sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Sedução universal - J. A. Dias Lopes


Adorado no mundo inteiro, o chocolate enriquece as receitas de vários bolos e tortas nacionais

A forasteira desembarca na década de 50 numa cidadezinha conservadora do interior da França e abre diante da igreja, durante a penitência da Quaresma, uma loja de chocolates. Sem querer, ganha como inimigo o prefeito da cidade - e os dois ficam o tempo todo brigando. Religioso e moralista, ele reprova as convicções e o comportamento daquela mulher. Além de ateia e mãe solteira, seduz os moradores locais com bombons tentadores, bolos e tortas de chocolate que transformam a vida monótona daquela gente, enfeitiçando paladares e liberando sentidos. Homens indiferentes voltam a se interessar por suas mulheres; idosos tornam a se apaixonar, como se fossem adolescentes. A forasteira tem o chocolate apropriado para cada caso. Esse é o enredo do filme Chocolate, do diretor sueco Lasse Hallströn, rodado em 2000. Explorando os poderes da especialidade usada como título, ela aproveita para discutir moral e intolerância.

O chocolate começou a seduzir a humanidade séculos antes do filme de Lasse Hallströn. O conquistador espanhol Hernán Cortés o conheceu no México, no século XVI, na corte do imperador asteca Montezuma II, e o levou para a Europa. Todo mundo sabe o que aconteceu depois. A sedução do chocolate não parou aí. Em quase todos os países, pâtissiers conhecidos ou confeiteiros amadores, muitas vezes anônimos, desenvolveram com ele um bolo ou uma torta nacional, que caiu no gosto da população.

A Áustria tem a sachertorte. Foi criada para um banquete oferecido em 1832, pelo príncipe Klemens Wenzel Lorhar Metternich, artífice da Santa Aliança, a organização multinacional instalada para impedir qualquer revolta nacionalista e liberal na Europa. O autor da sachertorte era um jovem pâtissier, na época com apenas 17 anos. Chamava-se Franz Sacher. A torta da França é a opéra, cuja origem provoca controvérsias. A versão mais aceita atribui sua invenção ao confeiteiro Louis Clichy, em 1903. Os recheios originais de ganache de chocolate e o levíssimo creme de manteiga de café encantaram os consumidores. Mas sua popularização aconteceu por obra da Maison Dalloyau, na capital francesa, que a difundiu escrevendo no alto do doce a palavra opera. Com isso, associava-o à Opera de Paris e homenageava a arte.

Na Alemanha, há o bolo floresta negra, surgido na primeira metade do século XX, na região homônima. O nome de nascimento é schwarzwälder kirschtorte. Convém explicá-lo. Schwartz significa negra; wälder, floresta; kirsch se refere à utilização do famoso brandy de cereja; torte é a designação alemã para bolo. Já os italianos inventaram o tiramisù, lançado na década de 60 pelo restaurante Da Alfredo, em Treviso, no Vêneto, pertencente ao Grupo Toulà, dos restaurateurs Alfredo Beltrame e Arturo Filippini. Mas a dupla jamais reivindicou a paternidade da receita. Ao contrário, sempre a atribuiu a um bordel existente no Vêneto após a Segunda Guerra Mundial. "A anfitriã recebia os clientes com um doce que seria batizado de tiramisù", contou Beltrame. "Quando entregava a cortesia, fazia esta exortação maliciosa: 'Coma, ofereço-te um doce che ti tira su...' (que te levanta)." Enfim, o Brasil tem o bolo brigadeiro, um clássico dos aniversários de criança. Como leva leite condensado, seguramente apareceu depois de 1921, ano em que a Nestlé começou a elaborar no país seu inovador Leite Moça, na fábrica de Araras, em São Paulo.



(texto publicado na revista Gula nº 161 - ano 13 -março de 2006)

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