sábado, 10 de agosto de 2013

Maus-tratos até quando? - Andrea Giusti


É praticamente impossível não se revoltar diante de tantas notícias de violência contra animais. E você pode e deve fazer a sua parte

Eram esperados 3 mil manifestantes durante o ato "Crueldade Nunca Mais", que aconteceu na Avenida Paulista, em São Paulo, no início do ano. "O objetivo era mostrar que a população não estava contente com a legislação atual", explica a organizadora Fernanda Marchetti, da Associação Protetora dos Animais São Francisco de Assis (APASFA). Há anos eu aguardava esse momento. Ainda muito criança recebi a notícia que minha cachorra havia sido envenenada pela vizinha enquanto eu estava na escola. Lembro da dor e, por algum motivo, queria me vingar disso 22 anos depois.

Já na concentração, era possível encontrar participantes vestidos de preto, apitos, ONG, cartazes e faixas que lembravam os últimos acontecimentos revoltantes envolvendo animais maltratados. A imprensa também estava lá para registrar o que viria a ser depois uma grande vitória da proteção animal. "Sete mil pessoas estiveram presentes, foi um sucesso. Agora esperamos que a punição mais severa atue como um instrumento para coibir os novos casos", desabafa Fernanda. Ao todo, 140 mil pessoas gritaram por justiça na manifestação que aconteceu em 191 cidades, incluindo Miami e Nova York, nos Estados Unidos.


Vida de cão

As denúncias de maus-tratos a animais ganharam espaço nos últimos anos. Isso porque as redes sociais se transformaram em uma ferramenta rápida e de grande alcance quando se trata de um bichinho precisando de ajuda. É comum se deparar com fotos de cães machucados ou famintos e pedidos de resgate envolvendo abandono. Em minutos, pessoas comuns e protetores se mobilizam para achar uma solução e resolver o caso.

Em março de 2011,o Projeto SalvaCão, grupo que resgata animais vítimas de abandono e violência, viveu um dos seus resgates mais marcantes. A denúncia informava que dois cachorros da raça akita estariam machucados dentro da própria casa em Osasco, na grande São Paulo (SP). Chegando ao local, foi comprovado que ambos estavam maltratados, magros e com feridas espalhadas pelo corpo. Mas além disso tudo, um deles havia perdido a orelha direita. A miíase, também conhecida como bicheira ou proliferação de larvas de mosca em tecido vivo, tinha consumido a região da cabeça. "Ele foi tratado durante meses, a ferida cicatrizou e ficou apenas o "furinho" do ouvido. Infelizmente, ele perdeu parte da audição", explica a veterinária Janaína Reis.

O cão mais saudável foi adotado logo após a recuperação total. E enquanto isso, longe dali, no Rio de Janeiro (RJ), a empresária Letícia Santa Rosa acompanhava a história comovente dos irmãos por meio do Twitter de um membro do projeto. "Vi a foto e foi amor à primeira vista. Queria que ele tivesse amor e sossego depois de tudo pelo que passou. E eu queria fazer isso, sabia que podia", explica a nova dona de Hachi. "Hoje ele é nossa companhia, toma conta da minha filha enquanto ela brinca no quintal", conta, emocionada.

Mas nem sempre a ajuda chega em tempo de salvar o animal das barbaridades de seus tutores. Em novembro do ano passado, o rottweiler Lobo foi amarrado em um carro e arrastado por mais de 1 km no interior de São Paulo e não resistiu. Após um mês, em Formosa (GO), uma yorkshire foi espancada até a morte e enterrada no quintal para não levantar suspeitas do crime, mas o flagra já havia sido registrado por uma vizinha que desconfiava do barulho constante. Na zona sul de São Paulo, em janeiro deste ano, Dalva Lina da Silva foi acusada de matar cerca de 30 animais com injeções letais e depois despejar os corpos na calçada.

"O principal motivo para isso acontecer é a falta de conscientização da população", aponta Marco Ciampi, membro da ONG Arca Brasil. Isso porque pouca gente sabe que maltratar um animal configura crime ambiental, de acordo com a Lei Federal nº 9.605/98.A jurista Renata Ferraz explica que a lei ainda é precária em relação às necessidades atuais. "Ela precisa passar por reformas. Hoje inclui qualquer tipo de violência física ou psicológica. Gritos, ameaças, punições, chutar, golpear, ferir, mutilar, bater, negligenciar ajuda, condições de saúde e qualquer outra intervenção que acarrete uma lesão. Mas é preciso definir melhor a pena."

Rosângela Ribeiro, veterinária da Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA Brasil), também lamenta a defasagem não só na avaliação do ato ilegal, como também na aplicação. "Infelizmente, o crime contra os animais domésticos é considerado de menor potencial ofensivo", explica. Hoje em dia, o agressor responde em liberdade e, se condenado, pode pegar de três meses a um ano de prisão; e se ocorrer a morte do bicho, a pena pode aumentar de um sexto a um terço. Mas acontece que na maioria dos casos a punição é convertida em multa e o pagamento é feito em cestas básicas ou trabalhos comunitários. E foi justamente essa a resolução dos casos que se tornaram famosos na mídia. Os indiciados pagaram uma multa e respondem pelo crime em liberdade.


Não finja que não vê

As ONGs protetoras estão lotadas de animais. A falta de espaço e o grande número de abandono ainda são os fatores que impedem o acolhimento de muitos bichos necessitados. Mas todos os cidadãos podem e devem ajudar com as denúncias. Após identificar um caso de maus-tratos, o primeiro passo é tentar conversar com o tutor do animal. "É melhor averiguar, perguntar por que o cão chora, por exemplo, ou até se a pessoa sabe que existe um lei e ela pode responder por isso", explica a jurista. "Existem casos em que a pessoa faz por falta de informação ou ignorância, que leva à negligência!, lembra Rosângela.

A necessidade da apuração também vale para as denúncias vindas da internet. Antes de repassar uma foto ou sair pedindo ajuda, Renata aconselha que a pessoa verifique a veracidade dos fatos e tome a frente da denúncia, sem repassar a responsabilidade para terceiros. "Em vez de apertar o botão "Compartilhar", a pessoa deve ir até a delegacia". diz.

O procedimento é simples. Ao presenciar ou comprovar um crime, dirija-se à delegacia mais próxima e faça um boletim de ocorrência baseado na Lei Federal nº 9605/98, artigo 32. O delegado vai instaurar o inquérito e o denunciante pode ser solicitado como testemunha a partir das investigações. O ideal é juntar o maior número de provas possível, como fotos, vídeos ou testemunhas, e detalhar o problema com precisão. Se houver omissão no atendimento, anote a delegacia e o nome do delegado responsável e procure o Ministério Público Estadual para relatar a recusa.

Hoje em dia, a punição revertida em multa ou cesta básica é muito desmotivadora para quem luta pelo fim dos abusos. A educação sobre guarda responsável é importante, mas a denúncia ainda é a melhor forma de contabilizar as ocorrências e justificar os pedidos de leis mais rígidas, punição menos branda e fiscalização mais efetiva. Com determinação será possível salvar cada dia mais vidas.



(texto publicado na revista A (Ana Maria Braga) - maio 2012)







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