sexta-feira, 4 de setembro de 2015

A grande massa italiana - Luigi Tartari


A extraordinária criatividade dos italianos atinge um de seus pontos mais expressivos na infinidade de pratos obtidos a partir da simplíssima mistura de água e farinha, eventualmente de ovos. Porque essas são, em síntese, as bases da massa. Ou da pasta, como se diz na Itália, o país que mais longe e mais alto levou o culto a esse alimento de ricos e pobres, que encanta nos banquetes festivos ou dá o sustento de cada dia. Uma pessoa pode comer massa a vida inteira sem se cansar, porque existe uma infinidade de formatos de massa e porque existe uma infinidade de molhos. Talvez por isso a pasta seja hoje o prato mais difundido e popular do mundo, poucos milímetros acima da também italiana pizza. Quanto aos seus tipos, conhecem-se dois: a massa fresca, feita na hora ou conservada semipronta, e a massa seca, industrializada. Ouve-se, com muita frequência, que a massa fresca e caseira é mais autêntica. Isso pode ter sido verdadeiro em passado remoto, mas o certo é que hoje a indústria produz uma massa seca extraordinária, de qualidade, textura e sabor inigualáveis.

Feita essa divisão entre fresca e seca, entramos no capítulo sem fim dos subtipos de massa. Sim, é de fato interminável a lista que se compõe de finos e grossos, compridos e curtos, retos e sinuosos, arredondados e achatados, em formato de conchinha, de borboleta, de anel, de tubo, de pena, de roda, de orelha, de caracol, de meia-lua, de cilindro - e assim por diante, ad infinitum... Por que tanta variedade de formas? Por duas razões principais. A primeira (até na cronologia) vem da necessidade de dar aparência nova à comida de todo dia. Quando nos sentamos à mesa para comer, nosso primeiro impulso é o de olhar a comida. Se vemos sempre a mesma cena, o apetite diminui. A diversificação das formas de pasta, portanto, tem esse objetivo inicial de quebrar a monotonia, agradar aos olhos. Mas a segunda razão talvez seja o paladar e o aroma. Aqui talvez seja melhor mudar de parágrafo, já que vamos entrar no delicioso território dos molhos.

Cada tipo de massa tem os seus molhos apropriados. Ou, dizendo de outro modo, alguns molhos combinam melhor com certos tipos de massa. Assim, as massas mais compridas vão melhor com os molhos mais simples, enquanto os tipos cortados em pedaços menores são mais indicados para sopas e caldos, os "canudos" menores combinam com molhos à base de óleo de oliva. O certo é que não se pode considerar a massa isoladamente. Ela só se completa quando acompanhada de seu molho. Pode-se mesmo afirmar que a pasta só adquire personalidade a partir do momento em que tem o molho que lhe dá nome. Quem possui o mínimo de convivência com a cozinha italiana sabe que o molho não tem segredo nenhum - e tem todos os segredos, ao mesmo tempo. É extremamente delicado preparar um bom molho, acertar o ponto de cozimento, administrar a química da combinação perfeita de seus ingredientes.

Mas é também extremamente simples preparar um molho porque, a rigor, podemos utilizar tudo o que esteja ao alcance de nossa vista na cozinha. Contanto, é claro, que respeitemos o equilíbrio entre os ingredientes. Digamos que a pessoa chega em casa com vontade de comer uma boa massa e, por um desses infortúnios da vida, só encontra um limão, um resto de maço de cheiro verde e o vidro com um final de óleo de oliva. Dá para fazer um molho só com esses ingredientes? Claro que dá. Basta espremer o limão, misturar com o cheiro verde e o óleo de oliva - e temos um molho honesto e saboroso. Umas poucas folhas de manjericão fresco produzem maravilhas, nesse capítulo dos molhos. Pimentão, abobrinha, erva-doce, brócolis, todos os legumes e verduras, enfim, podem ser utilizados no preparo de acompanhamentos para os diferentes tipos de pasta. Vale o mesmo para os queijos em geral, todos eles muito úteis na elaboração dos molhos. Também funcionam magnificamente os peixes e os frutos do mar, as carnes e seus caldos. Difícil, na verdade, é dizer o que não rende bom molho.

Como em tudo na cozinha (e na vida), também o preparo da pasta e sua combinação com os molhos dependem de humildade, espírito observador e experiência. Temos que estar sempre dispostos a aprender que a massa seca do tipo fino e comprido é a que melhor absorve, sem amolecer, o molho de frutos do mar. Já a pasta tubular tem o formato mais adequado para envolver os pequenos pedaços de carne ou de legumes. Os molhos de elaboração mais delicada, à base de creme e manteiga, pedem massas frescas do tipo achatado e comprido. Conhecimentos assim não se adquirem de uma hora para outra. Nem são exclusividade dos grandes chefs. Muitas vezes é aquela receita familiar, passada de geração para geração é criada pelas características da própria região em que surgiu. Porque a massa, além de servir pobres e ricos em festas ou no dia-a-dia, tem também esse poder de adaptação às circunstâncias. Exige apenas farinha, água, eventualmente ovos e, acima de tudo, criatividade. 



(texto publicado na revista Gula nº 43 - maio de 1996)

Nenhum comentário:

Postar um comentário