quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Um foco para chamar de seu - Alexandre De Santi


Para desempacar, não basta se concentrar. É preciso aprender a dividir tarefas, abusar da agenda e combater distrações. Muita coisa? Pois funcionou com o autor deste texto. E pode funcionar com você.

Então, você quer ter foco?

Bom, primeiro você precisa de quatro folhas de papel e uma caneta. Tudo na mão? Agora, preciso que você prossiga na leitura por 5 minutos seguidos. Afaste o celular e, se estiver em frente ao computador, desligue o monitor. E podemos começar.

Pegue a primeira folha e a caneta. Anote três coisas que você quer fazer até o fim da vida - realizações realmente importantes, como aprender a tocar piano, correr a São Silvestre, publicar um livro. No topo, dê um título para essa lista: IMPORTANTE. Em outro papel, coloque as tarefas que você precisa cumprir hoje. Todas mesmo - pagar aquela conta, marcar uma consulta, comprar pão. Nessa, o título será URGENTE. Em geral, são coisas que ninguém sente prazer em fazer - e são urgentes porque você não lidou com elas e agora o prazo está estourando. Mas tudo bem. Anote essas tarefas chatas em algum lugar para que elas não ocupem espaço no seu cérebro e vamos adiante. Na terceira folha, faça uma lista do que você precisa ou deseja resolver ao longo da próxima semana. Marcar uma reunião? Devolver um sapato emprestado por uma amiga? Buscar o resultado de um exame? Essa última folha será batizada NÃO URGENTE. Acredite: você deu o primeiro passo para organizar sua vida.

Grande parte das nossas frustrações ocorre porque ficamos imersos nas tarefas diárias e não temos fôlego para as outras. Os que os especialistas dizem (e você acabou de aprender) é que é preciso separá-las à força. Um diferencial das pessoas produtivas e justamente o talento para dosar atividades das três listas em sua rotina. É preciso comprar pão, mas precisamos achar tempo para ir ao dentista e marcar a primeira aula de violão. Ou seja, mesclar atividades urgentes, importantes e não urgentes sem que você acumule frustrações (ou fique sem pão para o seu sanduíche).

Sim, é um conceito simples. Mas basta rever a folha dos objetivos importantes para perceber um problema: não há como agir orientado por objetivos. Uma lista grandiosa dessas chega a ser intimidante: como realizar o sonho de correr a São Silvestre? Qual é o primeiro passo? Esses objetivos precisam se transformar em tarefas. Para isso, você precisa de uma quarta folha.

Releia a folha intitulada IMPORTANTE e reflita sobre como tirar essas metas do papel. Exemplo: você quer aprender a tocar violão. Você até tem o instrumento, mas não sabe tirar um acorde. Uma boa tarefa seria buscar professores na internet. Ou consultar amigos que sabem tocar violão. Nessa folha nº 4, que eu intitularia de A GALERA DELIRA! (manter o humor é uma técnica para ir da frustração ao entusiasmo), faça uma lista com três a cinco tarefas que lhe ajudariam a tirar um sonho específico do papel. E pode passar esse sonho da folha de IMPORTANTES para NÃO URGENTES.

Avançamos bastante. Você já organizou a vida de uma forma que muitas pessoas nem sabem por onde começar. Ao eleger prioridades, você para de se preocupar com as tarefas descartadas. Reduz o número de informações, organiza o movimento, orienta o Carnaval. E o foco surge nessa janela.

As grandes minitarefas

Nosso cérebro não evoluiu rápido o suficiente para lidar com as distrações modernas. Enquanto o volume de informação que nos atinge só faz crescer, nossa capacidade de processá-lo segue a mesma. E, mesmo que você não preste atenção em tudo, o processo de descartar o que não interessa já compromete parte do seu cérebro. Um estudo da Universidade de Utah mostra que multitask é um privilégio: apenas três em cada cem pessoas são capazes de cumprir várias tarefas ao mesmo tempo sem perder eficiência. Ou seja, foco é um problema mundial. Mas também pode ser pessoal. Tem um minuto para ouvir minha história?

