sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Seja dona do seu tempo - Dagmar Serpa


Os dias parecem curtos para tantas tarefas? Você vive afobada e frustrada? Aqui, especialistas ensinam a gerenciar a agenda para ter um cotidiano mais eficiente, mais humano e mais feliz

Ter mais tempo para as coisas importantes da vida é o terceiro maior desejo dos brasileiros, de acordo com uma pesquisa realizada no começo deste ano em diferentes regiões do país. Na outra face da mesma moeda, a falta de tempo é a terceira maior preocupação, atrás das finanças pessoais e dos rumos da carreira. Basta olhar para a própria rotina e também a alheia para constatar que, de fato, uma agenda mais equilibrada virou gênero de primeira necessidade com pouca oferta no mercado. Todo mundo anda trabalhando e correndo demais - e se frustrando com isso. Afinal, o que está havendo com o relógio?

"É óbvio que as horas não estão passando mais rápido. Então, são as pessoas que estão usando mal o tempo, lotando-o com coisas que não têm relevância", decreta Christian Barbosa, um dos maiores especialistas nacionais no tema, diretor da Triad PS, consultoria responsável pela citada pesquisa. Autor de livros como Você, Dona do seu Tempo (Gente), ele admite que, sim, algo mudou e afetou drasticamente a vida de todos: "Hoje, há toda essa tecnologia, que rouba muito do nosso tempo." Segundo outro levantamento do expert, as pessoas empregam, em média, duas horas do dia delas com e-mails.

Parece muito? Pois há ainda o tempo empregado nas redes sociais, nos sites de notícias, nos blogs e em navegações sem destino na internet. Isso sem contar a troca de torpedos e as conversas pelo celular. "A promessa das novas tecnologias é tornar nossa vida mais fácil e eficiente", afirma o americano William Powers, autor de O BlackBerry de Hamlet (Alaúde), livro que entrou para a lista dos mais vendidos do jornal The New York Times logo na primeira semana de publicação nos Estados Unidos e foi lançado neste ano no Brasil. Ok, elas até cumprem o prometido. O problema, acrescenta Powers, é que são utilizadas de modo impensado e exagerado, criando uma espécie de efeito rebote.

"Antes de tudo, é preciso entender que tempo é um paradigma", observa a doutora em filosofia e palestrante Dulce Magalhães, autora de Superdicas para Administrar o Tempo e Aproveitar Melhor a Vida (Saraiva). E continua: "Não é uma quantidade de horas, e sim a forma como vemos essas horas, o que depende do modelo mental de cada um". Assim, pode ser difícil convencer quem acredita firmemente que o lado mais interessante da vida está nas redes sociais e se desconectar um domingo inteiro para curtir uma trilha na mata. Não à toa, os especialistas repetem que fazer um mergulho interior é o primeiro passo para começar a gerenciar melhor a agenda. "Você só conseguirá empregar seu tempo no que gera impacto positivo na sua vida e realmente tem relevância depois de conhecer seus propósitos maiores e valores", justifica Dulce.

Mais um levantamento da consultoria de Barbosa revela que os brasileiros dedicam só 30% são empregados em tarefas circunstanciais e 40% em urgências. Os três ingredientes compõem a teoria da tríade do tempo do expert. Depende do tipo de vida, mas, grosso modo, a esfera da importância inclui compromissos e tarefas que produzem efeito positivo a curto, médio ou longo prazos e até merecem horário marcado. O rol das urgências engloba aquilo que pipoca de repente sem margem para negociação. Não raro, são necessidades que poderiam ser evitadas. É o caso daquela súbita dor nas costas que exige uma ida ao pronto-socorro só porque você faltou a três sessões de acupuntura.

