quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Reinventar-se - Diviol Rufino


Chegamos ao final de mais um ano de nossa vida. É um tempo propício para lançarmos um olhar em retrospectiva e perceberemos quantas realidades experimentamos, seja na nossa história pessoal, seja na história da humanidade, com suas alegrias e seus dramas. Provavelmente hoje somos melhores de quanto éramos neste mesmo período um ano atrás.

Se formos honestos, descobriremos que coisas muito boas nos aconteceram nesse tempo que passou: decisões importantes foram tomadas, sofrimentos inusitados foram enfrentados e, através deles, descobrimos aforça interior que todos possuímos e que nos capacita, se soubermos usá-la, para prosseguir com ânimo revigorado.

Para muitos, o enfrentamento de uma doença, de uma dor inesperada, despertou, quem sabe até pela primeira vez, a necessidade de pedir auxílio a Deus e ele, então, se mostrou como "o único interlocutor que habita a existência nua e crua de nossa interioridade", como afirma o psiquiatra argentino Roberto Almada. Houve ainda quem realizou a viagem dos sonhos para lugares e países deslumbrantes, quem experimentou a alegria por um sucesso alcançado. Há ainda quem tentou novos impulsos espirituais e (re) descobriu a sua singularidade, vivenciando o paradoxo de sermos matéria e espírito em total sinergia.

Muitos fizeram a feliz descoberta de que cada um só se realiza quando toma consciência de sua capacidade relacional intrínseca e se mobiliza na doação de si e na abertura do próprio diafragma para deixar a luz entrar, na saída da reclusão para acolher o outro, evitando a atrofia do próprio eu.

Mas seríamos irresponsáveis se não olhássemos também para os erros cometidos e se deles não tirássemos lições e novos propósitos. De fato, o que mobiliza o olhar restaurador é uma atitude simples, humilde, corajosa e altamente transformadora: reinventar-se. É um olhar verdadeiro, sem autocomplacência, sem falso moralismo ou insano remorso. É uma tomada de decisão que projeta luzes sobre sombras antigas ou novas e faz com que a pessoa assuma responsavelmente as consequências do mau uso que fez da própria liberdade, propondo-se, com nova consciência, a recomeçar com determinação e responsabilidade. Uma reparação nem sempre é possível, mas é importante ter um compromisso proporcional aos danos eventualmente causados, assumir uma postura e um empenho verdadeiro em evitar o alargamento da ferida, bem como favorecer sua cura e cicatrização. Afinal, a vida nos mostrou que vale a pena ser vivida e cada pessoa existe como um presente, como uma dádiva para os outros, mesmo com seus defeitos, com o seu mistério a ser desvelado na reciprocidade.

Se, durante o ano, muita coisa ficou sedimentada na memória afetiva e emocional - com lembranças marcadamente positivas e outras dolorosas, que deixaram cicatrizes - o balanço que cada um é convidado a fazer deve ter esse foco: não resignar-se com o que foi alcançado, pois a existência, com suas perguntas, continua a interpelar-nos a novas e criativas respostas. Quem se dá por satisfeito consigo mesmo perde oportunidades. A vida propõe, a cada dia e a cada hora, a necessidade de novos feitos e abre a possibilidade de novas vivências. Habituar-se a criar no presente uma história eterna e viver abertos a um futuro rico de possibilidades é uma sábia maneira de viver o  tempo que nos é dado a cada instante.



(texto publicado na revista Cidade Nova exemplar 584 - Ano LV - Nº 12 - dezembro de 2014)

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