sábado, 24 de agosto de 2013

Kamikazes: heróis suicidas - Fernanda Campanelli Massaroto com a colaboração de Cinthia Shimabukuro e Jhony Arai


No final da Segunda Guerra, as cidades japonesas estavam sendo impiedosamente bombardeadas pelos americanos. Os melhores pilotos da Marinha e do Exército (não havia Aeronáutica) Imperial tinham morrido nas inúmeras batalhas aéreas. Numa atitude de desespero, o comando militar japonês adotou uma nova estratégia para tentar conter o avanço aliado. No dia 25 de outubro de 1944, ela foi colocada em prática. Cinco aviões Zero, cada um carregado com 250 quilos de bombas e explosivos, se chocaram intencionalmente contra uma frota inglesa e americana, nas Filipinas. O comando militar sabia que o ataque suicida não deteria o avanço inimigo, mas acreditava que poderia ser uma eficiente arma. Eles estavam certos. Era possível destruir um navio inimigo com um número reduzidíssimo de baixas. A atitude surpreendeu até os americanos. Afinal, quem se sacrificava daquela forma, poderia ser capaz de qualquer coisa.

O mais inacreditável é que não faltaram japoneses que se dispunham a dar a própria vida em nome do país e do imperador, considerado um deus pela população japonesa. O fanatismo fez com que milhares de jovens, entre 15 e 25 anos, muitos deles vindo das melhores universidades do arquipélago, se alistassem voluntariamente para se tornar um kamikaze. Em agosto de 1945, quando a guerra terminou, 454 navios tinham sido destruídos e 2158 kamikazes, perdido a vida.

Até hoje, os ex-pilotos que não foram escalados para a missão suicida ainda se reúnem para prestar homenagem aos companheiros mortos. 


O vento dos deuses

A definição da palavra kamikaze, em japonês, é vento dos deuses ou vento divino. O termo ganhou popularidade no fim da Segunda Guerra (1939-1945) para designar os pilotos da Marinha Imperial Japonesa (não havia Aeronáutica) que comandavam os aviões abarrotados de bombas e explosivos contra os alvos inimigos, principalmente navios. Os ataques suicidas faziam parte de uma estratégia par desestabilizar as Forças Aliadas, lideradas pelos Estados Unidos. Os resultados positivos entusiasmaram o comando militar japonês, que passou a intensificar esse tipo de ataque. Os kamikazes ficaram tão famosos que a palavra foi incorporada à língua portuguesa, aparecendo até nos dicionários, grafado como "camicase". Além do sentido literal, no Brasil, virou também gíria para chamar alguém de "suicida".


Pilotos ainda adolescentes

A idade dos candidatos à kamikaze impressiona. Os mais jovens, de apenas 15 anos, mal tinham concluído o curso colegial. A faixa etária média nas escolas de treinamento de piloto da Marinha Imperial variava de 17 a 25 anos. Os veteranos chegavam a ter 35. O comando militar japonês, no entanto, determinou que os universitários tivessem prioridade na hora do recrutamento por ter uma melhor formação cultural. Mesmo sendo mais liberais e conscientes dos horrores da guerra do que o restante da população, esses jovens aderiram em massa - a maior parte veio de renomadas universidades como as de Tokyo, Kyoto, Keio e Waseda. Mas na batalha de Okinawa (de abril a junho de 1945), já no final da guerra, os kamikazes não tinham nem idade para estar na faculdade.


Adoração pelo imperador

Nos dias de hoje, em que se questiona até a obrigatoriedade do serviço militar no Brasil, fica difícil entender o que levou milhares de jovens a se alistarem para ser um piloto suicida. 

Durante mais de 1500 anos, os japoneses acreditaram que o imperador era uma figura divina. Essa era a filosofia básica do xintoísmo, a religião mais popular do arquipélago até a rendição japonesa na Segunda Guerra, quando o imperador Hiroito foi obrigado a renunciar à condição divina.

A pregação sobre a divindade da Família Imperial começava dentro de casa e se estendia às aulas ministradas nas escolas públicas. Na época da guerra, o slogan Jusshi Reuisho, que significa "sacrificar a vida" pelo imperador, foi amplamente difundido e seguido à risca. Somado a isso, desde a época dos samurais, os japoneses aprendiam que deveriam seguir a um rígido código de honra. Recusar-se a dar a vida pelo país era considerado um ato vergonhoso. A desonra atingia não só o "traidor", como se estendia a toda a família e até a seus ancestrais.

Por fim, acreditava-se que os guerreiros que morressem em nome do imperador e do país encontrariam a felicidade após a morte, segundo pregava o budismo, outra importante religião do Japão.


