Nos últimos 100 anos, muito se falou sobre o naufrágio mais famoso do mundo - inclusive algumas mentiras.
Nos números, o naufrágio do Titanic, que neste ano completa 100 anos, não é a maior tragédia marítima da história. Suas 1514 vítimas fatais correspondem a menos da metade das mais de 4 mil pessoas que morreram no incêndio da embarcação filipina Doña Paz, em 1987. Em seu tempo, o Titanic não era o navio mais veloz nem o mais resistente, mas tornou-se o naufrágio mais famoso dos oceanos graças a fatores tão variados como afundar na viagem inaugural depois de colidir com um iceberg no meio do Atlântico Norte e a presença de celebridades a bordo. O navio acumulou uma vasta coleção de histórias coladas à narrativa principal, já tão explorada em Hollywood e adjacências. Algumas flertam abertamente com a ficção, outras nem tanto. Indiscutível é o fascínio que elas ainda provocam. A seguir, alguns mitos e fatos sobre o Titanic que sobrevivem ao longo de um século.
Champanhe amaldiçoada
Nos batizados de navios, se a garrafa de champanhe batida contra o casco não quebra de primeira, é um sinal de mau agouro. Isso teria ocorrido com o Titanic. Não procede. A White Star, dona do navio, não costumava realizar a cerimônia.
Concerto embaixo d'água?
Uma das histórias mais comun sobre o Titanic fala sobre a bravura e resignação dos músicos. Eles teriam tentado serenar os ânimos tocando valsas e mesmo um hino gospel durante o naufrágio. Jornais americanos e britânicos, com base em depoimento de passageiros e rumores, falavam até em acordes soando quando os músicos tinham água pela cintura. Historiadores como Richard Howells, autor de O Mito do Titanic, apontam para impossibilidades físicas óbvias, como o fato de o navio estar adernando e prestes a se partir. Mas o fato de nenhum dos 13 músicos a bordo do Titanic ter sobrevivido deu carga dramática especial à história. O enterro do maestro Wallace Hartley reuniu 40 mil pessoas. O corpo de Hartley teria sido resgatado com o estojo do violino a tiracolo. Justiça seja feita, só ter tentando tocar já poderia ser considerado um feito heróico.
Ismay, o crápula
O Titanic não violou a lei ao zarpar com apenas 20 botes salva-vidas - suficientes para 30% do total de passageiros e tripulantes. A legislação britânica tinha como parâmetro navios de 10 mil toneladas, 5 vezes menores que o Titanic. O projetista do navio, Thomas Andrews, previu 64 botes. Seus planos foram vetados por J. Bruce Ismay, diretor da White Star, por causa dos custos e da estética: botes extras teriam de ser alojados no convés da 1ª classe. Ismay também teria ignorado a regra de preferência para mulheres e crianças ao se alojar num dos botes. Passou o resto da vida como pária e viajava incógnito em trens e navios.
Smith x Schettino
Diferentemente de Francesco Schettino, o infame capitão cuja pressa em abandonar o navio Costa Concordia deu fama à expressão vada a bordo... os oficiais do Titanic não tiveram a honradez questionada. O comandante, Edward John Smith afundou com o navio. Smith, porém, pode ser comparado a Schettino no que diz respeito à habilidade no timão. O inquérito do naufrágio concluiu que o capitão foi imprudente ao não diminuir a velocidade depois de receber informações sobre a presença de icebergs na rota e ao permitir que os botes saíssem parcialmente ocupados, o que teria contribuido para a morte de pelo menos 500 pessoas, um terço das vítimas da tragédia.
Drama para as câmeras
Dorothy Gibson, assim como vários outros sobreviventes do Titanic, relatou o horror do naufrágio. Porém precisaria revisitar seus fantasmas pouco tempo depois de pisar terra firme. Ela estrelou Salva do Titanic, filme lançado apenas um mês após a tragédia e uma produção que mexeu com a sanidade da atriz - nas filmagens, usou a mesma camisola que trajava quando embarcou num dos botes salva-vidas. Salva do Titanic, por sinal, nem de longe foi uma tentativa isolada de lucrar com o naufrágio. Mais de 100 produções cinematográficas ou televisivas sobre os acontecimentos da noite gelada de 15 de abril foram realizadas, incluindo a dirigida por James Cameron, o mais lucrativo filme da história. A arrecadação de US$ 1,8 bilhão aumentará este ano com a chegada da versão em 3D.
Cofre cheio
Rumores de que os cofres do Titanic estavam cheios de ouro, joias e dinheiro alimentou a ambição de muitos caçadores de recompensas - afinal, diversos membros da alta sociedade europeia e americana estavam na 1ª classe. No entanto, em 1987, o cofre foi resgatado e aberto diante das câmeras de uma equipe de TV americana: nele havia um único bracelete de diamantes. Só.
Os que escaparam
É bem possível que o Titanic precisasse de mais espaço para os que supostamente perderam a viagem. Há casos verídicos, como o do italiano Guglielmo Marconi, dono das patentes do telégrafo e do rádio, que recebeu a oferta de bilhetes porque sua empresa prestava serviço á White Star. Ele viajou para Nova York 3 dias antes no Lusitania, que em 1915 seria afundado por um submarino alemão.
Pressa do capitão
Os depoimentos dos sobreviventes não podem ser considerados ao pé da leetra se levado em conta o estresse e a confusão. Exemplo? A pressa do capitão: a versão de que a negligência do comandante do Titanic foi alimentada pelo desejo de estabelecer um novo recorde para a travessia do Atlântico durante anos foi veiculada como uma das razões pelas quais o navio trafegava em alta velocidade numa zona cheia de icebergs. Mas o inquérito que investigou o desastre concluiu que o Titanic seguia a 22 nós no momento do choque, pelo menos 2 nós abaixo de sua velocidade máxima. E o navio não era uma embarcação construída para ser veloz - seu sistema de propulsão o fazia mais lento do que vários transatlânticos da época.
Tiro fictício
Na versão de James Cameron para o desastre, o imediato do Titanic, William Murdoch, mata a tiros um passageiro da 3ª classe que tentava escapar. Embora alguns tripulantes mais graduados tivessem recebido armas como uma forma de garantir a segurança e controlar as multidões em caso de pânico, historiadores que estudaram o naufrágio geralmente concordam que o episódio jamais ocorreu. E o fato de a produtora Fox ter pedido desculpas oficialmente à família de Murdoch é um sinal evidente do exagero.
Suicídios
Dez sobreviventes cometeram suicídio, incluindo Frederick Fleet, o vigia que estava de plantão na noite em que o Titanic bateu no iceberg e que alertou o capitão sobre o ocorrido. Outro caso célebre foi o de Annie Robinson, tripulante que havia sobrevivido a um naufrágio anterior, também envolvendo uma colisão com um iceberg. Ela se atirou de um navio prestes a atracar no porto de Boston - o som da buzina de alerta para nevoeiro teria despertado memórias da noite gelada no Atlântico Norte.
(texto publicado na revista Aventuras na História de abril de 2012)
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