quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Culinária e bom humor


Aonde quer que se vá será possível encontrar boa comida na Itália. E o melhor: sempre acompanhada de muita alegria

Bons gourmants, apreciadores da arte de cozinhar e de comer bem, os italianos têm orgulho de sua gastronomia, considerada uma das mais saborosas do mundo. As massas, os risotos, azeites, antepastos, doces e vinhos são famosos internacionalmente. O jeito de comer é diferente do nosso. Primeiro vem o antepasto, uma entrada que pode incluir presunto cru, conservas de legumes, anchova, bruschette (pão italiano tostado e com coberturas). Depois a massa ou o risoto (primo piatto) e em seguida a carne ou o peixe (secondo piatto). A salada é o fecho da refeição. Um ditado italiano ensina que, para se temperar uma boa salada, são necessárias quatro pessoas: um sábio para pôr o sal; um avarento para adicionar o vinagre; um esbanjador para dosar o azeite; e um maluco para misturar. Uma aula de culinária e bom humor. Ensinamentos como esse são passados de geração a geração, assim como as receitas de massa caseira para o macarrão, da rozzetta, doce obrigatório nas mesas do Natal, e tantas outras. Tão tradicionais quanto essas delícias são a alegria, a boa conversa e os bons vinhos que sempre estão presentes nas refeições italianas. Mas, quando se trata de culinária, a Itália não é uma só. Há diferenças marcantes na cozinha dos vários cantos do país. 

Presentes do mar

A região do Veneto e Friuli, banhada pelo mar Adriático, onde se localizam, entre outras, as cidades de Veneza, Verona e Vicenza, abusa dos pratos à base de frutos do mar e peixes. Mexilhões, camarões, caranguejos e vieiras são antepastos tão comuns quanto o velho carpaccio (fatias de carne crua com molho). A enguia é um dos peixes mais populares. O vongole (tipo de marisco) emprestou o sabor e tornou famosas as massas que o levam no molho.

Quando se pergunta a um italiano o prato que associa a Veneza, ele responde que é o risi e bisi, um arroz úmido com ervilhas. Mais para o interior, nas proximidades dos grandes lagos, como o Garda, o maior do país, também se pode provar trutas inesquecíveis, especialmente com um molho simples, de manteiga e alcaparras.

Terra do risoto

Maior centro produtor de arroz do país, as regiões de Piemonte e Lombardia tornaram-se famosas pelos seus risotos. Preparados com queijos, verduras ou frutos do mar, entre outras variações, eles encantam moradores e visitantes. 

Um dos mais conhecidos , o risotto alla milanese, homenageia a cidade de Milão, onde foi criado. Alguns levam por cima uma leve camada de trufa branca ralada. Esse ingrediente raro e caro é caçado com a ajuda de cães e porcos farejadores nos bosques de carvalho perto da cidade de Alba, apenas entre os meses de outubro e dezembro. Para escapar dos altos impostos que recaem sobre a iguaria, os produtores costumam vendê-la no mercado negro, bem longe das vistas do governo.

Viva a vitela!

Embora seja uma região rica também em pratos a base de aves, como frango e faisão, a carne de vitela é encontrada na Lombardia em receitas diversas. Um corte chama a atenção, a costoletta, que traz juntos um pedaço do filé e do contrafilé, com o osso da costela. O prato conhecido como costoletta alla milanese é um dos mais antigos da região, apreciado desde o século XII, e talvez seja uma influência dos austríacos, que andaram por lá nessa época. Outra parte que faz sucesso é o ossobuco. Da região dos Alpes, paraíso de férias dos italianos que gostam de esquiar, vêm os queijos gorgonzola e mascarpone, consumidos como antepasto, em sanduíches ou usados no preparo de receitas. Manjericão, açafrão e alho frequentam muitos pratos, assim como o vinho. Já o vinagre balsâmico, originário da cidade de Modena, é considerado pelos italianos como um néctar dos deuses e há mil anos era oferecido como dote de casamento. Usado tanto em pratos quentes como em saladas, é feito de uvas maduras e doces. Mas não é comum em todas as casas. Trata-se de um refinamento.

Presunto muito especial

Por onde quer que você ande na Itália, os mercados e as feiras livres são uma atração á parte. Em Florença, o Mercato Centrale ocupa dois andares de um prédio antigo e é tão importante que faz parte das atrações turísticas da cidade. Nesse tipo de comércio vende-se de tudo: carnes, frutos do mar, queijos, salames, presuntos, frutas e verduras da época, todo tipo de ervas e até pratos prontos. É costume ir ao mercado para comprar em pequenas quantidades, por exemplo, o famoso prosciutto de Parma, um frio típico italiano, de fabricação especialíssima.

