Inúmeras pessoas inventam origens fidalgas. Eu mesmo minto. Descobri que ser sincero é muito malvisto
Tenho um amigo que sempre falava de sua mãe, de origem italiana, elegantíssima. Da fortuna que o avô perdera, imensa, motivo pelo qual não era, pessoalmente, rico. Um dia soube a verdade: a mãe passara a vida vendendo verduras na feira. Gritava o preço do tomate. Nunca fazia as unhas e só ia ao cabeleireiro uma vez ao mês, para, como ela mesma dizia, “aparar a juba”. O tal avô nunca fora milionário, mas um imigrante que veio ao Brasil colher café. Meu amigo acreditava na própria mentira. Decidiu que a mãe tinha de conhecer a Itália, berço familiar. Ganhou uma grana a mais e arrastou a velha para museus e monumentos que ela odiou. A mãe teve uma crise de pressão e ficou de cama em Roma. Perdeu o passaporte e, para irritar o filho, em Florença, se escondia atrás das estátuas do museu. Fazia caretas, levava os seguranças a entrar em surto. Por pouco não derrubou o David de Michelangelo. O rapaz criara uma mãe inexistente. A velha teria preferido ir para uma praia, beber caipirinha na beira do mar. Seria muito mais bonito, acredito, ele falar de suas origens humildes, de suas lutas e conquistas.
Conheço inúmeras pessoas que mentem, inventando origens fidalgas. Para falar a verdade, mente-se por qualquer motivo: as pessoas ficam com vergonha quando estão doentes e dizem que estão ótimas; comentam que a amiga está bem vestida, quando acham um horror; elogiam alguém que emagreceu, para comentar nas costas que continua gordíssima. Eu mesmo minto: digo que vou viajar para fugir de um almoço; reclamo que não me sinto bem e fujo de um compromisso; finjo para mim mesmo que no próximo mês começo um regime e perderei a barriga. Faço promessas para depois da novela. Para um amigo, prometo visitá-lo em Los Angeles. Outro em San Francisco. Marquei uma viagem à Rússia com um grupo, só falta “definir a data”. Ao meu editor, digo que escreverei um livro. Combino de montar um grupo de cozinha gourmet. E deixo tudo para depois, quem sabe? Ultimamente, tento parar com isso. Se me convidam, digo que não posso. Se vou a uma peça de teatro e não gosto, digo isso mesmo, que não gostei. Sempre dá errado, a pessoa preferia uma mentira. A franqueza, descobri, é muito malvista. Até considerada falta de educação.
Robert Feldman é professor na Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos. Durante 40 anos, ele fez uma pesquisa sobre o ato de mentir. O resultado é o livro Quem é o mentiroso da sua vida?. Segundo afirma, a maioria das pessoas mente três vezes no curso de uma conversa de dez minutos. Quanto maior o grau de interesse que temos numa pessoa, mais compelidos a mentir ficamos. No primeiro encontro, parceiros inventam viagens que nunca fizeram, talentos que não têm. Pais ensinam os filhos a mentir: se o telefone toca, a mãe pede para o filho dizer que não está. E assim por diante.
Como no caso do meu amigo com a mãe “chique”, a pessoa acredita na própria mentira. Deve no banco, usa carro velho, mas garante a si mesmo e aos outros que logo comprará um outro, importado. Uma amiga fez várias plásticas. Na última, as orelhas ficaram em diagonal. Mas ela acredita que está linda assim. Os mais próximos garantem que ficou maravilhosa, ai meu Deus!
O pior: quando pego numa mentira, para se livrar da tensão de ter sido descoberto, o mentiroso inventa para si mesmo alguma coisa contra o outro. Assim se sente melhor. Meu amigo ficou furioso quando tentei fazê-lo entender que a pobre mãe nunca quisera botar sapato de salto longo e fino, pois entortava os pés. Saiu comentando que eu tinha “inveja”, pois minha família, como nunca neguei a ninguém, era simples. Quantas mães e avós são assassinadas por empregados que querem faltar ao trabalho? Alguns se esquecem e “matam” a avó várias vezes, até ser pegos na mentira. Outros dizem que estão doentes. E por aí vai. A psicologia forjou um termo para designar aquele que faz da mentira um hábito: síndrome de Münchausen. Os mentirosos inventaram outro: “mentira branca”, aquela que não prejudica ninguém. Conheço gente que me convida para jantar e discutir a produção de um filme e, no final, não tem grana para pagar o que comemos. E o tempo que perdi pensando na história, no projeto? Para mim, não existe a tal “mentira branca”. Tem gente que mente como respira. Mentira é mentira, e a tal “mentira branca” é só uma mentira a mais.
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