Comecei a me interessar por técnicas de produtividade em 2012, quando comprei o livro Driven to Distraction: Recognizing and Coping with Attention Deficit Disorder ("Dado à distração: reconhecendo e lidando com o distúrbio do déficit de atenção", sem edição brasileira). Não foi uma escolha casual: quatro anos antes, eu tinha sido diagnosticado com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). A partir daí, passou a fazer sentido a dificuldade que eu tinha para me organizar, estudar e ler. Em resumo, um procrastinador serial. Você provavelmente não tem TDAH, e esta matéria não pretender curar ninguém. Mas você provavelmente já experimentou seus sintomas: distração, falta de foco, dificuldade para se planejar. Não sou nenhum exemplo de superação, mas, se você está lendo esta reportagem na edição de setembro da SUPER, significa que as técnicas deram certo. Terminei no prazo.

Talvez você já tenha percebido meu truque. Estou dividindo uma tarefa (a leitura desta matéria) em minitarefas. E também estou apontando o objetivo final, aonde você vai chegar. São táticas complementares que se valem de um cacoete milenar: nossos ancestrais (e seus cérebros) preferiam atividades de recompensa imediata, como caçar, em detrimento das que recompensavam só a longo prazo, como guardar lenha. Esse mecanismo até hoje nos faz procrastinar: adiamos tarefas de benefício distante (estudar para uma prova) em favor do prazer instantâneo (o joguinho viciante da vez).

Para Piers Steel, autor do livro A Equação de Deixar para Depois, a melhor estratégia é usar essa herança procrastinadora a nosso favor. Escrever ou ler um texto de dez páginas (o meu e o seu desafio neste momento) pode ser intimidador; mas, subdividido, o desafio se  torna mais gratificante. Completar cada parte dá uma sensação de recompensa - e, quando você menos percebe, está tendo satisfação imediata em uma tarefa de longa duração.

Até que ponto é possível dividir projetos em minitarefas? Não há uma medida ideal, mas Steel sugere que uma tarefa comum possa ser quebrada em até cinco pedaços. "Alugar apartamento" fica mais fácil quando dividido em: !) escolher um bairro; 2) vasculhar site e ruas: 3) marcar visitas aos apartamentos favoritos; 4) pesar prós e contras e eleger um imóvel; 5) mandar proposta para a imobiliária. Ficou até fácil se mudar.

Além disso, minitarefas têm de cumprir alguns requisitos. Têm de ser objetivas, para você não ficar na dúvida se ela foi executada ou não. "Comer melhor de manhã" é uma tarefa ruim porque não deixa claro o que é "melhor". Tente assim> "No café da manhã, comer uma banana e três fatias de melão". Também é bom que minitarefas sejam curtas, garantindo o barato das recompensas periódicas. A chatice de fazer uma mala é aliviada quando dividida em "escolher a mala", "selecionar roupas" e "colocar roupas na mala". Também é importante que os pacotes diários de tarefas façam sentido. Não faz sentido dar OK em "escolher a mala" e "selecionar roupas" num dia e deixar "colocar roupas na mala" para o dia seguinte - você vai dormir com a sensação de que deixou algo incompleto. Em projetos que duram vários dias (como escrever a capa da SUPER), o sentimento de vencer etapas permite a você descansar de verdade. Mais importante: lembre-se de que são as tarefas que você decidiu fazer. "Estamos mais aptos a prestar atenção se for uma atenção que escolhemos", afirma o guru da produtividade Michael Hall, autor de livros como The User's Manual for the Brain ("O Manual do Usuário do Cérebro", sem edição brasileira).

Olho no alvo

Próximo passo: espalhar tarefas URGENTES e NÃO URGENTES em uma agenda. Sim, é básico demais. Básico como pedir para alguém comer mais frutas: todo mundo sabe que é importante, e quantos colocam em prática? Acostume-se: a partir de agora, você vai passar o dia inteiro com a agenda aberta.

Mas seja realista: você não vai se tornar hiperprodutivo a partir de amanhã. "O ponto ideal é quando você tem confiança para encarar projetos difíceis, mas não esquece que eles são difíceis", diz Steel.




(texto publicado na revista Super Interessante nº 337 - setembro de 2014)










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