença dos artistas
Há quatro anos ela estava quase extinta. Hoje, mata 1,3 milhão de pessoas
Durante muito tempo, acreditou-se que a tuberculose infectava apenas pessoas sensíveis, como os artistas. Isso porque muitos poetas, escritores e pintores sucumbiram à doença. O mito foi embora e hoje a tuberculose é a segunda mazela causada por um único agente infeccioso que mais mata no mundo, atrás da Aids. São 1,3 milhão de vítimas ao anos. Ficou surpreso? Pois eis outro dado assustador: um terço da população mundial tem tuberculose latente, ou seja, foi infectada, mas ainda não desenvolveu os sintomas (tosse por mais de duas semanas, catarro, febre, sudorese, cansaço, dor no peito, falta de apetite e emagrecimento) e nem pode transmiti-la.
A bactéria Mycobacteria tuberculosis se propaga por espirro, tosse ou catarro. Todo ano, estima-se que 450 mil pessoas sejam infectadas por ela. É um cenário bem diferente do registrado há quatro anos, quando a doença estava controlada e quase inexistente. Quem mais sofre são as pessoas HIV positivo, causando um quinto das mortes desse grupo, mas outros doentes com sistema imunológico prejudicado também correm risco.
A tuberculose tem cura com a utilização de antibióticos por seis meses. Mas o uso inadequado da medicação deixou o germe resistente ao tratamento, especialmente no Leste europeu e na Ásia central. Para o doutor Mario Raviglione, da Organização Mundial da Saúde, isso coloca em risco a possibilidade de acabar com a doença. "Estamos numa encruzilhada entre a eliminação da tuberculose e milhões de outras mortes", disse.
Varíola
Perigo à espreita
Erradicado em 1979, o vírus foi encontrado em frascos abandonados
Outras doenças infecciosas com alta taxa de mortalidade podem voltar se continuarem sendo tratadas com descaso pelas autoridades. Uma delas é a varíola, declarada globalmente erradicada em 1979 depois de uma campanha de imunização da OMS. Causada pelo vírus de mesmo nome, a doença já foi uma das mais temidas do mundo: matou 300 milhões de pessoas entre 1896 e 1979. Depois de erradicada, dois estoques do vírus foram guardados em laboratórios considerados seguros, um nos EUA e outro na Rússia. Mas, em julho, frascos de varíola foram encontrados dentro de uma caixa de papelão por um cientista do governo americano em um centro de pesquisa perto de Washington. Por sorte, os vidros não estavam quebrados.
(texto publicado na revista Galileu nº 278 - setembro de 2014)
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