Às vezes nos sentimos sem energia, sem brilho, desanimados. É hora de descobrirmos o que nos desperta para ter, novamente, mais entusiasmo pela vida.
Uma criança brinca com blocos de montar. Ela está perfeitamente concentrada na tarefa: seus olhos estão fixos nas peças, e quase podemos ouvir seus pensamentos tentando desvendar o melhor jeito de encaixá-las. Ela fica entretida por horas, brincando muito seriamente. Ela não espera recompensa, não tem medo de nenhuma punição. O que a leva a estar tão compenetrada?
Assim como a criança, todo somos capazes de nos empolgar tanto com alguma coisa a ponto de esquecer as horas. São momentos em que estamos totalmente presentes, e as coisas fluem perfeitamente. Esse tipo de sentimento, porém, não é tão fácil de encontrar. É comum estarmos desmotivados, sem brilho. Nesses dias, lutamos com força para levantar e sair de casa. Os segundos demoram a passar. É que nos falta o combustível mais importante para seguir em frente: a motivação. Em outras palavras: energia, entusiasmo.
Antes de qualquer outra coisa, os seres humanos, assim como os animais, têm uma motivação muito básica: sobreviver. Para isso, fazem coisas como comer, beber, descansar, proteger-se de perigos. Por muito tempo na nossa história, esses foram nossos maiores motores.
Mas precisamos mais do que isso. O que nos move, se já temos comida, abrigo, companhia? Para viver em sociedade, temos que reprimir alguns comportamentos e incentivar outros. Entra aí o sistema que nos serviu por muitos anos: a política das punições e recompensas.
Essas motivações são extrínsecas, ou seja, externas a nós mesmos, e ainda são as mais usadas pela maioria das empresas para estimular seus funcionários. O problema é que elas têm um efeito colateral: podem acabar diminuindo a criatividade e o entusiasmo, em vez de aumentá-los."Ao oferecer um bônus ou um prêmio, mostramos que determinada tarefa é indesejável", escreve Daniel Pink, autor do livro Motivação 3.0 - Os Novos Fatores Motivacionais que Buscam Tanto a Realização Pessoal Quanto Profissional. Esse tipo de estratégia funciona em curto prazo, mas no longo prazo tende a ser como uma droga: você acaba viciado, e precisa de cada vez mais para realizar alguma coisa.
Nas tarefas mais criativas - que constituem boa parte do que fazemos hoje - é preciso algo mais. É preciso que a motivação venha de dentro de você.
Motivação intrínseca
A motivação interna, ou intrínseca, é aquela que parte de dentro. Aquela atividade que você faria, mesmo que não ganhasse dinheiro para isso. que acende seu fogo interno, que o alimenta, que lhe dá vontade de viver. Nesse tipo de tarefa, o objetivo é a própria caminhada, não a chegada. É o que leva alguém a escalar uma montanha, fazendo esforço e enfrentando frio e ventanias, quando poderia facilmente chegar ao topo a bordo de um helicóptero. Claro que para ela acontecer, precisamos estar com as motivações básicas em dia: ter salário justo, descanso, estabilidade. Senão, estaremos tão preocupados com os problemas que não teremos motivação nenhuma.
De acordo com Pink, a motivação interna é composta de três características: independência, domínio e propósito. A independência é a autonomia, ou seja, poder escolher de que forma você vai executar uma tarefa. Muitas empresas já perceberam que os funcionários ficam mais motivados ao poderem decidir de que forma irão realizar suas atividades e os deixam livres para escolher quando e como irão trabalhar, desde que os resultados sejam alcançados.
Além da autonomia, a motivação interna tem outro combustível: o domínio. Isso significa realizar tarefas que exijam alguma habilidade, seja ela escrever, seja programar um computador ou gerenciar pessoas. E, no decorrer da atividade, poder aperfeiçoar e melhorar seu domínio sobre ela. Claro, não pode ser qualquer habilidade: tem que ser alguma de que gostamos, senão o desafio vira sofrimento. "As pessoas gostam de perceber que crescem com seu trabalho e que são capazes de superar desafios", diz Rita hetem, psicoterapeuta e life coach.
