Ação de sustentabilidade é alternativa ao abastecimento de água da Sabesp em crise hídrica
Projeto de gestão das águas do programa "Campus Sustentável" reativa poços perfurados há décadas e que nunca foram utilizados como estratégia de fornecimento de água em plena crise hídrica. Das cinco estruturas disponíveis, três já tiveram a tubulação trocada e as peças revisadas, e deverão entrar em operação até o final deste ano. Outras duas ficam prontas em 2016.
No final dos anos 80, com os reservatórios cheios, o projeto havia sido abandonado. "Fizeram as primeiras análises, mas os poços não foram colocados em funcionamento", conta o engenheiro José Eduardo Sonnewend da Prefeitura do Campus USP da Capital (PUSP-C), responsável pelo projeto de reativação das fontes alternativas de água. A recuperação envolve a adequação a novos parâmetros técnicos, incontáveis medições e testes e um pouco de burocracia.
Reativação
A legislação atual impõe restrições à ativação e operação de peços que não existiam na época de sua perfuração. Além da revisão das bombas submersas e da tubulação, são feitos detalhados estudos de qualidade da água para definição dos tratamentos necessários para torná-la potável.
Também é necessária a outorga de cada um dos poços junto ao Dep. de Águas e Energia Elétrica (DAEE), órgão estadual responsável pela gestão de recursos hídricos. Através da outorga é concedido à universidade, por cinco anos, o direito de utilização das reservas subterrâneas. A fiscalização pela DAEE é constante.
"Há várias normas. Deve haver uma laje de proteção, um hidrômetro, tem que fazer a medição dos parâmetros todo mês", explica José. "Quando eles foram feitos não existia esse processo obrigatório. A USP podia usar, acabou não usando, e eles ficaram parados".
Dos cinco poços construídos originalmente, três já estão em fase de outorga: um na Portaria 3, um na Raia Olímpica e outro na Praça Ramos de Azevedo. O processo será concluído até o final deste mês, e os poços deverão estar em pleno funcionamento até dezembro. A estrutura do P3, originalmente destinada a fornecer água ao Hospital Universitário (HU), teve sua tubulação redirecionada ao prédio da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ). "Água de hospital é uma água muito crítica", lembra o engenheiro.
A recuperação de cada poço, até a fase de outorga, custou cerca de R$ 30 mil. O valor do tratamento, no momento, é imprevisível, já que dependerá das substâncias detectadas na análise.
Ponto de equilíbrio
Antes de começar a extração são necessários testes de vazão. Ou seja, descobrir quanta água pode ser retirada do poço a cada segundo conforme sua capacidade natural de repor essa quantidade. Imagine que o poço seja uma piscina com dois metros de profundidade. Há duas mangueiras, uma tira água da piscina, a outra a abastece novamente. Se as duas trabalharem no mesmo ritmo, a profundidade de dois metros se manterá: a mesma quantidade de água que sai, entra. O poço é capaz de se reabastecer conforme tiramos água, mas é necessário saber exatamente quanta água podemos tirar para que o nível não caia. Isso, além de forçar a reserva natural, acabaria queimando a bomba. Na prática, para descobrir esse valor, água deve jorrar do poço por 24 horas, enquanto ajustes são feitos até que o nível se estabilize.
No dia a dia, porém, o poço não pode ser explorado em tempo integral: "O DAEE não deixa trabalhar 24 horas. Só pode tirar, por dia, 20 horas", explica José. A margem de segurança é um desafio a mais no fornecimento, já que será muito difícil, mesmo com o HU excluído da conta, reduzir a zero o consumo de água da Sabesp e adotar exclusivamente os poços.
Em uma conta de água normal, o valor consumido é multiplicado por dois: pagamos pelo líquido usado e pelo esgoto despejado na rede. Com os poços, a água será oriunda da própria USP, e só a rede de esgoto será utilizada. Isso significa que a universidade passará a pagar metade da conta para a Sabesp. O volume extraído do solo do campus é medido no único trecho de superfície da estrutura dos poços, onde se vê dois canos e um hidrômetro.
Campus Sustentável
O JC acompanhou, em dezembro de 2014, a implantação do projeto "Gestão Territorial das Águas" como parte do programa "Campus Sustentável". A iniciativa de ensino, pesquisa e extensão buscava racionalizar o manejo das águas e a integração da USP com a cidade no auge da visibilidade midiática da crise hídrica no estado de São Paulo. Os estudos do programa, que deverão durar até 2018, pretendem discutir a disponibilidade e prioridade da distribuição da água em situações de escassez de maneira eficiente.
Embora a falta de água tenha servido de estímulo para atitudes mais contundentes, entre elas a reativação dos poços, a preocupação acadêmica é mais antiga do que se imagina. O mestrado de Mara Akie Iritani, terminado em 1993, já havia mapeado todas as características das reservas de água da USP. "O objetivo do trabalho foi caracterizar o comportamento da água subterrânea avaliando o potencial produtivo do aquífero sedimentar como reserva estratégica para a cidade universitária", informa a introdução da tese. O mestrado está sendo usado de referência para o atual trabalho nos poços.
São Paulo paga, hoje, o preço de anos de falta de planejamento na administração de suas águas. Com a iniciativa, a USP dá um passo primordial em direção à sustentabilidade e à aplicação do conhecimento produzido em suas pesquisas em seu próprio benefício. "O tratamento não é muito barato. Mas, vamos ter água, não é?", resumiu José Eduardo Sonnewend, ao final da entrevista. Que a maior instituição de pesquisa e ensino do Brasil continue dando o exemplo.
