quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Ganhei o Emmy! - Walcyr Carrasco



Lembrei da primeira máquina de escrever que meus pais me deram, quando eu tinha 13 anos

Quando minha novela Verdades secretas se tornou uma das finalistas do Emmy, maior prêmio da televisão no mundo, já comemorei. Ser finalista já é muito. Tenho expectativas sobre meu trabalho, mas sou muito ligado às minhas origens de garoto de classe média baixa de São Paulo. Acho importante homenagear as próprias raízes. Não venho de uma família letrada, mas meus pais acreditaram em meu desejo de ser escritor. Para o garoto do interior de São Paulo, apenas ser indicado para o Emmy já estava mais que bom!

Parti, com um grupo da Rede Globo, para Nova York. A decisão do Emmy passa por etapas. Tanto no Oscar como no Emmy, seu equivalente na TV, a decisão é revelada na hora. Os candidatos roem até as cutículas.

No primeiro dia tivemos a cerimônia de entrega de medalhas aos finalistas. Recebi a minha, já orgulhoso. Nos dois seguintes, painéis.

Painéis? Cada uma das categorias participa de um debate, com um mediador, em que fala de seu processo de criação e produção. Assim, de repente vi-me sentado do lado de uma produtora filipina. Passaram o trailer da novela filipina e era ótima! Em dois segundos dava o panorama da história inteira! O canadense nem se fala: um menino de classe média encontra o avô, que se tornou sem-teto. Demais. Botei minha emoção para fora.

– Escrevi Verdades secretas com meu coração. Foi uma entrega total não só minha, mas também do diretor Mauro Mendonça Filho e sua equipe, de todo elenco. Eu sentia que era importante contar essa história.

Isso foi no domingo. A festa, só na segunda-feira. Tentei levantar informações de bastidores. Não consegui. Ninguém tem acesso ao nome dos vencedores. Honestidade absoluta.

Depois desse processo de acúmulo de tensão, chegou a hora da festa. Black tie. Minha camisa não fechava. A empresária Marcia Marbá, que acompanhava a atriz Grazi Massafera, estava no apartamento ao lado. No instante de sair, corri para pedir socorro. Como salvar meu colarinho? Ela prendeu com linha no lugar do botão e pronto! Depois, botou a borboleta. Perfeito. Meu problema era como sair da camisa depois. Melhor pensar após a premiação. Na festa, entramos numa fila. Os nomes eram chamados um a um e percorríamos o tapete vermelho. Fiz algumas fotos. Francamente, a maior parte dos repórteres internacionais não se interessou por minha pessoa. Entramos, houve um longo coquetel. Depois, o jantar, que eu achei mais demorado ainda. Já estava certo de ter perdido. Melhor acabar logo com tudo.

Os prêmios foram sendo anunciados sucessivamente. A certeza de que eu não ganharia cresceu. Sinceramente, não acertava um! Telenovela foi um dos últimos. Passaram os trailers mais uma vez, e novamente achei todas ótimas. Aí, falaram:

– Hidden truths.

Que é o nome de Verdades secretas em inglês. Levantei pasmado, com um misto de sensações. “Eu ganhei? Eu ganhei?”, pensava, sem acreditar. É estranho. Até então eu estava controlado, até blasé. De repente, havia ganhado o maior prêmio de TV do mundo. O EMMY! Fui para o palco. Minha sorte foi que os diretores Felipe Binder, Alan Fiterman e Natália Grimber me acompanharam. E as atrizes Grazi Massafera, Camila Queiroz, Agatha Moreira e Guilhermina Guinle. Todas lindas. O teatro só aplaudia. É uma sensação incrível receber um troféu desses nas mãos! Pedi ao Lipe para agradecer em meu nome. E, depois, só consegui dizer:

– I am very happy. Thank you! Thank you.

Saímos pela parte de trás do palco. Descemos uma escadinha e estávamos... numa enorme cozinha industrial. Fizemos fotos, pulamos. Atravessei a cozinha e havia um pequeno teatro, onde fui anunciado. Nunca vi tanto fotógrafo na minha vida, tantas televisões do mundo inteiro. Era uma loucura! Essa parte durou muito tempo. Depois, ainda teve uma festa do Emmy. Só quando cheguei a meu apartamento no hotel pude parar. E caiu a ficha. Eu havia, sim, ganhado o Emmy! Olhava para o troféu sem parar.

Sempre tive muitos sonhos na vida, mas não tão grandes. Sabem, sinceramente, no que pensei? Ah, a memória! Na primeira máquina de escrever que meus pais me deram, quando eu tinha 13 anos. E no desejo que ainda estivessem neste planeta para compartilhar o prêmio. Desde os 13 anos nunca mais parei de escrever. É o que amo fazer na vida. Eu queria poder falar:

– É graças a vocês!

Mas, de algum forma que nenhum de nós consegue entender exatamente, talvez eles saibam disso, onde estiverem. Pai, mãe. Gratidão! A vocês, eu devo este Emmy.



(texto publicado na revista Época - 7 de novembro de 2016)

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