segunda-feira, 16 de junho de 2014

Loucuras de amor - Bárbara Libório


"Faça o que você ama". Esse discurso, bastante difundido após ser proferido por Steve Jobs, cofundador da Apple, pode fazer com que as pessoas se motivem a buscar satisfação no trabalho, mas também causar frustração.

No mês passado, o investidor Marc Andreessen, conhecido por ter criado o pioneiro navegador de internet Netscape, disse em seu Twitter que esse pode ser um "conselho perigoso e destrutivo".

Segundo ele, só ouvimos esse discurso de pessoas que foram bem-sucedidas fazendo o que amam, e não daqueles que fracassaram. Para Andreessen, o melhor conselho seria: faça algo que contribua para outras pessoas.

Foi para isso que a administradora Larissa Mungai, 27, saiu de um emprego estável para abrir seu próprio negócio, depois de, por meses, começar as segundas-feiras pensando nas sextas.

Ela já trabalhava com gestão de carreiras em uma companhia de cosméticos e fundou uma empresa que democratiza o acesso a ferramentas de autoconhecimento.

"Para uma pessoa descobrir o que realmente ama, precisa de ferramentas que geralmente são caras, como 'coaching' ou terapia. Por isso, muitas pessoas não têm essa oportunidade", afirma.

Ela se planejou por dois anos, antes de pedir demissão. Vendeu o carro e passou a guardar 75% do salário.

"Não é qualquer pessoa que pode se dedicar a uma carreira intelectual, abrir um negócio ou largar tudo e viajar pelo mundo. Isso exclui uma parcela da população e a deixa mais ansiosa e frustrada", afirma a socióloga Bárbara Castro, que estuda relações do trabalho.

Para o jornalista Alexandre Teixeira, autor do livro "Felicidade S.A." (editora Arquipélago), sobre satisfação no trabalho, mesmo que nem todos consigam fazer o que amam, é importante que essa busca seja incentivada, independentemente da classe econômica ou da formação". A ideia de encontrar o que gosta e perseguir o sonho de viver disso é motivadora", afirma.

Viver de blog

Mariana Rego, 29, mora nos Estados Unidos e trabalhava havia seis anos assessorando os executivos de um grande banco quando percebeu que não estava satisfeita. Ela pediu demissão e saiu em uma viagem pelo mundo para descobrir a que realmente queria dedicar sua vida.

"Criei um blog para contar minhas experiências e pensei que aquilo poderia ser uma fonte de renda", conta.

Hoje, treze meses depois, a engenheira voltou para casa após descobrir que a vida de blogueira não era fácil.

"Há uma pressão grande para manter a página atualizada e responder comentários, fora a exposição. Saí do meu trabalho antigo exatamente porque não queria mais me sentir pressionada."

Segundo Teixeira, antes de decidir mudar de carreira e recomeçar do zero, é preciso pensar em alguns aspectos: além de gostar de fazer algo, é preciso ser bom nisso e ter certeza que há uma demanda de mercado. "Se você não estiver certo sobre os dois últimos pontos, não adianta apostar tudo", recomenda.

Ele mesmo conta que, apesar de ser apaixonado por música e ter uma banda, não investiu nisso como carreira. "Não me acho bom o suficiente, então prefiro encarar isso como um hobby", diz.

Segundo o jornalista, para ser feliz no trabalho, é importante que as pessoas encontrem um significado, um propósito para ele. "Às vezes, o profissional tem uma vida tão desgastante que acaba perdendo esses valores", conta.

Diego Monteiro, 21, largou a faculdade de administração e o trabalho na consultoria PwC, para se dedicar à música. Hoje, ele estuda, dá aulas e toca em eventos. "Não ganho tão bem como antes, mas isso é relativo. Eu tinha que gastar muito em muitas coisas para ser feliz. A música me dá isso de graça", conta.


O que você deve se perguntar antes de "fazer o que ama"

1) O que eu amo ou gosto muito de fazer?
Mais do que um hobby, deve ser algo que o motive. É preciso fazer um exercício de autoconhecimento.

2) O que eu sei fazer bem a ponto de ser pago por isso?
Nem sempre você é bom em algo que gosta muito de fazer. Ser realista com isso também é necessário.

3) Há mercado para isso?
Ainda que você goste de algo e seja bom nisso, é preciso identificar se há procura por esse produto ou serviço.

4) Vale a pena transformar o hobby em profissão?
Lembre-se de que, ao tomar a decisão, você perderá o prazer das horas vagas. Além disso, você pode não gostar de ser um empreendedor caso abra um negócio.

5) Por que eu quero fazer isso?
Antes de mudar de profissão ou largar um emprego, reveja seus motivos. Somente odiar seu chefe não é razão. Pense no longo prazo.

6) Eu estou pronto?
O ideal é que uma mudança ou transição de carreira sejam bem planejadas, emocionalmente e financeiramente. Caso contrário, pode haver decepção.


(texto publicado no suplemento Negócios, empregos e carreiras da Folha de São Paulo de 15 de junho de 2014)




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