A morte era motivo de orgulho

A maioria dos pilotos acreditava que colidir intencionalmente o avião carregado de explosivos e bombas contra um navio inimigo seria um momento de glória para eles e suas famílias. Os estudantes das escolas militares mostravam-se mais preocupados e apreensivos pelo país do que por sua própria existência. A vida, segundo os ensinamentos da época, não deveria ser vista como prioridade. Vivia-se (é bom repetir) para servir à pátria e ao imperador. Quando os voluntários eram escolhidos para partir em uma missão suicida, comemoravam. Era uma honra. Afinal de contas, todos tinham certeza de que encontrariam a felicidade após a morte. O suicídio salvaria suas famílias, as pessoas amadas e o próprio Japão.


O criador dos kamikazes

A identidade do idealizador da missão kamikaze ainda causa divergências dentro das Forças Armadas Imperiais do arquipélago. O nome do almirante Takijiro Onishi é o mais aceito entre os militares. Em outubro de 1944, a estratégia suicida começa a sair do papel e se torna uma nova arma para tentar conter o avanço das Forças Aliadas. Trechos de cartas escritas pelo almirante revelam que ele não acreditava na eficiência da missão, mas via a estratégia como uma poderosa tática de guerra. Onishi costumava afirmar que o mar era um lugar honroso para se morrer. "Morrer em uma missão kamikaze é a forma mais digna e gloriosa de se perder a vida".


Estratégia suicida

A estratégia suicida que popularizou o nome kamikaze começou a ganhar a aceitação do comando militar em 1944. Os incessantes bombardeios em todo o arquipélago por parte das Forças Aliadas enfraqueceram as tropas japonesas. Os melhores e mais experientes pilotos da Marinha e do Exército (que também possuía aviões) tinham sido mortos em combate e não havia mais tempo para se formar novas turmas de alto padrão. A solução mais rápida foi adotar uma ação suicida, em que os pilotos acertariam o inimigo de surpresa. Os ataques kamikazes não exigiam grande experiência dos pilotos. Não era preciso ter habilidade para lutar. Bastava um rápido treinamento, que variava de três anos a sete meses (nos momentos finais da guerra). Após a conclusão, os pilotos apresentavam-se por livre e espontânea vontade. Depois, os comandantes escolhiam, entre os voluntários, aqueles que partiriam para a missão suicida.


Tapa na cara nos treinamentos

Os aprendizes de kamikaze passavam por oito estágios que duravam três anos. Mas com o avanço das Forças Aliadas, o curso foi reduzido para dois anos e, posteriormente, para apenas sete meses. O cronograma se tornou ainda mais rígido e apertado. Não havia feriados e os poucos dias de folga eram cancelados constantemente. A intenção dos comandantes era que os alunos só tivessem em mente a guerra e não refletissem sobre outros temas. A educação recebida nas escolas de treinamento enfatizava a mente, o espírito e as atitudes. Os cadetes eram esbofeteados na face para que absorvessem os regulamentos da guerra. Os estudantes-piloto tinham que responder às agressões com a frase "Eu devo tentar ainda mais".


O primeiro ataque

Segundo a versão oficial, o primeiro ataque kamikaze ocorreu em 25 de outubro de 1944, contra uma frota das Forças Aliadas, durante a batalha de Samos, na costa de Leyte, nas Filipinas. Uma esquadrilha de 26 aviões japoneses entrou em combate. Metade tinha a função apenas de escoltar os outros 13 que atacaram navios americanos e ingleses. Desses, cinco aviões Zero, cada um carregado com 250 quilos de bombas e explosivos, tiveram sucesso e destruíram o navio Saint Lo. Existe uma outra versão pouco divulgada que credita o primeiro ataque a Shinpu Tokubetsu Kogekitai, nome dado aos esquadrões da Marinha e do Exército Imperial japonês, em 21 de outubro de 1944. Os ataques suicidas ficaram popularmente conhecidos pelo nome de Tokkotai e os pilotos suicidas, como Tokko. A designação kamikaze só era atribuída aos pilotos da Marinha. Nos dez meses que se seguiram à primeira missão suicida, foram usadas mais de 2 mil aeronaves, em especial na batalha de Okinawa.


Os aviões Zero

Em 1937, a Marinha Japonesa encomendou ao jovem designer Jiro Horikoshi o projeto de um avião que atendesse às necessidades para eventuais batalhas. Os requisitos pedidos foram: velocidade, poder de fogo e modernas engrenagens para facilitar a vida dos pilotos. A solução foi reduzir o peso do avião. Para isso, Horikoshi criou um modelo inovador e utilizou um novo tipo de alumínio. Os aviões Zero foram produzidos pela Mitsubishi Company que, depois da guerra, se tornou a multinacional mundialmente conhecida. O nome Zero foi inspirado no ano de fabricação dos aviões, em 2600 do calendário japonês. Seu primeiro voo foi em missão na China. Era menor e mais veloz do que os aviões de guerra da época. A partir de 1943, foram feitas algumas alterações para que os aviões fossem usados nas missões suicidas.




(texto publicado na revista Made in Japan nº 35 - ano 3 - agosto 2000)








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