Finalmente, para nos motivar, precisamos ter um propósito. Precisamos sentir que o trabalho que fazemos serve para algo mais do que simplesmente pagar as contas. O professor, por exemplo, pode sentir que seu trabalho faz diferença na vida da crianças que ensina; o administrador da loja, cuja função permitirá que mais pessoas sejam empregadas. As pessoas são motivadas a praticar suas habilidades por algo maior: o interesse público.
O que te motiva?
Por isso, o primeiro passo para descobrir quais são as nossas paixões é a própria investigação. "Só se perguntar 'o que me motiva?' já é transformador", diz o fotógrafo Danilo Bueno, que, junto com a jornalista Luah Galvão, está viajando o mundo há 12 meses, perguntando às pessoas dos cinco continentes o que as motiva, no projeto Walk and Talk. Para descobrir nossa motivação, é preciso parar e se perguntar: o que quero para a minha vida?
Pode ser o caso, até, de uma pausa mais longa, como um ano sabático. "Uma pausa não para ficar à toa, mas para curtir um ócio criativo, que clareie as idéias", diz Luah. "É necessário voltar-se para dentro e acessar o mundo dos desejos, das vontades, da brincadeira e do sonho de criança - que ainda está lá, mas talvez um pouco sufocado, soterrado por obrigações e medos de não dar conta", diz Rita. E então, aos poucos, trazer para mais perto as atividades de que gostamos, sejam elas escrever, desenhar, trabalhar com madeira. Não necessariamente como ganha-pão, mas, pelo menos, como lazer.
Mas é preciso tomar cuidado: fazer o que gostamos não significa nos divertir o tempo todo. Há desafios, há dificuldades.
Consciência e realidade
Nem sempre, é claro, podemos escolher apenas as atividades que mais nos agradam.
Para lidar com algo de que não gostamos, não tem jeito: ou mudamos o fato ou mudamos a forma de encará-lo. Em muitos casos, é possível alterar as circunstâncias externas, ou seja, mudar o fato: contratamos uma secretária para ajudar a organizar os papéis, ou, se odiamos cozinhar, comemos fora ou pedimos para o companheiro fazer isso por nós.
Muitas circunstâncias, porém, são mais difíceis de alterar. E e aí que entra a grande jogada, compartilhada pelo pesquisador Csikszentmihalyi em seus livros: nós todos temos o poder de mudar a realidade por meio da maneira como encaramos os fatos. Pude comprovar a eficácia desse truquezinho em duas ocasiões. Uma delas foi recente, em casa, com a minha crônica dificuldade em lavar louça. Odiava essa tarefa mais que todas as outras. Acabava sobrando para meu marido, que se queixou, com razão. Por fim, decidi deixar de encarar o momento de lavar louça como um fardo e passei a tentar me divertir na hora: ouço música, converso, tento descobrir firmas mais eficientes de levar e enxaguar. É quase como meditar.
A outra ocasião foi ao pedalar. Gosto muito de viajar de bicicleta, mas tinha pavor de subidas. Sofria muito nelas. O jeito que encontrei de melhorar minha experiência foi, por um lado, melhorar meu condicionamento físico, mas principalmente, parar de "brigar" internamente com os mortos, parar de temê-los e odiá-los. Passei a acolhê-los como bons amigos, que me ajudariam a melhorar meu desempenho.
É por causa da forma de encarar os fatos que algumas pessoas conseguem tirar satisfação mesmo de tarefas que poderiam parecer maçantes ou banais. É o cobrador de ônibus que sorri e dá bom dia aos passageiros, e se empenha em dar informações e ajudá-los a chegar a seus destinos. É o trabalhador que tenta melhorar sua técnica todos os dias, mesmo que sua função seja simples como apertar parafusos. É o pai que se esquece das horas ao ler histórias para o filho. São os presos de uma penitenciária nas Filipinas que passam o tempo encenando videoclipes musicais. Trazer para mais perto algo de que gostamos, mesmo que apenas como hobby, pode nos encher de alegria e funcionar como um reservatório de energia e motivação para enfrentar os momentos mais duros da vida. A busca é pela atenção focada, pelo brilho nos olhos. Como os de uma criança empilhando blocos.
(texto publicado na revista Vida Simples - março de 2012)
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