segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Matthieu Ricard, o homem mais feliz do mundo - Raquel Beer com colaboração de Luciane Rocha Nunes


Quando tinha apenas 26 anos, o francês Matthieu Ricard decidiu abandonar a tese de doutorado em biologia molecular no Instituto Pasteur para se dedicar a uma vida de contemplação como monge budista. O apreço pela ciência, porém, nunca foi esquecido. No começo dos anos 2000, ele uniu-se a uma equipe de pesquisadores da Universidade de Wisconsin para investigar o efeito da meditação no cérebro. Três horas dentro de uma máquina de ressonância magnética e 256 sensores monitorando partes do cérebro resultaram em uma constatação surpreendente. Pesquisadores tabelaram a felicidade em uma escala de 0,3 (muito infeliz) a -0,3 (muito feliz), de acordo com a movimentação, ou não, das regiões do cérebro que ativam as emoções positivas ou negativas. O índice obtido pelo monge foi de -0,45. A repercussão da notícia fez com que os jornais europeus colassem um apelido em Ricard, o de "o homem mais feliz do mundo", e dali para virar best-seller, com o relato de suas experiências em linguagem super fácil, plena de lugares comuns inteligentes, foi um pulo.

O senhor é mesmo o homem mais feliz do mundo?

Sou feliz, mas não tenho dados a respeito dos outros 7 bilhões de pessoas no mundo. Ganhei esta fama porque fui o primeiro a participar do teste destinado a medir a movimentação cerebral das pessoas que meditam - mas resultados muito parecidos foram identificados em outras 25 pessoas com experiência em meditação. A verdade é que o título pode ser de qualquer um que busque a felicidade no lugar certo.

Que lugar seria este?

Não há uma fórmula mágica. Devemos desmitificar a meditação: não se trata de sentar embaixo de uma árvore e sentir alegria espiritual, mas de treinar a mente. Há momentos em que nos sentimos felizes, mas eles não duram mais de quinze segundos, até pensarmos em outra coisa. Tente prolongá-lo por mais tempo, cinco, dez minutos, ou por períodos menores por mais vezes ao dia. Se conseguir concentrar, poderá fazê-lo no ônibus ou mesmo no intervalo do trabalho. Outros pensamentos vão aparecer, mas traga gentilmente a sua mente de volta, fazendo com que desapareçam, como um pássaro que cruza o céu. Há quem confunda e busque a felicidade em sensações prazerosas, sem perceber que se agarrar a elas é a receita para a exaustão, e não para a felicidade.

Os prazeres, portanto, são nossos inimigos?

Não há nada de errado com os prazeres, o problema é pensar que a repetição dessas sensações garante a felicidade. Imagine um bolo de chocolate, por exemplo: uma fatia é deliciosa; duas matam a fome; três deixam você enjoado. Ouvir a sua canção favorita 24 horas sem intervalo se torna uma tortura. O prazer muitas vezes se transforma em algo desagradável. A felicidade não é uma sensação e sim um jeito de ser.

Mas um pouquinho de tristeza não faz bem? Muitos dos grandes poemas, músicas e romances são fruto do sofrimento de seus autores. Um mundo sem emoção, nesse aspecto, seria um tanto sem graça.

Esse é um pensamento tolo. É como olhar para o mar ou para uma linda floresta e sentir saudade do trânsito de uma grande cidade. Não é uma questão de ficar imune às emoções, mas de mudar a forma de lidar com elas. É necessário que as pessoas sofram para que consigam identificar o motivo dessa dor: muito apego, muito medo? E então encontrar o remédio. O sofrimento acontece de qualquer maneira, a questão é o que você faz com ele: se vê como vítima ou o usa como catalisador de uma transformação pessoal. A ideia de que o sofrimento é a única fonte de inspiração também é incorreta. Bach não era deprimido e escreveu algumas das obras mais bonitas de todos os tempos.

Como podemos usar o sofrimento de forma positiva?

Sofrimentos nunca são desejáveis, mas é possível transformar a dor em desespero, ou usá-la para progredir. Uma estratégia é se voltar ao altruísmo, fazer coisas significativas para os outros, em vez de se focar na sua dor. Assim, você não perderá o senso de direção e realização na vida. A meditação ajuda a desenvolver uma força interna que nos torna mais resistentes à tristeza, porque percebemos que ela é causada por fatores externos, sobre os quais não temos controle. Isso não quer dizer ficar indiferente. É como o mar: uma tempestade afeta a superfície do oceano, mas suas profundezas permanecem calmas.

O Brasil é conhecido por seu povo alegre, porém ficou em oitavo lugar no ranking dos países com mais suicídios da Organização Mundial da Saúde. Uma pesquisa divulgada no começo do ano mostra que 21% dos jovens do país tem sintomas de depressão. Qual é a explicação?

O Brasil talvez esteja se aproximando do padrão europeu. Na Europa, a idade média da primeira depressão da vida nos últimos dez anos caiu de 27 anos para 16 anos. Há vários motivos: desigualdade, falta de oportunidades, de educação e de estrutura, coisas que podem conduzir qualquer um ao desespero. Outra explicação é a busca de satisfação pelo materialismo. Existem vários estudos que provam que o consumismo não traz felicidade verdadeira. Se o consumista tem tudo o que quer e mesmo assim não é feliz, ele não vê significado na vida e pode ficar deprimido. Para ser feliz, é preciso buscar valores intrínsecos ao ser humano, não materiais. Um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico levantou dez fatores essenciais para a felicidade, e em primeiro lugar está a qualidade das relações humanas. Isso não quer dizer ter muitos amigos, mas sim ter pessoas com quem se pode contar.

A quantidade crescente e interminável de amigos feitos nas redes sociais é uma boa nova para as relações humanas?

Há muitas formas de usar uma ferramenta, como é o caso da internet. O mesmo martelo que constrói a casa pode derrubá-la. Isso também vale para a web, sites de crowdfunding, financiamento coletivo, por exemplo, podem ajudar a construir escolas em lugares sem recursos. O problema é que em geral, os internautas mais novos usam as redes sociais para se comunicar e esquecem que aquilo não substitui uma conversa verdadeira, a amizade real, ficar junto de alguém. Estudos mostram que esses sites também aumentam o narcisismo. Pensar só em você não o fará feliz porque tudo parecerá uma ameaça. Você perderá tempo pensando no que as pessoas falam a seu respeito e se esquecerá de que o mundo é feito de 7 bilhões de pessoas. Somos todos interdependentes, a felicidade não convive com o egoísmo.




(texto publicado na revista O Pensamento nº 6 - ano 106 - nov/dez de 2014)

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