No final dos anos 80, com os reservatórios cheios, o projeto havia sido abandonado. "Fizeram as primeiras análises, mas os poços não foram colocados em funcionamento", conta o engenheiro José Eduardo Sonnewend da Prefeitura do Campus USP da Capital (PUSP-C), responsável pelo projeto de reativação das fontes alternativas de água. A recuperação envolve a adequação a novos parâmetros técnicos, incontáveis medições e testes e um pouco de burocracia.
Reativação
A legislação atual impõe restrições à ativação e operação de peços que não existiam na época de sua perfuração. Além da revisão das bombas submersas e da tubulação, são feitos detalhados estudos de qualidade da água para definição dos tratamentos necessários para torná-la potável.
Também é necessária a outorga de cada um dos poços junto ao Dep. de Águas e Energia Elétrica (DAEE), órgão estadual responsável pela gestão de recursos hídricos. Através da outorga é concedido à universidade, por cinco anos, o direito de utilização das reservas subterrâneas. A fiscalização pela DAEE é constante.
"Há várias normas. Deve haver uma laje de proteção, um hidrômetro, tem que fazer a medição dos parâmetros todo mês", explica José. "Quando eles foram feitos não existia esse processo obrigatório. A USP podia usar, acabou não usando, e eles ficaram parados".
Dos cinco poços construídos originalmente, três já estão em fase de outorga: um na Portaria 3, um na Raia Olímpica e outro na Praça Ramos de Azevedo. O processo será concluído até o final deste mês, e os poços deverão estar em pleno funcionamento até dezembro. A estrutura do P3, originalmente destinada a fornecer água ao Hospital Universitário (HU), teve sua tubulação redirecionada ao prédio da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ). "Água de hospital é uma água muito crítica", lembra o engenheiro.
A recuperação de cada poço, até a fase de outorga, custou cerca de R$ 30 mil. O valor do tratamento, no momento, é imprevisível, já que dependerá das substâncias detectadas na análise.
Ponto de equilíbrio
Antes de começar a extração são necessários testes de vazão. Ou seja, descobrir quanta água pode ser retirada do poço a cada segundo conforme sua capacidade natural de repor essa quantidade. Imagine que o poço seja uma piscina com dois metros de profundidade. Há duas mangueiras, uma tira água da piscina, a outra a abastece novamente. Se as duas trabalharem no mesmo ritmo, a profundidade de dois metros se manterá: a mesma quantidade de água que sai, entra. O poço é capaz de se reabastecer conforme tiramos água, mas é necessário saber exatamente quanta água podemos tirar para que o nível não caia. Isso, além de forçar a reserva natural, acabaria queimando a bomba. Na prática, para descobrir esse valor, água deve jorrar do poço por 24 horas, enquanto ajustes são feitos até que o nível se estabilize.
No dia a dia, porém, o poço não pode ser explorado em tempo integral: "O DAEE não deixa trabalhar 24 horas. Só pode tirar, por dia, 20 horas", explica José. A margem de segurança é um desafio a mais no fornecimento, já que será muito difícil, mesmo com o HU excluído da conta, reduzir a zero o consumo de água da Sabesp e adotar exclusivamente os poços.
Em uma conta de água normal, o valor consumido é multiplicado por dois: pagamos pelo líquido usado e pelo esgoto despejado na rede. Com os poços, a água será oriunda da própria USP, e só a rede de esgoto será utilizada. Isso significa que a universidade passará a pagar metade da conta para a Sabesp. O volume extraído do solo do campus é medido no único trecho de superfície da estrutura dos poços, onde se vê dois canos e um hidrômetro.
Campus Sustentável
O JC acompanhou, em dezembro de 2014, a implantação do projeto "Gestão Territorial das Águas" como parte do programa "Campus Sustentável". A iniciativa de ensino, pesquisa e extensão buscava racionalizar o manejo das águas e a integração da USP com a cidade no auge da visibilidade midiática da crise hídrica no estado de São Paulo. Os estudos do programa, que deverão durar até 2018, pretendem discutir a disponibilidade e prioridade da distribuição da água em situações de escassez de maneira eficiente.
Embora a falta de água tenha servido de estímulo para atitudes mais contundentes, entre elas a reativação dos poços, a preocupação acadêmica é mais antiga do que se imagina. O mestrado de Mara Akie Iritani, terminado em 1993, já havia mapeado todas as características das reservas de água da USP. "O objetivo do trabalho foi caracterizar o comportamento da água subterrânea avaliando o potencial produtivo do aquífero sedimentar como reserva estratégica para a cidade universitária", informa a introdução da tese. O mestrado está sendo usado de referência para o atual trabalho nos poços.
São Paulo paga, hoje, o preço de anos de falta de planejamento na administração de suas águas. Com a iniciativa, a USP dá um passo primordial em direção à sustentabilidade e à aplicação do conhecimento produzido em suas pesquisas em seu próprio benefício. "O tratamento não é muito barato. Mas, vamos ter água, não é?", resumiu José Eduardo Sonnewend, ao final da entrevista. Que a maior instituição de pesquisa e ensino do Brasil continue dando o exemplo.
(texto publicado no Jornal do Campus nº 446 - ano 33 - segunda quinzena de setembro de 2015)
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