quinta-feira, 19 de junho de 2014

Filhos da Ku Klux Klan - Isabel Fleck


A imagem de uma cruz incendiada por homens sob túnicas e capuzes brancos, para muitos, representa um ódio racial que ficou para trás nos EUA, após meio século da aprovação da Lei dos Direitos Civis no país.

A cena, no entanto, segue sendo repetida a cada ano, por homens também encapuzados e identificados com a ideologia da Ku Klux Klan, durante congressos nacionais de grupos como o The Knights Party (Partido dos Cavaleiros), fundado em 1975.

A organização faz parte dos 940 grupos de ódio em atividade nos EUA hoje, segundo o Southern Poverty Law Center (SPLC), centro que mapeia esse tipo de atividade no país. De 2000 a 2013, o número dessas organizações subiu 56%.

O "boom" ocorreu, na verdade, após a eleição de Barack Obama, o primeiro presidente negro do país, em 2008. Mark Potok, pesquisador do SPLC, no entanto, pondera: "não foi simplesmente pela eleição de Obama, mas principalmente pelos fatores que o levaram até lá, como a mudança na demografia nos EUA". E tudo isso agravado pela crise econômica.

Uma estimativa do Pew Research Center mostra que, até 2060, a parcela branca da população cairá para 43%. Em 1960, os brancos representavam 85% dos americanos.

A resposta veio na mobilização e na radicalização do discurso. Hoje, o mapa do ódio é composto, principalmente, por grupos que pregam a supremacia branca e cristã americana, se opondo não só aos negros, mas a tudo que "foge" ao seu padrão de nação: imigrantes, judeus, muçulmanos e gays.

Entre os supremacistas, estão os nacionalistas brancos, os chamados "skinheads racistas", neonazistas e os próprios "herdeiros" da Ku Klux Klan - estes com mais de 150 grupos e entre 5.000 e 8.000 membros. A maior presença dos supremacistas ainda é, como há 50 anos, em Estados do sul, como Mississipi, Tennessee e Geórgia.

Mas há ainda organizações específicas anti-imigrantes, anti-LGBT, os neoconfederados (nacionalistas anti-imigrantes) e separatistas.

Considerando todas as vertentes, é a liberal Califórnia que concentra a maior parte dos grupos de ódio (77), seguida da Flórida e do Texas - três Estados com forte presença de imigrantes latinos.

Nação branca

William Johnson, presidente do American Freedom Party, listado como grupo de ódio pelo SPLC, defende a proibição de casamentos entre brancos e negros e o separatismo, a fim de criar uma "nação branca'.

"Diversidade e multiculturalismo são sinônimos de genocídio branco. Eu quero que nossas escolas primárias tenham só crianças loiras, de olhos claros, crescendo e aprendendo a ser boas para a comunidade. Eu não quero que nos tornemos o Brasil", disse Johnson, por telefone, à Folha.

Seu partido tem pouco mais de 2.000 membros e um candidato ao Senado da Virginia Ocidental. Johnson, contudo, recusa o título de grupo de ódio e nega que o partido incentive a violência contra negros ou latinos. "Colocar pessoas de todas as cores juntas gera violência. Hoje a violência racial é principalmente de negros contra brancos", afirma.

O discurso da vitimização, adotado por grande parte dos supremacistas hoje, não é comprovado, contudo, nos números. Segundo o FIB (Polícia Federal Americana), dos cerca de 3.300 crimes motivados por ódio racial em 2012, por exemplo, 66% deles foram contra negros e 22% contra brancos.

Suástica

"Raça" foi a principal motivação (48% dos cerca de 5.800 crimes de ódio no mesmo ano, seguida por orientação sexual e religião.

"Grupos que defendem o ódio, certamente, têm um impacto sobre a prática de crimes nos EUA. Mas enquanto alguns dos mais notórios criminosos têm laços com esses grupos, outros agem por conta própria", observa Matthew Drake, diretor da Unidade de Direitos Civis do FBI.

Na última segunda (9), um casal matou dois policiais em Las Vegas e deixou uma suástica sob os corpos. As investigações não mostraram ligação deles com algum grupo.

A morte de James Craig Anderson, negro, funcionário de uma fábrica em Jackson, Mississippi, por um grupo de jovens brancos em junho de 2011, desencadeou uma série de protestos.

A irmã de Anderson, Barbara, pediu, durante o julgamento, um esforço conjunto pela "reconciliação racial não só no Mississippi, mas em todo o país".

À Folha, ela disse esperar que a Justiça puna os culpados. "Ainda têm muito mais gente para ir para a cadeia". Até agora, apenas um dos jovens recebeu sua sentença: prisão perpétua.



(texto publicado no jornal Folha de São Paulo de 15 de junho de 2014)







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