domingo, 4 de dezembro de 2016

Luto virtual - Mariana Rosário


Paulistanos usam o Facebook e uma nova rede social para criar perfis e postar mensagens em homenagem a parentes mortos

Há dez anos, o empresário Roberto Dhelomme sofreu a dor de perder um primo, o artista plástico Eduardo, que cometeu suicídio depois de descobrir que tinha câncer. "Foi um grande sujeito, daqueles que mereciam ter a história de sua vida contada em um livro ou até mesmo em um filme", afirma. Dhelomme ficou com essa ideia na cabeça e, em junho passado, decidiu criar um serviço on-line de homenagens póstumas. Batizado de Etternum, a rede social tem estrutura parecida com a do Facebook. O usuário cria uma conta, inclui os dados da pessoa falecida e libera o acesso a convidados. Esse grupo pode postar até cinquenta fotos, vídeos e textos, que ficam disponíveis em uma linha do tempo após a liberação do administrador. Quando se ultrapassa essa quantidade, é preciso contratar planos a partir de 14,90 reais. Nos dois primeiros meses, o negócio acumulou cerca de 100 perfis. Um dos clientes é o relações-públicas André Nascimento, responsável pela criação do espaço no qual ele e outros parentes compartilham imagens e recordações de uma tia morta há quatro anos. "Foi a maneira que a família encontrou de relembrar as coisas boas que vivemos com ela, sem nos expormos publicamente", explica.

A iniciativa surge no momento em que muitos paulistanos já utilizam o Facebook para manter viva a memória de quem já partiu. Em alguns casos, o perfil dos mortos torna-se um tipo de santuário, no qual parentes continuam postando mensagens, fotos e lembranças por um longo tempo. A própria rede social oferece um recurso para isso. Desde 2015, um parente pode solicitar a mudança da página para a versão "memorial", que bloqueia o acesso a novos contatos, mas preserva o conteúdo do usuário original e permite que os amigos continuem escrevendo mensagens. Além disso, o aviso "em memória de " é adicionado acima do nome da pessoa.

A alternativa é simplesmente excluir a conta, acessando essa opção na área de configurações. Boa parte dos parentes, no entanto, prefere não mudar nada. "Quero deixar do jeito que ela usava", conta a estudante universitária Yasmin Rodrigues. Ela visita toda semana a página da mãe, Marli Rodrigues de Souza, que sofreu um infarto fulminante em fevereiro. No perfil da mãe, Yasmin insere fotos tiradas em cenas corriqueiras do dia a dia, vídeos de viagens e até mensagens de datas especiais. Sua irmã Anahí marcou a mãe na foto de uma tatuagem que fez para homenageá-la.

Outros até decidem ingressar no Facebook como forma de superar o drama familiar. "Depois que ela se foi, percebi que essa seria a melhor maneira de ficar mais próxima das recordações", diz a administradora Vera Lucia Simões Meletti, que criou uma conta logo depois de perder a filha, Denise, para o câncer, em 2015, aos 33 anos. Ela publica fotos antigas e mensagens como "saudades", além de comentar as postagens de amigas da garota. Há também quem crie páginas especiais, como a Via Anariá, em tributo à socióloga Anariá Recchia, atropelada por um motorista embriagado em Pinheiros em maio. No espaço em questão, amigos compartilham recordações e até marcam passeata, como a que ocorreu em julho no mesmo local do acidente. "Essa iniciativa foi um presente, pois percebi como minha filha era querida", conta a mãe, Sônia Calidone. Psicólogos e especialistas veem com bons olhos as homenagens virtuais, mas alertam para os riscos do exagero. "Caso isso se mantenha por muitos anos, é melhor procurar ajuda", afirma o analista comportamental Victor Mangabeira. "O luto tem etapas, mas não pode se prolongar indefinidamente."




(texto publicado na revista Veja São Paulo de 7 de setembro de 2016)

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