Já as atividades circunstanciais não levam a lugar algum, mas acabam sendo cumpridas por obrigação social, pressões ou até por inércia. Para Barbosa, o ideal seria gastar de 65% a 75% do nosso tempo com as coisas importantes e entre 15% e, no máximo, 25% com as urgências. O grupo das atividades circunstanciais deveria corresponder a menos de 10% das nossas horas. O segredo é manter a vigilância. Por exemplo, as paradas para o café com os colegas no meio do expediente podem ser de grande valia. "Segundo pesquisa, o cérebro é capaz de manter o foco em uma mesma tarefa por até 90 minutos. Depois, a tendência é se cansar e dispersar", diz a psicóloga Andrea Piscitelli, consultora em gestão de pessoas e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV). Assim, pausas com essa frequência são bem-vindas. "Só que, se forem prolongadas demais, a pessoa custa a entrar de novo na tarefa ao retomá-la." Ou seja, se o cafezinho de dez minutos virar um bate-papo interminável, deixará de ser importante para ser desperdício de tempo.

Alegria e leveza

Hoje Marise Berg da Silva, 36 anos, tem certeza de que tira o máximo proveito de seu tempo. Por anos, ela foi gerente de eventos corporativos de uma grande empresa de entretenimento e, como é comum nessa área, trabalhava não só muitas horas por dia como várias noites e fins de semana. "Não sobrava tempo para mais nada", lembra. "Mas eu me sentia feliz, porque adorava o que fazia e o trabalho era prioridade". Isso até conhecer o budismo, a ioga e a ayurveda (a medicina indiana), e algo mudar na sua cabeça. "Descobri que havia outro tipo de felicidade, mais tranquila e duradoura do que a alegria eufórica que estava acostumada a ver nos eventos." De repente, ela se sentiu impelida a estudar a fundo aqueles temas e tratou de abrir espaço na ocupada agenda. "Fui encaixando cursos com cada horário livre." Quando se tornou terapeuta e culinarista ayurvédica, largou o emprego para seguir a nova carreira.

Na vida atual, Marise se divide em três trabalhos. Em São Paulo, onde mora, atende em uma clínica e dá cursos de culinária. No interior, produz e comercializa com o marido frutas vermelhas em um sítio da família. Ainda faz faculdade de nutrição e pratica ioga. "E cuido do meu casamento, de mim, de dois gatos e de pais idosos no Rio de Janeiro", enumera, rindo. Para dar conta, Marise diz que utiliza bem todos os recursos tecnológicos e planeja seus dias. "Mas sem rigor excessivo, pois acho importante executar tudo com alegria, leveza e naturalidade", ressalta. O principal, ela acredita, foi ter aprendido a fazer escolhas. "Se estou em uma semana de provas, posso optar por não ir ao supermercado, e a gente vai se virar comendo o que tem", exemplifica. "E faço isso sem culpa."

Nem todo mundo consegue realizar sozinho o milagre da multiplicação das horas, como faz Marise. Há quem precise de ajuda profissional para conseguir ter uma rotina harmoniosa. Uma vez desvelados os objetivos de vida, a etapa seguinte é transformar o planejamento em hábito. Os experts recomendam primeiro escolher uma ferramenta, seja o Outlook ou a agenda de papel. Depois, é parar regularmente para organizar o futuro imediato. "Não adianta programar só um dia. Tem de ser pelo menos três, embora o ideal seja pensar na próxima semana inteira", enfatiza Barbosa. A psicóloga Andrea é mais flexível e acha que fazer à noite a lista das atividades do dia seguinte já é melhor do que nada. "O importante é que o planejamento seja factível. Não funciona anotar uma série de tarefas que não podem ser cumpridas", alerta Andrea. "Querer ser super-heroína só causa frustração."

Não é uma postura incomum. "Além de terem a tendência de pensar mais nos outros que em si, as mulheres costumam querer abraçar t udo, o que é humanamente impossível", analisa a consultora e palestrante americana Ruth Klein, autora de Segredos de Administração do Tempo para a Mulher Que Trabalha (Harbra). "É preciso aprender a escolher o que vale a pena fazer e a delegar as tarefas que roubam energia."

Optar e entregar-se

Uma dica ao planejar o dia é nunca preencher todos os horários. É recomendável deixar livres de 25% a 30% das horas úteis para encaixar as urgências, como o relatório pedido "para ontem" pelo chefe, e os eventos circunstanciais, a exemplo da parada durante o expediente para cantar Parabéns a Você para a colega. Outra é incluir na programação não só as tarefas do trabalho mas também a manicure e o pilates. "Não dá para separar o profissional do pessoal, pois o que temos para gerir é uma vida", avisa Barbosa.

