quarta-feira, 24 de junho de 2015

A escola Vilanova Artigas - Sylvia Miguel


Obra de um dos maiores arquitetos brasileiros do século 20 - autor do premiado prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP - é discutida em seminário que comemorou o seu centenário

As fortes divergências nas interpretações da obra do arquiteto João Batista Vilanova Artigas (1915-1685), um dos fundadores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, marcaram os debates do seminário As Virtualidades do Morar: Artigas e a Metrópole, realizado no dia 2 de junho no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP.

Organizado pelos professores Leandro Medrano e Luiz Recamán, ambos da FAU, o evento prestou homenagem ao centenário de nascimento de Artigas. O engenheiro arquiteto, que se formou pela Escola Politécnica quando ainda não havia escola de arquitetura na USP, foi responsável pelo projeto do prédio inaugurado em 1969 que hoje abriga a FAU.

"Artigas era um crítico social e um intelectual de extrema radicalidade. O seminário conseguiu levantar uma discussão acadêmica variada e muito crítica que faz jus ao pensamento inovador de Artigas. Acredito que foi a primeira vez que se discutiu sua obra de maneira tão diversa e ao mesmo tempo dando conta da sua complexidade", disse Recamán ao Jornal da USP. Segundo ele, o resultado dos debates será reunido em livros ser publicado até o final deste ano.

Sociabilidade

lntelectual engajado e ocupado com a forma política dos militantes do Partido Comunista do Brasil (PCB) na década de 1950, Artigas tem sido, para muitos, um dos mais importantes representantes da moderna arquitetura brasileira, particularmente quando trabalha as relações e projeções de cidade em sua obra. Ao privilegiar, entre outras coisas, os espaços internos de uso coletivo, por exemplo, em residências e escolas, a organização espacial de suas obras simboliza um estilo de vida que prioriza a sociabilidade. "Suas obras representam 'protótipos' de uma nova célula urbana ou de uma sociabilidade que deveria estender-se do edifício à cidade", nas palavras do professor Miguel Buzzar, do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP, em São Carlos.

Segundo Buzzar, ressaltar os espaços coletivos internos em detrimento do privado e do individualizado indicaria uma maneira de "gerar a forma urbana" ou de formar cidadãos engajados no projeto de desenvolvimento social. A transformação social - premissa do desenvolvimentismo, teoria econômica que ocupou a intelectualidade da década de 1940 a meados de 1970 - era também uma preocupação de Artigas. Portanto, o arquiteto propõe uma forma de construir a cidade através da arquitetura, segundo Buzzar.

Por outro lado, é justamente quando seus desenhos se voltam ao espaço coletivo interno que sua arquitetura é vista como um problema ao desenvolvimento urbano. Na "caixa de concreto", como é chamado o famoso prédio da FAU - considerado referência e paradigma da arquitetura de Artigas - , as grandes janelas em tiras, envidraçadas, permitem enxergar de fora quem está dentro do prédio. Entretanto, "quem está dentro consegue visualizá-lo internamente e interagir bem no edifício, mas não vê bem o que está fora do prédio", observa o professor Recamán.

Sendo assim, a "caixa" privilegiaria o espaço coletivo interno. "O desenvolvimento de comunidades fechadas é uma forma de criar guetos e isso foi muito criticado por arquitetos modernos porque contraria o desenvolvimento urbano. É uma negação à cidade. As obras de Artigas são ambíguas nessa questão. Para alguns, os espaços coletivos internos são uma forma de dialogar com a cidade, mas também uma forma de negá-la. A ideia de comunidade é uma segregação em relação à cidade, o oposto da urbanidade", avaliou Recamán.

Segundo o professor Buzzar, a Casa Rio Branco Paranhos, localizada no bairro do Pacaembu, em São Paulo, denota na linguagem moderna uma relação direta com a obra do arquiteto norte-americano Frank Lloyd Wright. Já o edificado Louveira, no bairro de Higienópolis, remete a uma condição de unidade habitacional plurifamiliar. Na Casa Taques Bittencourt, de 1959, a arquitetura de Artigas, tal qual a conhecemos, definia-se. Suas empenas em concreto registram a "impressão digital das tábuas". O concreto revela a heterogeneidade do trabalho no canteiro de obras, deixando aparente a sua brutalidade rugosa e densa. Essa obra marca acentuadamente o brutalismo como estilo arquitetônico de Artigas, segundo Buzzar.

Crises

Na segunda metade da década de 1940, as obras de Artigas iniciam uma interlocução com Le Corbusier, codinome profissional de Charles Edouard Jeanneret-Gris (1887-1965), considerado pela historiografia um ícone da arquitetura moderna. Le Corbusier foi uma das figuras mais importantes para a chamada "escola carioca", que contava com expoentes como os arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.

Porém, se Artigas dialoga na prática profissional com o Modernismo, o seu partido, por sua vez, critica esse movimento cultural. O Abstracionismo seria um elemento de alienação para a cartilha do comunismo vigente. A aparente contradição levou Artigas a uma crise, que ele expressou nos artigos "Le Corbusier e o imperialismo" e "Caminhos da arquitetura moderna" e também no projeto da Casa Olga Baeta, no Butantã, em São Paulo.

Após essas e outras obras decisivas na formação da chamada "escola paulista", Artigas ainda conheceria outro momento de crise, expresso na Casa Elza Berquó (1967), em que acentua aspectos arcaicos num período em que o desenvolvimentismo e a democracia sofrem um retrocesso com o golpe militar de 1964. Mas a sua crença no desenvolvimentismo e no papel da arquitetura volta à tona com o Conjunto Habitacional da Cecap, em Guarulhos (SP).

Diversas escolas, clubes e espaços públicos e de serviços levam a assinatura do mestre - entre eles, o estádio do Morumbi, em São Paulo. Fora as diferenças interpretativas e as concepções ligadas à modernidade de sua obra, o arquiteto representou um denominador comum para gerações de arquitetos. Suas ideias fazem escola até hoje, lembra Recamán.

Ele criou soluções inovadoras que estão estreitamente ligadas ao seu próprio universo cultural. Criou à sua maneira um tipo de espaço interno que potencializa as relações e nesse sentido ele foi paradigmático. Por isso é que formou escola e suas soluções são utilizadas até hoje. Mas as soluções que ele pensou, voltadas aos problemas das décadas de 1950 e 1960, têm um sentido histórico e não deveriam ser adotadas como programático. Ou seja, para os problemas atuais, devemos buscar novas soluções", afirma Recamán.

Para Recamán, as evidentes influências que Artigas exerce até hoje na produção arquitetônica nacional precisam de uma reflexão crítica que dê mais atenção às circunstâncias sociais que permitem a inovação. Caso contrário, "corremos o risco de promover um anacronismo estético que Artigas certamente repudiaria", diz o professor.

Com abertura do diretor do MAC, Hugo Massaki Segawa, o seminário no MAC contou com a participação da professora Ruth Verde Zein, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do professor Guilherme Wisnik, da FAU, e do professor João Masao Kamita, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), além do professor Miguel Buzzar, do IAU, e das professoras Anna Lana e Monica Junqueira, ambas da FAU, convidadas como debatedoras.




(texto publicado no Jornal da USP nº 1068 - ano XXXI - 15 a 21 de junho de 2015)








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