quinta-feira, 15 de maio de 2014

Não tampe os ouvidos - Tatiana Bonumá


Entender como os outros veem você e suas atitudes, sondar se tem colecionado mais críticas ou elogios. Tudo isso é oportunidade para crescer. Só é preciso saber escutar os feedbacks, no trabalho e na vida

Repare: quantas críticas ou elogios você ouve durante um dia? Valem do chefe, de uma amiga, do marido, até dos filhos. Mas a quantos desses comentários você realmente dá ouvidos? Poucos? Pois entre eles pode estar um bom feedback que você está desperdiçando. "Não é bronca, queixa nem lição de moral, mas uma ferramenta para que a pessoa se conheça melhor e aumente seu desempenho", esclarece Carmen Benet, psicóloga especializada em gestão de pessoas, de São Paulo. Há alguns anos, quando bombava a ideia de um mundo corporativo mais humanizado, muito se falou sobre a importância de fornecer retornos construtivos aos profissionais. Mas qual é a garantia de que o destinatário está realmente disponível mental e emocionalmente para absorver as informações? "Compreender um feedback exige treino. Primeiro, é necessário controlar a tendência que todos temos de querer decidir de antemão se a avaliação será positiva ou negativa", afirma a americana Sheila Heen, coautora do livro Thanks for the Feedback, sem previsão de lançamento no Brasil. "Devemos encarar o que está sendo dito como um empurrão para alcançar um objetivo, seja ele relacionado à carreira ou à vida amorosa".

A lição, portanto, é deixar os julgamentos ou interpretações para depois e concentrar-se apenas no aqui e agora, ou seja, na mensagem que está sendo dita. Não que seja fácil, mas é preciso ter distanciamento emocional e reconhecer que essas falas funcionam como as pistas de uma caça ao tesouro, que trarão dicas valiosas para você chegar aonde quer. Quem não consegue introjetar tal ideia e adotar uma posição de ouvir para crescer transforma o processo em algo doloroso. Funcionária de uma indústria de alimentos, Viviane Goveia, 31 anos, sofria a cada vez que uma sessão de feedback se aproximava. "Eu ficava tão tensa antes que tinha dor de barriga. Até que um dia chorei durante uma reunião com meu chefe. Então, decidi com a psicóloga da área de recursos humanos que faria um coaching para conseguir aproveitar melhor esses momentos. "Reações pouco receptivas ao feedback, como tentar defender-se, justificar-se ou ficar indiferente, são normais. Mais do que isso, são respostas quase instintivas, segundo Eliana Pita, coach e autora de Como Dizer? A Arte de Dar e Receber Feedback (Qualitymark Editora). "São atitudes de autopreservação. Temos medo do que iremos ouvir porque desconfiamos que a imagem que fazemos de nós mesmos não condiz com a forma como os outros nos veem", explica a especialista.

No livro, ela cita uma pesquisa de 2010 coordenada pelo renomado psicólogo Daniel Kahneman feita com universitários. O grupo tinha de avaliar a própria capacidade de liderança. Dos entrevistados, 70% consideravam que possuíam um talento acima do normal, enquanto apenas 2% julgavam-se abaixo da média, o que comprova a nossa tendência a cultivar uma reputação digna de elogios sobre nós mesmas. Talvez nem seja um sinal de prepotência, mas uma tentativa de manter o tanque cheio de combustível para enfrentar os desafios do dia a dia com coragem. E é por isso que é tão difícil encarar muito contraste entre a sua opinião e a do outro. "O retorno dado pode ser ameaçador porque tirará você de um lugar conhecido e confortável. O que virá a seguir será melhor, acredite, mas, no começo, parecerá um risco", afirma Sheila Heen.

Na contramão desse medo está uma vontade que compartilhamos: a de nos aprimorarmos sempre. "O conflito está na relação entre querer crescer - e aí o retorno, qualquer que seja, é positivo - versus querer ser acdeito como é", diz Sheila. Viviane aprendeu a lição e deslanchou. "Entendi que feedback não é julgamento e deve ser usado para fazer um plano de melhorias. As minhas avaliações me deixaram pronta para assumir novos desafios e responsabilidades", conta a administradora, que se livrou das dores de barriga e dos acessos de choro.

