terça-feira, 15 de setembro de 2015

Pé no pedal - Felipe Mortara, colaboração de Bruna Toni


Chovia bastante no fim de julho, enquanto o grupo de 30 ciclistas pedalava em fila indiana pelo acostamento da Rodovia dos Imigrantes no sentido do litoral. Após um curto trecho na movimentada via, adentramos a estrada de manutenção da concessionária, fechada ao fluxo de carros. Daquele ponto em diante, nem o mau tempo foi inimigo. O verde da Mata Atlântica parecia pulsar a cada gota, e o vento frio e úmido era aplacado pela adrenalina. Ao cabo dos 18 quilômetros de descidas, eis o saldo: 30 ciclistas encharcados, mas com sorrisos autênticos, de dar inveja em quem ficou dormindo em casa. 

O passeio termina com uma visita guiada e uma degustação preparada por um barista no Museu do Café, em Santos. Fique tranquilo: após a descida na reservada estrada, o traslado até o litoral e o retorno à capital são feitos de ônibus. Criado pela Pediverde Cicloturismo (pediverde.com.br), o pacote Santos de Bike custa R$ 245 (a próxima saída será dia 19) e é um exemplo das opções que ciclistas não tão experientes têm para se ambientar a pedaladas mais longas.

Com cada vez mais ciclovias em cidades grandes - São Paulo, por exemplo, já ultrapassou os 320 quilômetros de faixas permanentes -, há uma demanda crescente por desafios e horizontes mais amplos a serem descobertos numa magrela. "O cicloturismo é o passo seguinte de familiarização com a bike. A bicicleta causa isso nas pessoas, leva a buscar algo a mais. Uma hora a cidade fica pequena", diz o diretor da Pediverde Cicloturismo, Gustavo Angimahtz.

Mas não é todo mundo que encara despreocupadamente as estradas. "As principais dúvidas são as clássicas 'será que eu aguento?' e 'tem muita subida?'. E apesar de cada um ter sua capacidade física individual, isso é uma questão da determinação de cada um. Se você estiver disposto àquilo, você vai fazer."

O grande público do cicloturismo ainda está nos iniciantes, que descobriram a bicicleta há pouco tempo. "Em viagens com apoio e eventos de cicloturismo, sempre vejo uma grande quantidade de pessoas interessadas, que estão ali pela primeira vez. Isso está mudando, quem viaja uma vez sempre quer repetir e acaba trazendo amigos e família", afirma Jonatha Jünge, diretor da operadora Caminhos do Sertão.

Rotas

A cena do cicloturismo no Brasil está em desenvolvimento. Para Guilherme Padilha, diretor da agência Auroraeco e presidente da Brazilian Luxury Travel Association (BLTA), a demanda por esse tipo de experiência é cada vez maior, seja com a ajuda da operadora ou de forma independente, mas os desafios ainda são muitos. "A estrutura para esse tipo de viagem caminha em um ritmo bem mais lento, são poucas as regiões que alinham boas condições de estrada e trilhas, atrativos culturais, naturais e estrutura hoteleira", diz Padilha.

Mesmo que nossa infraestrutura ainda tenha muito o que evoluir, os brasileiros estão pedalando mais - ainda que não haja números oficiais. "Há aproximadamente 10 anos, a procura mais do que dobro a cada ano. Surgem novas operadoras, novas pessoas interessadas, novas marcas de bicicleta, novos circuitos", conta Adriana Krochne, da Bike Expedition.

Desde 2001, os 15 voluntários da ONG Clube de Cicloturismo oferecem, entre outros serviços, assessoria gratuita para iniciantes. Avaliam o nível do calouro, a viagem pretendida e o colocam em contato com uma rede de 2 mil participantes de sua lista de discussão. "Fazer independente é uma experiência diferente. Muita gente começa com pacotes de operadora e depois aprende a ir sozinho", explica Eliana Britto Garcia, diretora do Clube do Cicluturismo.