Para conseguir cumprir o planejado, será necessário aprender a dizer "não" sem achar que está cometendo um crime. Se seu dia no trabalho está apertado e você quer terminar cedo para se arrumar para um jantar especial, não se sinta culpada em dizer ao colega que não pode ler o e-mail que ele pretende mandara ao cliente e opinar sobre seu teor. No entanto, feitas suas escolhas, entregue-se. "É essencial estar verdadeiramente presente em cada atividade", afirma Branca Barão, palestrante e colaboradora do portal Carreira & Sucesso, publicação do site de empregos Catho Online. Não adianta ir para casa cedo para brincar com o filho e ficar pendurada no telefone resolvendo questões do escritório.

A correria gera ansiedade. "Por si só, ela é até positiva, porque nos faz avançar!, diz a médica Alexandrina Meleiro, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. É essa expectativa do que está prestes a acontecer que leva uma pessoa a estudar para um concurso ou a se preparar para uma apresentação. "Quando atinge picos, porém, a ansiedade passa a ser algo negativo", explica Alexandrina. Aí ela afeta a mente e corpo, causando de dores de cabeça, nas costas e nas articulações a aumento da pressão arterial, alterações no sono, gastrite e úlcera, principalmente quando se torna crônica.

Verdade ou pretexto?

Além de ser medida preventiva contra tudo isso, uma eficiente administração do tempo gera um bônus: de repente, começam a surgir brechas na agenda. É possível que, em um primeiro momento, você nem saiba o que fazer com elas. Tudo bem. "Não é necessário arranjar um uso para cada minuto livre", alerta a socióloga e consultora americana Jan Yager, autora de Trabalhe Menos, Faça Mais (Gente). "Mas não ter ao menos algumas metas pessoais torna a vida meio sem graça."

Uma rotina equilibrada cria a oportunidade que faltava para retomar velhos desejos. Vale aproveitar. Se mesmo assim você continuar achando que ainda não dá para ter um hobby ou fazer aquela especialização tão primordial para sua promoção, talvez exista algo mais para ser investigado. Não é raro que a falta de tempo seja só uma desculpa, para si e para os outros. Afinal, diante da correria geral, trata-se de uma alegação até plausível para esconder inseguranças, incertezas, preguiça ou acomodação. "Daí ser tão fundamental fazer uma reflexão sobre suas reais aspirações e repeti-la uma vez por ano, já que mudam", opina Marcia Palmeira, diretora de talent da consultoria Right Management. Segundo ela, quando uma pessoa tem clareza do que quer e julga essencial incluir certa atividade na já atribulada rotina, arranja um jeito de fazer isso. "Nem que seja de madrugada." O problema é que, na prática, pode não ser tão simples. "Se o exercício do 'não' é difícil, praticar o do 'sim' é ainda mais complicado, e a gente tende a protelar", avalia Dulce Magalhães. "Mas é preciso tentar, pois, se não abro espaço para as coisas que desejo, como posso esperar que elas aconteçam na minha vida?"

As horas e seus 4 ladrões

1) Procrastinação

A mania de adiar tudo até o limite do prazo não é só perda de tempo, mas de qualidade. "O que vai colocá-la nos eixos é tomar consciência de que está postergando e descobrir os motivos disso", diz a socióloga americana Jan Yager.

2) Perfeccionismo

Auto-exigências excessivas fazem qualquer tarefa nunca ter fim. "É o medo de decepcionar os outros e a si mesma que faz a pessoa não querer terminar", analisa a psiquiatra Alexandrina Meleiro. "Aceite seus limites e os da realidade."

3) Desorganização

Coisas fora do lugar ou realizadas sem método algum atrasam a vida. "Ganha tempo quem tem o armário bem organizado, com produções já montadas, e põe a chave do carro sempre no mesmo lugar", diz a psicóloga brasileira Andrea Piscitelli.

4) Tecnologia

A internet captura a atenção e faz esquecer a vida. Pesquisa revelou que 84,6% dos brasileiros acessam as redes sociais no trabalho. Já 80,9% enrolam até duas horas durante o expediente em tarefas como fuçar sites de compras e jogar online.



(texto publicado na revista Claudia nº 8 - ano 51 - agosto de 2012)


















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