quinta-feira, 31 de julho de 2014
Nuno Cobra revela seus segredos
Você precisa ter o equilíbrio das suas emoções para usar o estresse nas horas necessárias em que você precisa exuberar diante da vida.
Trabalhando há mais de quarenta anos com o corpo e a alma de esportistas, atletas e muitos executivos, Nuno Cobra tem jeito de mineiro e não gosta de chamar a atenção. Mas teve um homem que ele modelou, transformou num herói como o Brasil nunca teve: Ayrton Senna. Depois desses dez anos com Ayrton, ficou difícil segurar sua mineirice discreta. Como um poeta, um Guimarães Rosa do desempenho e da performance, Nuno estimula o melhor nas pessoas, em todos os sentidos, fazendo com que elas "exuberem".
O método Nuno Cobra é poderoso, com muito conhecimento de causa, englobando desenvolvimento cardiorespiratório, desenvolvimento muscular, concentração mental e meditação. Sua linguagem é diferente das outras pessoas - não é pasteurizada, globalizada. Ele cria termos, poetando o todo. Isso mobiliza muito, pois além da técnica invejável que pratica, é impossível não se apaixonar por ele.
Aqui, neste depoimento exclusivo, Nuno abre seu jogo e conta detalhes do seu trabalho:
"O estresse é um mecanismo fisiológico da maior importância na sobrevivência do ser humano. O estresse é o nosso melhor amigo, porque é baseado em substâncias hormonais de alta densidade, de qualidade exuberante, que levam o indivíduo a reagir, num determinado momento, diante de um desafio, com todas as suas forças - o que sem o estresse, nós não faríamos! O que é uma atividade estressante? É o momento em que você tem que desviar de uma criança atravessando a rua, é o momento em que você tem que criar uma situação para salvar a sua vida, para salvar a vida de alguém. Ou reagir melhor a uma entrevista...isso é um estresse benéfico! Por exemplo, você vai ser entrevistada. De repente jogam um foco de luz na sua cara, você está no ar. É um estresse! Quantas pessoas não sentem estresse quando são colocadas em xeque - é a questão do desempenho.
Desempenho sem estresse é impossível, fisiologicamente, na raiz da razão científica. O mal do estresse é a pessoa que não tem uma intelectualidade emocional porque não tem uma intelectualidade do movimento - todo mundo fala da inteligência emocional, mas não se fala como se consegue isso - que depende da inteligência do movimento. No domínio do seu movimento é que você se torna capaz. O entendimento da razão de que você consegue. Se você conseguir emagrecer, se você conseguir mudar seu corpo, se você consegue fazer peitoral, dar braço (nesse momento Nuno me faz sentir o seu bíceps - forte como aço), sabe que é capaz, acredita em si mesmo. Aí passa a ter uma intelectualidade emocional mais desenvolvida, porque tudo em nós é desenvolvido mais ou menos de acordo com o exercício, até os nossos hábitos. O exercício de uma ação vira um hábito, o exercício de um hábito vira um vício. Se o cara trabalha, se estressa, ele levou aquele hábito até às últimas consequências - ele criou um vício.