Com boas estradas pavimentadas, hospedagem caprichada e uma mentalidade mais aberta aos ciclistas, dois destinos brasileiros investiram mais no turismo sobre duas rodas nos últimos anos: o Vale Europeu, em Santa Catarina, e o Vale dos Vinhedos, na região de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. "Nessas áreas os motoristas já estão mais acostumados aos ciclistas nas estradas. E, mesmo que tenhamos alguma deficiência técnica, a parte colonial e a natureza são enormes", acredita o diretor de mercado nacional da Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura (Abeta), Lenauro Mendonça.

Por outro lado, a natureza ainda é nosso maior patrimônio cicloturístico. Cresce a procura - de brasileiras e estrangeiros - por pedaladas em áreas de preservanção, como Chapada Diamantina, Chapada dos Veadeiros, Serra da Mantiqueira e Estrada Real, de Minas Gerais ao litoral fluminense.

Os brasileiros ainda almejam a vivência das cicloviagens no exterior, especialmente nas estradas europeias, onde a cultura ciclística é mais institucionalizada. Toscana e Provence são as regiões favoritas, mas as planícies holandesas e as costas escarpadas da Croácia não ficam atrás. Brasil e América do Sul, contudo, têm destinos singulares e roteiros bem montados. Selecionamos pacotes de operadoras especializadas, separados por região e nível de dificuldade. A maioria inclui bicicletas (quando não for o caso, será especificado). Escolha o destino e a rota que mais se encaixa em seu preparo e coloque os pés no pedal.

Check-list

1 Comece devagar

Antes de se encarar um roteiro longo, treine. Em São Paulo, as ciclofaixas de lazer, aos domingos, ajudam a ganhar ritmo e contam com mecânicos gratuitos. Aos poucos, aumente o ritmo e a distâncias dos percursos. Grupos como o Clube de Cicloturismo (clubedecicloturismo.com.br) e Bike Anjo ((bikeanjo.org) oferecem consultoria para iniciantes.

2 Primeiras viagens

Busque passeios guiados próximos à sua cidade. Nos arredores de São Paulo, agências como Pediverde e Sampa Bikers oferecem roteiros curtos, com  transfer de ônibus e carros de apoio, além de instrutores especializados. Na página Loop Bikes (loopbikes.com.br) é possível encontrar passeios de bicicleta para iniciantes em várias partes do País. Normalmente iniciantes encaram percursos de 30 a 50 quilômetros.

3 Equipamentos

Há vários tipos de bicicleta no mercado - escolha a que mais combina com você. Bicicletas dobráveis são ótimas para a cidade, mas não devem ser usadas para pegar a estrada. Capacete e óculos são fundamentais, e luvas poupam as mãos de calos e escorregões. Para distâncias longas, considere bermudas forradas - ou selim com silicone. Use roupas leves e que não prendam os movimentos.

4 Transporte

Nos ônibus rodoviários, são permitidos até 30 quilos de bagagem, com volume até 300 decímetros cúbicos. Ou seja, você pode levar a bicicleta, mas dependendo da empresa (e do motorista), será preciso retirar os pneus. No caso das aéreas, cheque com a companhia - a Gol, por exemplo, cobra pelo transporte, a TAM, não. Há regras específicas para embalar a magrela, mas é sempre preciso retirar os pedais e esvaziar os pneus.

5 Revisão

Está preparado? Antes de ganhar a estrada, leve a bicicleta para um check-up. Em boa parte dos tours guiados você contará com algum suporte mecânico - o que não o impede de levar um kit próprio, com itens básicos como câmara de ar, remendos para o pneu e cola, uma bomba de ar e ferramentas básicas. Peça para o bicicleteiro instalar uma fita antifuro entre o pneu e a câmara de ar.

6 Saúde é o que interessa

Alongar-se é fundamental antes de ganhar a estrada. Procure um ritmo de pedalada confortável, no qual não se esforce demais. Não esqueça de se hidratar - deixe a caraminhola sempre cheia ou invista num Camel Back (mochila de hidratação). Não leve peso nas costas: isso pode tirar a estabilidade do ciclista. Protetor solar é importante, assim como o seguro-viagem nos roteiros internacionais.




(texto publicado no jornal O Estado de São Paulo de 8 de setembro de 2015)

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