quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Queixas campeãs em terapia - Liliane Oraggio


Conhecer os dramas e dilemas de outras mulheres e dos homens pode melhorar o convívio a dois e a afinidade na cama. Entrevistamos seis conceituados profissionais e promovemos um debate sobre os tópicos que eles mais ouvem em consultório

Nem sempre, é claro, quem resolve fazer terapia resolve buscar esse tipo de ajuda por causa de uma queixa relacionada ao convívio com o parceiro ou a algum problema na cama. No entanto, como a sexualidade é a experiência mais intensa e importante da vida, o tema fatalmente aparece no consultório. Muitas vezes, de forma nua e crua. O primeiro passo para sair das ciladas sentimentais que surgem pelo caminho é assumir as diferenças: "Homens e mulheres têm registros distintos em relação ao amor, sexo, diálogo, corpo, tempo. Para elas, a vida sexual pode ser uma declaração de amor a cada relação. Enquanto, para o homem, a transa tem um sentido estrito de alívio e relaxamento, o que não significa que ele não ame a parceira", afirma o psiquiatra e psicoterapeuta Luiz Cuschnir, de São Paulo, pioneiro em estudos de gênero no Brasil e especialista em comportamento masculino com mais de 35 anos de experiência. "Se as mulheres quiserem conviver bem com o sexo oposto, precisam deixar que eles sejam o que realmente são: homens", completa.

Ainda que as diferenças na hora de expressar os sentimentos sejam abissais, no fundo todos alimentam os mesmos sonhos: "O desejo comum a homens e mulheres é que estar seguro ao lado de alguém, conseguindo afeto sem muito esforço", garante o psicólogo de orientação reichiana Paulo de Tarso Santini Tonon, que atende há 34 anos em São Paulo. "O conflito começa porque, para ter segurança afetiva, pode ser preciso abrir mão da liberdade, ou vice-versa. Por isso é tão comum os pacientes assumirem que se sentem incompletos no amor, mas não quererem arriscar nada." O que muitas vezes atrapalha a relação é o excesso de idealização, segundo o especialista. "As pessoas buscam o par perfeito, o sexo perfeito, a vida perfeita. Querer muito do outro e dar pouco de si é um dos pontos de muito desgaste entre os casais", diz Tarso, idealizador do site psicologiaonline.psc.br, pioneiro na orientação afetivo-sexual via internet com aval do Conselho de Psicologia.

Quando a angústia aperta, na maioria das vezes, é a mulher que busca ajuda de um profissional, seja para ela mesma, para o casal, seja para a família inteira. Para a psicanalista Lidia Aratangy, de São Paulo, mesmo que as queixas sejam explicitamente sexuais, do tipo "não tenho orgasmo", elas são um alerta de outros problemas no relacionamento. "Não dá para imaginar um casal com o qual está tudo maravilhoso e só o sexo não funciona", analisa. Especializada em terapia de casal e família há 37 anos, ela conta que um casal chegou a seu consultório porque não transava e queria ter filhos. Os dois eram jovens, bonitos, bem-sucedidos profissionalmente, mas não havia nada de sexo entre eles. "Eles viviam como um príncipe e uma princesa, tinham uma vida perfeita e nunca brigavam. Depois de algumas semanas de terapia, aquele castelo começou a ruir, os dois tiveram uma discussão em que voaram pratos de porcelana e copos de cristal e a noite acabou no motel", conta. Tudo mudou a partir de então. "Em casa, era t udo tão posado que era impossível viver o curto-circuito do sexo. Depois disso, eles tiveram três filhos e a vida ganhou uma versão mais realista."

O psicólogo clínico Ailton Amélio da Silva, professor da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador há 40 anos das relações amorosas, identifica dois tipos de paciente em seu consultório. "A maioria é formada por casais que não vivem bem e tanto o homem quanto a mulher se sentem solitários mesmo estando em um relacionamento. Outra parcela considerável inclui pessoas sozinhas que não sabem como iniciar um relacionamento, que, apesar do aumento das interações virtuais, continua difícil", descreve. "A timidez prejudica muito os homens. Já as mulheres travam na idealização do amor ou dos parceiros anteriores."