O estresse é benéfico, mas se for levado às últimas consequências, vira a pior arma que existe, no conceito de saúde. O estresse, em alta densidade, chega a destruir suas moléculas básicas, da proteína essencial. A sua vida! Um estresse permanente acaba com tudo. Ele que cria um câncer e todas as doenças, desde uma simples úlcera até as maiores atrapalhações possíveis. É estresse que dá a diabetes, é o estresse que dá a hipertensão. Mas não confunda com o estresse fisiológico, normal e benéfico, para que as pessoas exuberem perante a vida. Você precisa ter o equilíbrio das suas emoções para usar esse estresse nas horas necessárias em que você precisa exuberar diante da vida, dos seus desafios. Agora, se estiver numa selva, com leão pra tudo quanto é lado, você vai viver um estresse permanente e no final de pouco tempo você vai cair dura... O estresse é aquela gota de adrenalina que cai na sua corrente circulatória para você correr de um leão e subir numa árvore rápido. Nós estamos aqui, vivos, por essa capacidade de estresse dos nossos ancestrais. A adrenalina, a noradrenalina, a betaendorfina, em alguns momentos, fantásticos, atuam até no parto, onde de repente a pessoa não sente dor, porque a betaendorfina é a morfina endógena, um opiácio criado pelo organismo. Qualquer um pode encontrar esse êxtase que sentiu o Ayrton Senna, o poder dele se encontrar, de se envolver com ele mesmo... pela própria prática do trabalho físico. Mas o que é importante é a pessoa administrar esse estresse. E o que é isso? É ter suficiente razão da importância do domínio da sua intelectualidade emocional, para saber que horas você tem que entrar em meditação, na sua tranquilidade. Dizem que eu sou a tranquilidade em pessoa, mas eu tenho meus momentos de estresse, altamente compensados. Tem que ter a compensação do estresse, porque seu organismo pede paz... O homem precisa de paz, de tranquilidade. Para não chegar ao momento em que você já está entregue ao vício do estresse permanente, que têm alta responsabilidade e se acham insubstituíveis, imbatíveis, pensando que vão resolver os problemas do mundo... Os insubstituíveis já foram substituídos há muito tempo...
Eles têm que se poupar, ter o equilíbrio - o Sol e a Lua, o claro e o escuro, fazendo conviver o trabalho e o repouso, a tranquilidade. Essa é a minha orientação, que consigo com meus atletas, com calma. Tenho que fazer você buscar seus momentos, criados na marra... quando o Ayrton teve aquele problema com Balestre, eu o fazia ouvir música obrigatoriamente, uma vez a cada hora. Se ele estava numa discussão, num negócio, tocava um alarme e ele dizia com licença e ia se isolar para ouvir sua música. Mas por que eu consegui isso? Porque o Ayrton era um cara que acreditou em mim. Quando eu falava que ele tinha que dormir ele dormia, quando eu falava que ele tinha que comer coisas boas ele comia. Eu falava que ele tinha que ter uma alta alimentação mental e ele tinha! Eu dizia que ele tinha que escutar música e ele escutava! A música é o que mais nos leva ao oposto do estresse! Nos faz caminhar nas nuvens, visitar os deuses, tomar um cafezinho com Deus... Ser recebidos na sala de visita de Nossa Senhora, se você é católica... ou de Buda, se você é budista... Você conversa com Deus... A terapia do estresse com Ayrton era a música!
O estresse tem que ser combinado através de momentos que você cria, que você faz acontecer. Saindo do dia a dia, se fechando, desligando todos os telefones, e fazendo essa meditação que você sabe, tão bem quanto eu, o bem que ela faz. É a única hora em que nós repousamos o nosso cérebro, porque mesmo quando nós dormimos o cérebro não descansa, fabricando aqueles hormônios que vão revitalizar nossas células... Então precisamos dormir no máximo às 22h30, porque às 23h00 é a hora do fígado, da vesícula, do pâncreas, se desintoxicarem, limparem a sua pele, rejuvenescerem você...
É necessário estabelecer um equilíbrio entre o estado estressante e o estado meditativo. A batalha que temos que enfrentar na hora de uma boa performance, e a necessidade de paz, de tranquilidade, para que você tenha também uma boa performance. Isso é um trabalho exercitável, desenvolvível, que é a minha especialidade, com atletas de alta performance. Tem o dia, tem o sol, e tem o repouso. A Ayrton, por exemplo, aprendeu a meditar, aprendendo primeiro a respirar, porque as pessoas não sabem respirar, tem que começar por aí. Depois, aprender a relaxar, porque as pessoas não sabem relaxar. Depois, precisa aprender a se interiorizar, se aceitar, estar consigo mesmo, e isso ser prazeroso. As pessoas fogem de si mesmas. Chegam em casa, ligam a televisão, pegam o telefone, como se encontrar a si mesmos fosse a pior coisa do mundo... Aí tem que aprender a meditar, o que é dificílimo! Com o Christian Fittipaldi, fiquei vários meses, quase dois anos, e ele dizia:
- "Nuno, correr uma hora está um espetáculo, estou levantando 70 quilos, agora esse negócio de não pensar em nada não vai!"