Originário da pequena cidade de Parma, na região da Emilia Romagna, uma das mais importantes na agricultura, esse presunto é feito com carne de porcos criados com sobras do soro usado na preparação do queijo Parmigiano-Reggiano - outra delícia apreciada no mundo inteiro. Os presuntos são postos para curar numa sala grande e arejada onde ficam por até dez meses. Depois de prontos, são marcados com o simbolo da antiga coroa do ducado de Parma, garantia de qualidade.

Cheio de recheio

As massas, principal marca da cozinha italiana, também mudam dependendo da região. Variam o tamanho, o formato, os ingredientes e os molhos que as acompanham. A receita de spaghetti al ragù, traduzido no Brasil como espaguete à bolonhesa, por ser originário da cidade de Bolonha, é um clássico. Na região que engloba a Toscana, a Umbria e Marche, que abriga cidade como Florença, importante centro cultural, San Gimignano e Siena, as massas ganham as versões recheadas com carnes e queijos, como o tortelloni e a lasagna.

Todo prato à base de espinafre é chamado alla fiorentina, numa referência á cidade onde a verdura é muito usada. A carne de javali também faz sucesso na região e os cogumelos frescos ou secos entram em diversos pratos. O ricciarelli, um biscoito de amêndoa, é campeão entre os doces. De Siena ninguém sai sem levar um panforte, pão firme, adocicado e com frutas cristalizadas, nozes e mel. Uma delícia.

Em Roma, como os romanos

Capital do país e da região do Lazio, Roma é um importante centro gastronômico. Sua culinária remonta ao tempo dos etruscos, criadores do queijo pecorino e do mais tradicional prato romano, a porchetta, um leitão grelhado inteiro. Roma oferece um pouco da culinária de todo o país, mas as massas e os risotos têm lugar cativo nos cardápios. O spaghetti alla carbonara, receita que leva queijo pecorino, azeite, bacon e pimenta-do-reino, além de ovos crus, que cozinham apenas no calor da massa, é típico. Verduras e legumes da estação são aproveitados de todas as maneiras: crus, fritos, grelhados ou empanados - como se costuma servir também as flores de abobrinha, recentemente descobertas pelo brasileiro. O supplì di riso (bolinho de arroz recheado com queijo parmesão) é outra marca registrada da cidade.

Pizza e azeite no sul

Dizem os historiadores que a pizza surgiu em Nápoles, na região da Campania, sul da Itália, por volta do século XVII. Era uma rodela de pão nem muito fina nem muito grossa coberta com queijo e tomate, produtos locais e portanto acessíveis a bolsos menos recheados. Muito popular, era devorada com as mãos a qualquer hora do dia.

Além da pizza, o sul da Itália é famoso por seu saboroso azeite, de primeiríssima qualidade, cujas  técnicas de preparo e o principal ingrediente, a azeitona, foram levados pelos gregos ao invadirem o país por volta do ano 700 a.C. Campania, Sicilia, Calabria, Abruzzo (onde se cultiva muito açafrão) e Puglia (que planta as melhores azeitonas) têm uma culinária rica em pratos à base de frutos do mar, peixes, queijo mozzarella feito com leite de búfala e molhos. Na ilha de Sardegna o agnello arrosto, ou cordeiro assado, é obrigatório.

Na Sicilia, o recheio de certos doces e biscoito traz a maravilhosa combinação de amêndoas, ricota e mel. No verão, a sobremesa predileta é a cassata, um sorvete enformado com camadas de vários sabores.

Vinhos: no copo e no prato

O italiano não dispensa uma taça de vinho durante a refeição. Antigamente costumavam dar às crianças uma pequena dose. Diziam que era essencial para um crescimento saudável. Hoje os médicos garantem que a bebida faz mesmo bem ao coração - quando tomada moderadamente, é claro. Na culinária italiana ela é um ingrediente importante - usado em carnes, peixes, risotos, molhos e mesmo doces. Há uma infinidade de tipos e sabores. Do Piemonte, noroeste do país, vem o tinto Barolo. O frizzante Asti nasceu na cidade do mesmo nome. O espumante Prosecco é feito na região do Veneto. O famosíssimo Chianti, primeiro vinho europeu a ter sua região de produção demarcada, surgiu na Toscana. E há muitos mais.



(texto publicado na revista Claudia Cozinha - edição especial)
























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