Todos os especialistas concordam que o desejo aceso é um grande termômetro da saúde do relacionamento. Mas o feminino é abalado por mágoas, falta de atenção do companheiro e sonhos românticos frustrados, entre outros motivos. "Para elas, uma boa transa começa no café da manhã com um elogio, depois um telefonema no meio do dia sem razão. Demonstrar interesse por ela tempera o sexo e resulta em mais prazer para ambos", resume a analista junguiana Lúcia Rosenberg, que há 30 anos atende em São Paulo. já o desejo masculino costuma ser minado por limitações físicas ou problemas não relacionados diretamente à parceira, como a preocupação com uma dívida ou o trabalho. "Diante do especialista, para homens e mulheres o mais difícil é deixar de projetar no outro aquilo que é seu. É um processo doloroso, mas também libertador, pois permite mudar a si mesmo e abrir novas possibilidades", defende a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.

As queixas delas

Romantismo de menos

A grande queixa das mulheres continua sendo a falta de romantismo do marido ou namorado. Lúcia Rosenberg admite que, na rotina corrida de hoje, às vezes falta tempo para o  romance, mas ela frisa que criar um clima especial não é obrigação só do homem. "Tornar a vida lúdica é via de mão dupla. Por que a mulher não pode vestir algo sexy ou propor uma massagem lenta e erótica quando der vontade?", questiona. Luiz Cuschnir observa que os conceitos feminino e masculino de intimidade e romantismo são diferentes: "Elas querem muitos jantares a dois, com longas conversas sobre a relação, em que o homem verbalize seus sentimentos. Isso pode causar pavor neles, que cortam o papo perguntando onde é o motel mais próximo". Segundo ele, um bom modo de se manter sintonizada com o parceiro é estar junto quando ele sai com amigos. "A mulher que souber abrir mão da exclusividade em troca desses momentos conhecerá melhor o parceiro e acessará mais facilmente suas emoções."

Ausência de desejo

No consultório da psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, é bastante comum as pacientes com relacionamentos de mais de três anos reclamarem que não sentem desejo. "Elas chegam dizendo que não têm mais orgasmo", conta a médica. Primeiro, ela trata de checar se não há nenhuma causa orgânica, como questões hormonais, uso de anticoncepcionais ou antidepressivos que baixam a libido. Se algum desses problemas for diagnosticado, todos podem ser tratados e resolvidos. Caso não seja nada disso, a investigação muda de rumo. "É preciso olhar os conflitos da relação estável, em que um dos maiores desafios é manter o repertório sexual atualizado", afirma Carmita. "Não é raro o casamento amornar à medida que o trabalho continua exigindo superações e conquistas. A mulher joga a libido onde tem mais conquistas a fazer e mais gratificação a obter. Às vezes, a relação é insatisfatória mesmo, e vamos descobrindo isso juntas."

Ruídos de comunicação

Varrer os problemas para debaixo do tapete é algo bem nocivo para a relação. "As mulheres são as rainhas de discutir a relação, do 'senta aí que você precisa ouvir umas verdades'. Claro que, assim, eles fogem", avalia Lidia Aratangy. "Mas aí os conflitos ficam guardados e o marasmo se instala no relacionamento e também no sexo. Não adianta ir para o melhor motel se cada um não se dispõe a falar e ouvir o outro sobre o que incomoda." Para Lidia, os homens hoje têm menos pudor de mostrar suas emoções e sensibilidade, estão mais inteiros em tudo e topam conversas mais sutis. "Eles aprenderam a usar a inteligência emocional no trabalho e fazem o mesmo casa." O psiquiatra Luiz Cuschnir concorda em parte: "Muitos ainda temem deixar a imagem de macho racional e não ser aceitos quando se mostrarem mais sensíveis ou expuserem suas fragilidades. Então, o mais indicado é apenas não cobrar que ele se expresse ou discuta a relação da mesma forma que ela faz".