Mas não é para pensar em nada! O pensamento vem, o pensamento vai, não se incomode com ele... não se preocupe! Você começa e pensar que não pode pensar, e aí enrola tudo. Lembra como você era franzino, que caminhar pra você era uma agressão, e você fez exercícios para o seu coração? Lembra que você era fraquinho, gordo, balofo, gago, inseguro, flácido? Você não fez musculação (Nuno tem um método de musculação natural, com barras fixas), não dá oitavas na barra, peitorais? Olha que braço lindo... Agora está na hora de fazer exercício com a sua cabeça...
Uma das coisas mais importantes para o estresse é o trabalho físico - quanto mais você está envolvido com o seu corpo, mais a sua mente está sossegada... É por isso que se fala que a corrida é uma meditação ativa. Quanto mais você estiver envolvido com o seu corpo físico, mais você está relaxado com seu corpo mental... A atividade com o corpo físico é uma oportunidade que você tem de estar dando aquela compensação para o seu corpo mental. O Ayrton levou muitos anos para aprender a meditar. Mas ele tinha um cerimonial que a gente criou antes da corrida, onde ele ficava horas sozinho. As pessoas perguntavam o que ele fazia antes... Ele fazia um aprofundamento mental, onde a meditação começava com a respiração, com o relaxamento, levando-o a atingir uma alta densidade mental. Em alguns momentos essa profundidade foi de tal ordem que ele conquistou estados além do estado de Alpha. Ele contava 5-4-3-2-1 e estava em Alpha! Foram anos e anos, de lutas e exercícios. Meu método é baseado na prática, no exercício. Há muitos terapeutas em SP, psiquiatras famosos, que mandam clientes para mim quando quando compreendem que o paciente não tem mais jeito, o cara está há sete anos fazendo terapia, sabe tudo - mas na cabeça.
"Agora só com o Nuno, não tem mais jeito..."
Você tem que vivenciar com o seu corpo uma realidade concreta, em que você se transforma, se modifica, executa, faz... nada toca tanto seu centro de entendimento, sua razão, como algo acontecido, realizado. Por isso, há necessidade de exercitar. Agora não pensei você que o Ayrton ia para o grid de largada assobiando, nas nuvens. Ele ia numa busca, com a adrenalina e os hormônios em alta performance, para que ele pudesse resplandecer. Ele tinha quatro jogos de pneus, dois de verdade e dois na cabeça dele. Ele ficava tão concentrado que era capaz de saber a quantos giros estava o carro que ele tinha acabado de ultrapassar.
O método Nuno Cobra começa na parte cardiovascular, depois trabalha a parte muscular localizada, para então chegar na meditação, composta de mentalização, programação mental e relaxamento.
Eu sempre tive ideias um tanto arrojadas. Isso fez com que eu me afastasse do academicismo. O meu método é usar o corpo para chegar na mente das pessoas. Porque devemos viver na exuberância do ser. Devemos usar o corpo para caminhar em direção ao espírito, senão não há função nenhuma...
Imagina falar isso em 1950, 60 - falar que chegávamos ao cérebro pelo músculo e ao espírito pelo corpo...
Era a época do intelecto, da razão matemática, dedutiva. Então eu, que tinha procurado o caminho do corpo, era um pária. Quando fui fazer Educação Física, em 57, percebi que meus colegas também não entendiam, porque eles ficavam no corpo pelo corpo... veja hoje os personal trainers - ele ficam lá fazendo essa malhação... Eu dizia já em 1960 que malhar era para Judas... que o corpo se tratava com carinho, com cuidado, com muita atenção... É claro que você é fruto de 5 milhões de anos que vêm sendo caminhados pelo homem na face da Terra. Você necessita de movimento. Seu coração é atrofiado pela sociedade moderna, que aleijou o homem, tornando-o sedentário. Que tipo de movimento precisa ter o seu coraçãozinho para ele reagir, se transformar e se desenvolver? É muito particular ao seu estado.
