Roberto é motoboy. Após passar por um trauma, decidiu que o mundo precisava de uma lição. Desde então, toda madrugada, com o rosto coberto, arremessa objetos nas casas da periferia de São Paulo
Todos os dias, Roberto Barros atravessa labirintos de carros, asfalto e fumaça para fazer o seu trabalho. Sobre duas rodas, percorre uma média de 150 quilômetros diários entregando jornais e revistas. Ele é um dos mais de 200 mil motoboys da cidade de São Paulo. Há mais de duas décadas, seu cotidiano é marcado pelos olhares de reprovação dos motoristas, pelo estresse dos engarrafamentos e pelo risco constante de colisões - atualmente, 65% dos acidentes de trânsito ocorridos no Brasil envolvem motocicletas.
Essa rotina ficou ainda mais pesada em 2002. Naquele ano, Roberto sofreu dois duros golpes que o levaram à depressão: a morte da mãe e o término de um namoro de longa data. Desolado, fez terapia e entrou para um grupo de voluntários da igreja. Dois anos depois, tomou a atitude que transformaria sua vida, marcando a superação do trauma e o enchendo de motivação para levantar da cama diariamente. Nascia, assim, o Motoboy Abandonado. O que você acha que Roberto começou a fazer?
Às vésperas do Dia das Crianças, em 2004, Roberto teve uma ideia: entregar brinquedos aos pequenos moradores da região onde vive. Começou pedindo a parentes, amigos e vizinhos que doassem itens usados. Não deu certo: recebeu brinquedos velhos e quebrados. "Doados mais para esvaziar o armário que para fazer o bem", lamenta. Mesmo diante do descaso, não desistiu. Pelo contrário, percebeu que faltava conscientizar os adultos sobre a importância de cada um fazer a sua parte. Com dinheiro do próprio bolso, comprou bonecas, bichos de pelúcia, carrinhos, raquetes e aviões de plástico para arremessar no quintal das casas junto a uma cartinha dizendo "Entregue este brinquedo para uma criança que precisa de você".
A iniciativa lhe fez tão bem que virou rotina. Desde então, todos os dias, antes de começar o expediente, quando o sol ainda nem nasceu, Roberto já está nas ruas distribuindo embrulhos. Ele arremessa os pacotes em pelo menos dez casas na Vila Ema, onde mora, na Zona Leste de São Paulo, ou em bairros vizinhos, como Vila Matilde, Vila Formosa e São Mateus. Tudo anonimamente, o que gerou desconfiança entre os moradores. "Muitos acreditavam ser um político atrás de votos... Isso nunca passou pela minha cabeça! Mas se eu não era um político, era o quê?", questionou-se. E foi assim que Roberto, que na juventude sonhava seguir a carreira de ator, criou o seu personagem: o Motoboy Abandonado. Um super-herói cujos poderes são levar carinho para as crianças e, por meio do seu exemplo, transformar os adultos. "Muitas vezes, os moradores que recebem os presentes se sentem estimulados a comprar um brinquedo e levar para uma criança que precisa, formando um exército de pessoas trabalhando pelo próximo", conta.
Em 12 anos, Roberto calcula ter arremessado mais de 40 mil brinquedos. Em datas especiais, como Dia das Crianças e Natal, ele distribui 500 pacotes. O projeto já lhe rendeu, em 2014, o troféu do prêmio Paulistano Nota 10, que reconhece trabalhos voluntários das mais diversas áreas. Porém, mesmo aparecendo em programas de TV, ele não conseguiu nenhum apoio. Os brinquedos, que custam em média R$ 1 cada, comprometem mais da metade do seu salário. Ainda assim, o motoboy ampliou suas ações. Há alguns anos, manda envelopes pelos Correios para casas do seu bairro com uma moeda de R$ 1 e a seguinte mensagem: "Compre um brinquedo e entregue para uma criança". "Quando você ajuda alguém, pode esperar que outra pessoa vai te ajudar também".
Na calada da noite, o Motoboy Abandonado segue sua missão. E, mesmo que você more longe do raio de ação desse herói mascarado, já pode se considerar impactado por seus superpoderes. Afinal, a maior lição que Roberto ensina é universal: apesar dos obstáculos do dia a dia e das rasteiras da vida, sempre é possível fazer o bem para os outros, e esse é um caminho seguro para a felicidade.
(texto publicado na revista Todos - A vida é feita de histórias. Qual é a sua? - dez2016/jan 2017)
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