Quando você menos espera

Na esfera profissional, os feedbacks são formais, organizados e acontecem em momentos próprios para isso. Já na vida pessoal, nem sempre são tão explícitos. Como lembra a autora Sheila Heen, podem aparecer em um olhar do marido, na brincadeira inocente de uma amiga ou em um e-mail inesperado. Pois, ainda que informais, esses sinais também trazem a possibilidade de autoconhecimento e acenam com chances de mudança. Adriana Morais, 42 anos, conta que a resistência ao feedback quase acabou com seu casamento de nove anos: "Sempre fui focada na educação dos nossos filhos e no trabalho, mas meu marido, apesar de presenciar meus esforços, ainda reclamava que eu era relapsa com as tarefas de casa". Ela até tentou explicar que as muitas outras responsabilidades que tinha já eram demais, mas ele insistia. Adriana escolheu ignorá-lo. Claro que foi só questão de tempo para a bomba explodir, e a relação quase foi pelos ares. "Ele estava me dando um retorno e eu preferi não ouvir nem mudar. Para ele, foi sinal de que eu não me importava."

Por ser tão corriqueira nos lares brasileiros, a reclamação foi banalizada e não é levada em conta. "Não se pode esperar que o feedback em casa venha de maneira adequada como no ambiente de trabalho. Às vezes ele chega no grito; em outras, nas entrelinhas. O importante é parar para escutar, não com a cabeça quente, mas quando ambos estiverem tranquilos", observa a  terapeuta Margareth Signorelli, coach de relacionamento, de São Paulo. Ela explica que, no âmbito pessoal, essas devolutivas são ferramentas poderosas para a construção de uma relação com cumplicidade, confiança, afeto e respeito. "A minha sugestão é que os dois se acalmem e combinem um momento melhor para conversar. Não adianta querer falar quando o jogo do time dele está passando na televisão ou no meio da sua TPM, pois será mais difícil controlar as emoções", avisa Margareth, que também acha essencial excluir acusações e qualquer vitimização do papo. Adriana conseguiu ouvir o marido e foi sincera ao dizer que não dava para assumir mais obrigações, incluindo tarefas domésticas, mas que eles poderiam contratar quem ajudasse. E, assim, chegaram a um acordo. "Mais do que me colocar à frente dos trabalhos de casa, ele queria era ser ouvido. Quando eu dei atenção, houve flexibilidade para negociar."

Não mexa nas minhas feridas

Se bem-feito, o feedback reflete fielmente seu comportamento, como se fosse um espelho. E funciona como se placas fossem colocadas na sua vida, indicando o caminho certo para evoluir. Até aí, tudo bem, mas, quando os filhos entram no jogo, a potência das emoções negativas provocadas por uma crítica - ou algo que soe como tal - costuma ir lá no alto, ainda que o comentário seja inocente. A profissional de marketing Flavia Nascimento, 36 anos, mãe de Maria Eduarda, 8 anos, admite que teve uma reação exagerada depois de ler um recado da professora na agenda da filha. "Na segunda semana de aula, recebi um bilhete que dizia: 'A Duda chega frequentemente atrasada, o que poderá prejudicá-la no aproveitamento das aulas. Vamos tentar melhorar isso?'", conta. A primeira reação de Flavia foi ficar ofendidíssima. Depois, começou a justificar para si mesma: "Não deixo a Duda com antecedência, mas sou pontual".

No dia seguinte, ela foi falar com a professora. "Sem perceber, carreguei nas palavras. A conversa acabou na sala da diretora e só aí, mais calma, vi que tinha me excedido. Combinamos outra reunião para dali a uma semana." Nesse meio tempo, ela fez a lição de casa para, na hora H, se controlar e ouvir. Falou com a filha, que confessou sempre perder alguns minutos antes de entrar na sala trocando figurinhas com amigas. Quando Flavia voltou para a reunião na escola, estava por dentro da história completa e mais tranquila. "Foi um episódio de aprendizado. Entendi que jamais devo reagir no auge da emoção nem me defender sem apurar os fatos, refletir e ter um bom argumento", diz. No fim, ela construiu uma relação mais forte com a professora quando explicou que preferia, em vez de bilhetes pouco elucidativos, conversar claras pelo telefone. "Depois de tudo, parei para fazer uma avaliação e concluí que realmente tinha sido precipitada."

Quando a professora criticou os atrasos de Duda, Flavia se sentiu duplamente atingida: entendeu que estava sendo questionada como mãe e também como educadora. Os experts dizem que, nessas horas, o importante é frear o primeiro impulso - seja de se esquivar, seja de atacar. Só assim será possível aproveitar a oportunidade de crescimento. "O diálogo com alguém que nos expõe um erro do filho pode ser mais fácil quando evitamos posturas defensivas. Assim, mãe e filho ganham: ela como educadora e ele como ser humano", conclui Eliana Pita.



(texto publicado na revista Claudia - abril de 2014)




Nenhum comentário:

Postar um comentário