Há 30 anos, o então presidente José Sarney lançou o plano cruzado e convocou os brasileiros a fiscalizar uma das medidas do pacote: o congelamento dos preços. Desde aquela época, Solange é voluntária na luta pelos direitos do consumidor
A inflação se alimenta do medo, alerta a professora aposentada Solange Medeiros,de 66 anos. "É psicológico. Temendo que os preços subam, as pessoas se adiantam e sobretaxam o seu produto ou serviço. É uma bola de neve", explica. Ela sabe bem do que está falando. Solange viveu os anos de hiperinflação e o lançamento do Plano Cruzado, que completa 30 anos em 2016. Na época, ela foi fiscal do Sarney, título informal dos cidadãos que voluntariamente monitoravam o congelamento dos preços - uma das principais medidas do pacote implementado pelo então presidente, José Sarney, para combater a inflação galopante.
Antes do plano, em 1985, a inflação anual ultrapassara 240% - em 2015, em comparação, foi de pouco mais de 10%. Os preços chegavam a ser remarcados mais de uma vez por dia, tornando um pesadelo o taque-taque da máquina etiquetadora. "Quando a gente recebia o salário, ia ao supermercado e saia com carrinhos transbordando de macarrão, óleo, farinha, arroz, feijão... tudo que não estragasse", lembra Solange.
Lançado em 28 de fevereiro de 1986, o Plano Cruzado tentou resolver o problema congelando os preços - e também o câmbio e os salários, além de promover a troca da moeda de Cruzeiro para Cruzado. O estabelecimento comercial que desrespeitasse os valores fixados pelas tabelas da Sunab (a extinta Superintendência Nacional do Abastecimento) seria forçado a fechar as portas, e seus donos poderiam ser presos. Como seria impossível para o governo vigiar cada loja, o presidente foi à TV convocar os cidadãos a desempenhar essa função. Surgiu aí a expressão "fiscal do Sarney".
Solange, que sempre teve o costume de pesquisar preços, atendeu ao chamado. Levava a tabela da Sunab na bolsa e, quando encontrava um valor acima do permitido, confrontava o dono do mercado. Como não havia delegacia na Sunab na cidade onde ela morava na época, João Monlevade (MG), era preciso resolver a situação sozinha. "Eu falava que, se não trocasse o preço, eu uniria amigas e vizinhas em um boicote. Funcionava!"
No começo, o plano deu certo, e o país teve até uma pequena deflação. Houve aumento do poder de compra e uma explosão de consumo. Mas, em pouco tempo, o aquecimento provocou escassez. Fornecedores e comerciantes passaram a reter produtos, esperando um reajuste, ou a cobrar ágio - um valor extra, ilegal. Em 1987, o fracasso escancarou-se, com a inflação chegando a 363%.
Apesar da desilusão com o plano, Solange continuou empenhada. Em 1992, mudou-se para Belo Horizonte, onde entrou para o Movimento das Donas de Casa de Minas Gerais (MDC), que desde 1983 luta pelos direitos dos consumidores. Hoje, é coordenadora institucional da entidade, trabalhando como voluntária. Uma de suas funções é visitar supermercados, com prancheta na mão, pesquisando preços. Atualmente, ela se diz preocupada uma vez mais com a inflação: "Acho que as donas de casa vão ter que voltar a ser fiscais nas ruas". Para todos os consumidores, Solange tem uma lição: "Se está caro, não compre! Nesses 30 anos, aprendi que só isso faz o preço cair".
Cruzes, quantos nomes!
Nos últimos 30 anos, o Brasil teve cinco moedas. Relembre cada uma delas e o contexto em que foram lançadas - sempre tentando vencer a inflação.
Cruzado (Cz$) - De 1986 a 1989
O nome remete a uma antiga moeda portuguesa. Foi lançado no Plano Cruzado: para conter a inflação, o governo congelou os preços. Mas, como os gastos públicos não diminuíram e o consumo só crescia, faltavam produtos. Houve até desapropriação de bois para suprir a demanda. Com o fracasso do plano, a moeda expirou.
Cruzado Novo (NCz$) - De 1989 a 1990
Em janeiro de 1989, o governo Sarney lançou o Plano Verão para tentar diminuir a inflação, que havia chegado a 980% no ano anterior. O pacote incluía mais congelamentos e a troca da moeda para o Cruzado Novo. Três zeros foram cortados (Cz$ 1.000 = NCz$ 1). Os preços foram descongelados aos poucos e, no fim de 1989, a inflação chegou a 1.972%.
Cruzeiro (Cr$) - De 1990 a 1993
Logo que Fernando Collor assumiu a presidência, a moeda voltou a se chamar Cruzeiro, como era antes do Cruzado. O diagnóstico era que havia muito dinheiro em circulação. Como parte do Plano Collor 1, as poupanças foram confiscadas. O governo também facilitou a entrada de importados. Porém, o plano falhou, gerando recessão.
Cruzeiro Real - CR$) - De 1993 a 1994
No governo de Itamar Franco, nova mudança: 1.000 cruzeiros passaram a valer 1 cruzeiro real. A medida foi vista como preparatória para o Plano Real. Cédulas novas foram emitidas, mas outras foram reaproveitadas da época do Cruzeiro, recebendo um carimbo com o valor alterado.
Real (R$) - De 1994 até hoje
O Plano Real lançou a URV (Unidade Real de Valor), uma transição para o Real, que entrou em vigor em 1º de julho de 1994. Um real valia CR$ 2.750. Um dos trunfos foi o alinhamento dos preços, que, no início, passaram a ser fixados em URV. A unidade era corrigida diariamente, evitando descontrole. A inflação começou a cair já no primeiro mês.
(texto publicado na revista Todos - A vida é feita de histórias. Qual é a sua? edição 07 - abr/mai 2016)
Nenhum comentário:
Postar um comentário