sexta-feira, 12 de junho de 2015

Coração preservado - Carolina Melo


Menos invasivo, um novo procedimento é a esperança para os portadores de insuficiência mitral degenerativa, um dos problemas cardíacos mais comuns entre pessoas idosas

A insuficiência mitral degenerativa é um daqueles males típicos do envelhecimento. Cerca de 5% das pessoas com 60 anos ou mais apresentam o distúrbio - aos 55 anos, a incidência gira em torno de 1%. Com o aumento da expectativa de vida, a previsão é que, em duas décadas, o número de doentes quadruplique, o que representará cerca de 4,5 milhões de pessoas apenas no Brasil. Deixada a seu curso, a doença pode evoluir da falta de ar e cansaço à morte por insuficiência cardíaca ou edema agudo de pulmão. Até recentemente, o tratamento mais eficaz, a cirurgia de peito, era indicado apenas para os casos mais simples. Em decorrência da idade avançada ou de outros problemas de saúde, boa parte dos pacientes era tratada com medicamentos paliativos ou encaminhada para transplante cardíaco. A boa notícia para esses doentes é que um procedimento menos invasivo, que dispensa o bisturi, começou a ser realizado recentemente no Brasil. Diz o cardiologista Alexandre Abizaid, do Instituto Dante Pazzanese, em São Paulo: "O novo método é definitivamente mais seguro, além de reduzir o período de internação do paciente".

O coração possui quatro válvulas, responsáveis por manter o fluxo sanguíneo correndo na mesma direção. A mitral é a que faz com que o sangue que vem oxigenado dos pulmões siga rumo ao ventrículo esquerdo e seja distribuído ao resto do organismo pela artéria aorta. Com o coração no ritmo de oitenta batimentos por minuto circulam pelo organismo 5 litros de sangue, em média. A cada contração, passam pela válvula mitral cerca de 50 mililitros de sangue. Quando ela não funciona a contento, parte desse volume não segue a rota prevista. Com isso, o coração se dilata e começa a trabalhar com dificuldade. A insuficiência mitral degenerativa pode surgir de um defeito na própria válvula. Na maioria dos casos, e em geral os mais sérios, o problema decorre, no entanto, de outras doenças cardíacas que levam ao aumento no tamanho do coração. Sem o tratamento adequado, a taxa de mortalidade é de 20% em um ano e de 50% em cinco anos. "As pessoas mostraram que, em dois terços dos pacientes portadores de distúrbio cardíaco prévio, o novo procedimento contribui também para o controle da doença original", diz o cardiologista Pedro Lemos, do Instituto do Coração (InCor), centro de referência para a pesquisa e o tratamento de afecções cardíacas e um dos primeiros a oferecer a técnica no Brasil. "Com isso, entra-se em um círculo virtuoso, no qual o controle de uma condição melhora a outra." Os especialistas também comemoram. "Mesmo entre os portadores de problemas mais graves, que precisam de um transplante, a novidade pode melhorar a qualidade de vida do doente e lhe dar mais  tempo de espera na fila", diz Marco Antonio Perin, cardiologista intervencionista do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, o pioneiro do desenvolvimento no país.

Desenvolvida pelo laboratório Abbott e batizada de MitraClip, a nova técnica para o tratamento da insuficiência mitral degenerativa é feita por intermédio de um cateter que, inserido na virilha direita, chega até o coração pela veia femoral. O artefato leva na ponta um tipo de clipe que é colocado na válvula mitral de modo a diminuir seu afrouxamento e, assim, restaurar o fluxo sanguíneo do coração para o resto do organismo. Confeccionado com cobalto-cromo, o mesmo material dos stents cardíacos, o clipe é revestido de poliéster, para facilitar o crescimento do tecido a seu redor.

A intervenção com o clipe é oferecida, desde 2008 na Europa e há dois anos nos Estados Unidos. Até hoje, 20 000 pessoas já foram submetidas ao tratamento. De cada 100 pacientes, 93 apresentaram melhoras na qualidade de vida. Diz o cardiologista Roberto Kalil, diretor clínico do InCor: "A nova técnica é, sem dúvida, uma conquista para aqueles pacientes que não suportariam uma cirurgia de grande porte".



(texto publicado na revista Veja edição 2418 - ano 48 - nº 12 - 25 de março de 2015)

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