terça-feira, 9 de junho de 2015

Dezembro perigoso - Walcyr Carrasco


Noite dessas, um amigo me ligou. Estava confuso, irritado, nervoso:

- Amanhã vou pedir demissão.

Quis saber por quê. Ele me contou que está há anos no emprego, é o braço direito do chefe e, mesmo assim, não teve nenhuma promoção nem aumento nos últimos anos.

- É hora de sair.

Argumentei. Há uma regra imbatível no que se  refere a trabalho. Melhor procurar novo emprego já tendo um do que sem nada. O desempregado entra no mercado com muitos pontos a menos. Depois de um tempo sem achar nada, bate um desespero, ele acaba aceitando algo pior do que já tinha. É uma regra de ouro: se estiver insatisfeito com seu emprego, não peça demissão. Procure outro escondido. E bem escondido. Pega muito mal se seu chefe descobrir que você está em fuga.

Durante a conversa, tive uma luz que o convenceu a mudar de atitude.

- É a síndrome de dezembro - eu disse. Dezembro é o mês em que a gente faz uma avaliação do ano, da vida.

Pois é. Parece ser um mês alegre. Há festas, carinhas sorridentes de Papai Noel. Na virada do ano, um clima de euforia, todos queremos estourar um champanhe na praia, brindar a uma nova vida. Vem a esperança: com a virada do ano, uma nova etapa da vida. Só que não é assim. A vida é contínua, formada por elos de escolhas e acontecimentos que se encadeiam. A gente grita:

- Agora será um ano realmente bom!

E tomamos decisões arriscadas. Casamentos se desfazem porque, de repente, o homem não consegue explicar à namorada que tem de passar o Réveillon com a mulher. E como explicar, se ele já convenceu a outra que seu casamento é uma farsa, que não faz mais sexo com a oficial há anos, que está pronto para separar? A namorada quer uma prova de amor. Prova das boas é passar o Réveillon juntos. O sujeito se contorce. Escolhe. Nem sempre toma a decisão que tomaria a longo prazo.

Pior. No trabalho, qualquer resolução de dezembro ficará adiada até depois do Carnaval. Alguém acha emprego entre Ano-Novo e Carnaval? Este país, lamentavelmente, para. Ficamos em estado de suspensão.

Isso torna dezembro duplamente perigoso. É fácil decidir e desistir. Mas a retomada, a reconstrução... fica para depois! (A não ser que sua proposta seja montar uma oficina de fantasias carnavalescas e, mesmo assim, multidões trabalham nisso há meses!)

Não sou pessimista, mas nunca me assusto quando ouço dizer que em datas festivas há mais suicídios. Dezembro é justamente onde a gente descobre que as decisões do Ano-Novo passado rolaram ladeira abaixo. O que você prometeu a si mesmo? Emagrecer? (Vitória, eu consegui. Mas sou um caso raro. A barriga de meus amigos continua cada vez maior.) Prometeu que encontraria um novo amor e, agora, descobriu que ele fugiu com sua melhor amiga? Prometeu comprar casa própria e não sabe como pagar as  parcelas intermediárias durante a construção? Enfim, é agora que você avalia as promessas feitas com a melhor das intenções no fim de ano passado. E descobre que foram palavras escritas na areia, a maioria das vezes.

Vem uma frustração que nem te conto. Dói fundo. Não há nada a fazer a respeito, porque decisões férreas de Ano-Novo são o resultado das avaliações de dezembro. Mas é preciso conviver com a realidade. Não há muito dinheiro para os presentes, a viagem não vai rolar. Conheço um casal que ia todo ano para Punta del Leste. Neste ano, até tem amigos dispostos a oferecer hospedagem, mas não há dinheiro para as passagens. Sofrem.

Não quero dizer que o ano tenha sido ruim para todo mundo, por favor! Mesmo que você tenha uma vida radiosa, feliz, em dezembro corre o risco de olhar a parte pior da história. A gente é assim: o que acontece de bom, anotamos em preto e branco; de ruim, gritamos aos olhos e ao mundo como se fosse escrito em neon. Em dezembro, lembro o que não consegui. E o projeto de estudar hebraico bíblico? (Sempre tive vontade.) O livro ainda vive embaixo do travesseiro? A vontade de ver mais os amigos? Intensificar as relações? Meu blog, eu não ia fazer um blog?

O duro é que não adianta tomar nenhuma iniciativa agora. Vem Natal, depois Réveillon. Por melhor que seja o novo plano de vida, a gente adia. Até regime. Quem começa regime no Natal? Fica a sensação de frustração, do que a gente queria fazer e não fez. E que não pode começar imediatamente. Dezembro é perigoso. É o mês em que a gente festeja, enquanto chora pela vida.



(texto publicado na revista Época nº 864 - 22 de dezembro de 2014)

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