domingo, 25 de agosto de 2013

Pio XII e o nazismo - Gilberto Schoereder e Alex Alprim


Em 1999, o pesquisador inglês John Cornwell publicou o livro A História Secreta de Pio XII, em que levantou uma série de possíveis relações entre o papa e o nazismo. Conversamos recentemente com Cornwell a respeito de seu trabalho, que ainda gera polêmicas.

Quando John Cornwell, jornalista, escritor, professor e pesquisador do Jesus College, de Cambridge, escreveu o livro O Papa de Hitler - A História Secreta de Pio XII (Imago Editora), certamente sabia a confusão em que estava se metendo. Afinal, não é todo dia que alguém acusa um papa de ter ligações com o nazismo.

A repercussão foi grande, com alguns chegando a acusá-lo de ter exagerado, ou mesmo inventado a conexão entre Eugenio Pacelli - o Papa Pio XII - e Hitler. Na verdade, essa conexão já vinha sendo levantada de longa data. Segundo Cornwell, as acusações contra o papa começaram com a peça O Representante (1963), de Rolf Hochhuth, "[...] que descrevia Pacelli - de maneira implausível, na opinião da maioria dos católicos - como um cínico impiedoso, mais interessado no patrimônio do Vaticano do que no destino dos judeus".

John Cornwell fala mais do que apenas a atuação de Pacelli durante a Segunda Guerra Mundial, mostrando que sua influência no Vaticano começou na primeira década do século 20, aumentando consideravelmente até que foi eleito papa em 1939, às vésperas da guerra.




Mais que isso, Cornwell procurou pesquisar toda a vida de Pacelli porque estava convencido de que, se isso fosse feito, ele conseguiria inocentar Pio XII. Ele teve acesso aos documentos de que necessitava para sua pesquisa, em Roma, inclusive material inédito. No entanto, em meados de 1997, quando se aproximava do final de sua pesquisa, Cornwell disse que estava num estado que só poderia ser descrito como choque moral. "O material que eu recolhera", ele escreve, "assumindo a mais ampla visão da vida de Pacelli, não servia para inocentá-lo; em vez disso, consolidava as acusações. Minha pesquisa, abrangendo a carreira de Pacelli desde o início do século, contava a história de manobras sem precedentes para a conquista do poder papal que levaram a Igreja Católica, em 1933, a uma cumplicidade com as forças mais sinistras de nossa era. Além disso, descobri evidências de que Pacelli, num estágio inicial de sua carreira, deixou transparecer uma inegável antipatia contra os judeus; e de que sua diplomacia na Alemanha na década de 1930 resultara na traição das associações políticas que poderiam ter desafiado o regime de Hitler e impedido a Solução Final".

O escrito diz que todos os argumentos apresentados contra Pio XII ao longo dos anos vêm sendo sistematicamente rechaçados, porém com argumentos vazios e sem embasamento histórico. Isso se deve especialmente porque existe o processo de transformar Pio XII em santo. Os que defendem Pio XII dizem que ele não se manifestou contra Hitler por temer que isso atraísse sua ira contra os católicos, e que o papa chegou a abrir as portas de ordens religiosas de Roma, salvando milhares de judeus. Mais que isso, afirmam que Pio XII apoiou o golpe fracassado de Hitler, além de ter se manifestado publicamente em 1942, referindo-se às centenas de milhares de mortes. No entanto, diz Cornwell, ele jamais falou sobre o nazismo e os judeus, especificamente, além do mais, em 1942, os mortos já somavam milhões.

Cornwell mostra que a relação de Pacelli com a Alemanha já vinha de longe, uma vez que ele esteve no país como núncio papal, embaixador, negociando a paz, em 1917. O autor também se baseia sobretudo no documento assinado entre o Vaticano e a Alemanha nazista, em 1933, a chamada Concordata, que favoreceria o poder de Hitler na Alemanha. Os religiosos católicos afirmam que a Concordata foi, na verdade, uma imposição de Hitler à igreja.

A controvérsia sobre a questão ainda continua, e dos dois lados são apresentados argumentos que os que não são historiadores dificilmente podem aceitar ou contestar. Em meio à polêmica, no final da década de 90, o papa João Paulo II apresentou um pedido de desculpas formal e público pelos pecados da Igreja Católica, e em especial pelo tratamento dispensado aos judeus, ainda que, politicamente, o pedido de perdão e mea culpa não se tenham referido a um período histórico em particular.



(texto publicado na revista Sexto Sentido nº 46)

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