domingo, 13 de setembro de 2015

Meu tipo inesquecível: Querido Beatle - Sir George Martin


No trabalho e nas amizades, George ia com calma - e então nos surpreendia

George Harrison estava com 19 anos quando nos conhecemos. Os Beatles ainda não haviam gravado nenhum disco e tinham aparecido nos estúdios de Abbey Road, onde eu me oferecera para ajudá-los com sua música. Depois de uma hora, chamei-os à sala de controle e disse:

- Escutem isso. E, se houver algo de que não gostem, é só falar.

George olhou para mim, e sorriu:

- Bem, para começar, não gosto da sua gravata.

John e Paul ficaram mortificados, achando que George havia estragado tudo com aquela insolência. Mas é claro que não estragou. Ele quebrou o gelo, todo mundo caiu na risada e eu o adorei. Daquele momento em diante, começamos a ficar amigos.

Muito embora fosse uma torre tão alta quanto as outras no castelo dos Beatles, George era o mais novo do grupo e sofria um pouco em consequência disso. Suas composições eram relegadas a segundo plano no estúdio, sobretudo porque John e Paul vinham produzindo uma série de músicas espetacular, numa época em que as obras dele não eram assim tão impressionantes. Foi difícil para George. Como não tinha um parceiro de composição, ficava isolado, mas sua contribuição para o sucesso dos Beatles não pode ser desprezada.

Sempre incluíamos pelo menos uma canção de George em cada álbum. Durante a gravação de Sgt. Pepper, ele surgiu com Only a northern song, que considerei abaixo do nível das demais músicas do disco, e lhe disse isso. Não era algo agradável de se ouvir e ele, compreensivelmente, ficou chateado. George, porém, era determinado, trabalhavam com afinco e aos poucos aprimorava suas composições. Por fim, apresentou-nos Within you without you, que era diferente de tudo, não muito comercial, mas original e intrigante. Em faixas desse tipo, muito influenciadas pela pesquisa indiana de George, a dinâmica mudava e ele passava a ser o especialista no estúdio. Por sorte eu já tinha experiência com músicos indianos e gostava de trabalhar com George naqueles ritmos exóticos.

Com o tempo suas composições evoluíram esplendidamente. Here comes the sun está entre as minhas canções preferidas dos Beatles e, sem dúvida, Something é uma das mais belas canções de amor já escritas. Fiquei muito feliz quando foi reconhecido como um grande compositor.

Depois que os Beatles romperam nunca mais tivemos oportunidade de trabalhar juntos, pois George não precisava de produtor, demonstrando-se auto-suficiente. Sempre comparo seu trabalho musical à vida do artesão que faz os tapetes persas, criando um desenho magnífico, com centenas de pontos a cada centímetro. George era assim: um grande artesão, de infinita paciência, sempre confiante de estar produzindo a obra certa. Precisei usar todo o meu poder de persuasão para convencer George de que os Beatles deveriam sair em turnê quando Ringo estava doente. Ele achava desleal usar um baterista substituto, argumentando: "Nós quatro estamos nisso juntos."

Há alguns anos, fiquei doente e me submeti a uma série de cirurgias que me deixaram bastante deprimido. George se mostrou extremamente preocupado e me visitou, levando uma pequena estátua do deus hindu Ganesha, lindamente esculpida. "Deixe-o na sua cabeceira", disse. "Ele vai cuidar de você." Devo dizer que, até hoje, tem cuidado.

A última vez que vi George foi pouco antes de sua morte. Ele estava trabalhando, na sua casa em Oxfordshire, no que seria o seu último disco. Até o fim, permaneceu aquele homem tranquilo, cuja fé inabalável transpareceu em sua música e jamais fraquejou. E de quem todos sentimos uma grande saudade.



(texto publicado na revista Seleções de outubro de 2003)

Algumas das composições de George Harrison


"Here comes the sun"



"Something"


"Taxman" com Eric Clapton


"While my guitar gently weeps" com Eric Clapton

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