Popularíssimo na comédia, prestigiado no drama: com seu gênio às vezes atordoante, Robin Williams tornou irrelevante a distinção entre uma coisa e outra
Quem nunca viu Robin Williams fazer stand-up não tem ideia do que ele era capaz. Na forma mais classicamente americana e desafiadora de comédia, aquela em que o comediante fica sozinho no palco, de microfone na mão, sem cenário, efeito sonoro nem nada que o possa amparar, e enfrenta a plateia, Robin Williams era, sem tirar nem por, um gênio. A maioria dos comediantes se lança nesse abismo munida de pelo menos um paraquedas - o texto cuidadosamente preparado, testado, lapidado, afiado de tal maneira que os espaços para o improviso vão sendo criados pela reação da audiência mas nunca se transformam em vácuo letal. Williams preferia a queda livre. Com uma rapidez de raciocínio inigualável, um repertório descomunal de referências, um dom singular para a imitação e paixão cega pelo risco, Williams ia de zero a cem em segundos: qualquer ocasião - uma entrevista, uma participação num talk-show, um depoimento num documentário, um mergulho com golfinhos para um programa de natureza - podia virar (geralmente virava) um stand-up antológico simplesmente ao sabor do momento. A porção cômica de sua imensamente bem-sucedida carreira no cinema é, nesse sentido, uma amostra não raro brilhante, mas ainda assim incompleta e imperfeita, de seu talento monstruoso. Williams, porém, teve êxito comparável, ou até maior, no drama: se filmes como Uma Babá Quase Perfeita o tornaram um ícone do humor-família (e quando ele fazia humor nada familiar os resultados eram ainda melhores), foi no papel do professor de Sociedade dos Poetas Mortos, aquele que incita seus jovens alunos a aproveitar o dia - carpe diem -, ou ainda no do mentor de Matt Damon em Gênio Indomável (pelo qual ganhou o Oscar de coadjuvante) que ele se consagrou. A comédia dá popularidade, mas não confere prestígio. Como se ela fosse uma arte menor, ou mais fácil, ou menos sofrida do que o drama. Por transitar livremente entre uma e outro, Williams - que se suicidou por enforcamento, aos 63 anos, na segunda-feira 11, em sua casa na Califórnia - indignava-se em dobro com esse menosprezo.
"A comédia é a tragédia mais o tempo", disse o comediante (além de escritor, compositor etc.) Steve Allen nos anos 50. A formulação, de notável simplicidade e portanto elegância, é também de uma precisão indiscutível. Consta que existem, sim, comediantes ou humoristas felizes, serenos, satisfeitos. Os grandes raramente o são: Groucho Marx, Lenny Bruce, Richard Pryor, Woody Allen, Steve Martin, Jim Carrey - a lista segue - têm todos biografia em que sentimentos como a insegurança, a neurose, a angústia, a raiva, o medo, a compulsão, a autodestruição, desempenham papel saliente. Robin Williams, tataraneto de senador, filho de executivo da indústria de automóveis, estudante por um breve período de ciências sociais e egresso da prestigiosíssima escola de artes Juilliard, foi assombrado por demônios persistentes: álcool, drogas, depressão. Os dois primeiros, ele conseguiu conter: desde 1983, quando nasceu Zak, o mais velho de seus três filhos (ele deixa ainda Zelda e Cody), estava sóbrio ("A cocaína é o jeito de Deus dizer que você está ganhando dinheiro demais", observou). O terceiro demônio, a depressão, nunca deixou de rondá-lo; seu humor de altíssima velocidade era, de certa forma, ao mesmo tempo uma expressão da mania que se opõe aos vales mais profundos do ânimo e uma libertação deles. Nunca se saberá o que empurrou Williams à sua decisão trágica, mas especula-se que o diagnóstico de Parkinson que ele recebera havia pouco - informação revelada por Susan Schneider, sua terceira mulher, alguns dias após sua morte - tenha contribuído para ela.
Com seu estouro no seriado de TV Mork & Mindy, em 1978, Williams inaugurou uma carreira profícua e duradoura. Foram mais de sessenta filmes e inúmeras participações em humorísticos e episódios de seriados, além de dublagens para desenhos animados - como para o Gênio de Aladdin. Entre o ano passado e este, ele estrelara uma série, The Crazy Ones, cancelada após a primeira temporada. Deixa três filmes inéditos, sendo um deles uma animação. Seria uma desonra para com um homem de tal inteligência, porém, omitir as várias ocasiões em que seus excessos não resultaram positivos. Williams podia ser constrangedor (em Jack), piegas (Patch Adams), equivocado (Amor Além da Vida). Mas entre uma coisa e outra, provava-se também assustador (Insônia), anárquico (Morra, Smoochy, Morra), ácido (Candidato Aloprado), hilariante (A Gaiola das Loucas), encantador (Bom Dia, Vietnã). Provava-se, enfim, uma criatura rara: um homem com um talento que não apenas era imenso, como não se parecia com o de mais ninguém. O que Williams fazia, só ele sabia fazer.
(texto publicado na revista Veja edição 2387 - ano 47 - nº 34 - 20 de agosto de 2014)
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