Descuido e falta de higiene dele

Sim, elas esperam pelo menos o básico deles, ou seja, que se cuidem. O marido (ou namorado) não precisa - nem deve, na visão feminina - ser um metrossexual, mas nenhuma mulher admite mais desleixo, muito menos falta de higiene. Não à toa, esse tipo de descontentamento tem ido parar nos consultórios. isso porque muitas pacientes acham demasiadamente embaraçoso ter de pedir a seu homem que tome banho ou corte as unhas dos pés antes de ir para a cama. Lidia Aratangy questiona: "Por que fazer tantos volteios para dizer isso ao marido, sendo que ela faz o mesmo pedindo ao filho três vezes ao dia? De qualquer forma, embora seja uma reclamação banal, a expert acredita que é uma indicação de que algo não vai bem na intimidade do casal. "Quando queixas assim ocupam a sessão de terapia, é preciso questionar se o homem tem espaço na relação para expor sua virilidade ou se não tem e está precisando se impor dessa forma equivocada."

As queixas deles

Carência de safadeza

Eles querem uma atividade mais sem-vergonha. Sonham com uma mulher com quem possam olhar juntos um site pornô ou compartilhar fantasias sem censura. "Isso pode deixar a relação lúdica ou ser um desastre", alerta Lúcia Rosenberg. Ela cita uma paciente presenteada pelo marido com um corpete de renda branca. "Ela o tratou como um perverso! Resultado: afastou-o e reforçou a ideia de que, em casa, é só papai e mamãe. O pudor feminino é ancestral, ainda não foi superado e os dois perdem com isso. "Por outro lado, ela diz, o homem deve entender que a mulher é movida a atenção. "Se ele não se interessar pelo que a parceira faz e pensa, nem a maior ereção do mundo será capaz de seduzi-la."

Ritual excessivo de acasalamento

Uma insatisfação masculina apontada por Paulo de Tarso é a exigência feminina de cumprir todo um ritual para o sexo, que começa com o jantar romântico e só termina no dia seguinte, com um telefonema ou atenção para quem já tem um relacionamento. "Qualquer hesitação nas etapas já fez com que a mulher desaprove o parceiro, até faça cobranças, e ele tende a se retrair", diz Tarso. "Há tanta ansiedade que até os jovens queixam-se de dificuldade de ereção, ejaculação precoce ou demorada." Segundo ele, é fácil um cara não se sentir aprovado, pois as exigências são altas. "Mas, homem ou mulher, só não brocha quem não transa, e tais momentos devem ser encarados com naturalidade."

Ejaculação precoce

A impotência e a ejaculação precoce são os motivos que levam a maioria dos homens a procurar um sexólogo. "Isso ocorre por questões físicas, depressão ou por problemas de autoestima, que podem ser tratados. A sexualidade é muito mais que o bom funcionamento dos genitais e, portanto, não existe uma causa única. Aquele que não se considera à altura da mulher, conquistada às vezes fica inibido, culpado ou tem tanto pânico de não ejacular que nem consegue transar. "O medo facilmente vence o desejo, que é o propulsor da ereção", sintetiza Ailton Amélio. Ou, então, ele chega lá rápido demais. "Isso pode se repetir e virar um trauma. Mas há tratamento", afirma Carmita.

Obsessão dela pela beleza

Os homens andam ressentidos com a fixação feminina por um corpo perfeito. Eles afirmam que, quando a mulher não atinge seus ideais de beleza, há reflexos na cama. "Se não se sente tão bela quanto a mídia manda, o sexo se torna raro ou tem de ser no escuro. E eles reclamam que nem adianta dizer quanto a parceira é amada e gostosa, pois, se tem vergonha do corpo, não vai acender a luz!, conta Lúcia Rosenberg. Para ela, as mulheres devem entender que não são curvas, peitos ou bumbum que contam, mas "a sedução e o encontro". Os homens também reclamam da obsessão por trabalho e até pelos cuidados com a casa e os filhos. "Aí é preciso cuidar da compulsão e diversificar as atividades."

A queixa dos dois

Falta de tempo 

Essa é a principal reclamação das duas partes dos casais, que hoje precisam encarar um ritmo acelerado, com mil prioridades, e se esquecem de namorar, conversar sem compromisso e  transar fazendo barulho. "Mas isso tem solução: para o bem da relação, é preciso criar um tempo privê, sem criança, celular ou outras demandas", sugere Lúcia Rosenberg. "Quem não tem empregada pode contratar uma baby-sitter e garantir estar na companhia do parceiro com calma e à vontade pelo menos uma vez por semana. Do contrário, a intimidade original não sobrevive e a solidão se instala."




(texto publicado na revista Claudia nº 4 - ano 53 - abril de 2011)
























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