As pessoas usam escadas rolantes, nem uma escada sobem mais! A escada cata o cara aqui e joga lá em cima como se fosse um pacote... Aí ele senta numa cadeira e toma um cafezinho... essa é a nossa sociedade. Então você precisa de um trabalho de corpo, mas... qual trabalho? Não é o corpo pelo corpo, mas uma coisa que o leve a tirar de dentro de si essa magnificência dada por Deus a todas as pessoas, impedida de florescer pela própria sociedade castradora, tirando dele a criatividade, a beleza, amor, a crença nele mesmo. Deus não criou ninguém para ser um desacerto, para dar errado, para ser doente, para ser infeliz. A sociedade é que deturpa a característica divina que carregamos no fundo da alma. Meu método é explorar a potencialidade das pessoas, resgatando nelas as suas raízes de beleza, de certeza, de triunfo, de alegria, de saúde. Já tenho 45 anos de trabalho, e comecei comigo mesmo. Quando eu modifiquei meu corpo, eu descobri que modifiquei minha mente. Percebi que tinha mais segurança, mais autoestima. Eu fiz acontecer, tenho um curriculum vivo das pessoas que eu pude tocar, e desenvolver nelas essa coisa maravilhosa. Eu não dei nada para ninguém, eu não dei nada para o Ayrton! Eu explorei continuadamente essa coisa esplendorosa que ele tinha, do potencial extraordinário. Eu fui um consultor, um argumentador científico, que dizia: "Você tem que dormir mais cedo, duas da manhã é muito tarde!" Levei muitos meses para convencê-lo a dormir mais cedo, até que um dia eu liguei para a portuguesa que cuidava dele; eram 21h30 e ele já estava dormindo! Não porque eu tinha pedido, mas porque ele tinha se esmerado durante o dia e precisa de repouso do animal que nós somos... Esse animal que é contrariado quando não tem prazer, quando não se alimenta de nutrientes verdadeiros, mas de comida degradada, venenosa, deturpada por tanta química. Hoje temos um arroz que não é arroz, um açúcar que não é açúcar...
Eu estudei sociologia, psicologia, filosofia. Trabalhei com excepcionais e desenvolvi um trabalho baseado no movimento, na inteligência do movimento, chegando à intelectualidade emocional. Noutro dia sonhei com eles, quando estava na Suécia, num campeonato de tênis de mesa. Porque eu os modelei e enquanto modelava o corpo, eu modelava o espírito, a mente, as emoções. Foi um trabalho espetacular e três anos depois eles estavam completamente diferentes. Depois trabalhei com presidiários. Mas a raiz do meu trabalho foi o tênis. O cara que vence não é o melhor, mas o que acredita que é o melhor... Assim formei tenistas campeões. Desenvolvia o coração dos meus alunos, eles corriam pela quadra como loucos. Depois montei a "Nuno's Place". Consegui ótimos resultados com meus atletas, homens das mais variadas profissões e problemas - síndrome do pânico, câncer, hipertensão, sedentarismo, obesidade. Eles conseguiram tanto esplendor! Isso me dava uma energia extraordinária...
O pensamento positivo é um vírus, ele contamina o ambiente. Você passa para as pessoas coisas bonitas e coisas negativas. A gente é o que a gente pensa! A gente vai até onde a gente acha que vai; com isso, eu fiz muita gente ir mais longe do que elas pensavam no início... Com toques psicológicos, mentais, eu fiz com que pessoas atingissem graus com os quais elas nunca podiam sonhar.
Até que um dia aparece um rapaz franzino, nervoso, inquieto - Ayrton Senna. Eu não conhecia, não sabia o que era Fórmula Três, achava que era vela, porque naquela época eu trabalhava muito com vela. Ele disse que tinha problema no coração. O que esse garoto quer, eu pensei. Aí eu fiz tudo quanto era exame, ele não tinha nada e comecei o trabalho com ele, explorando através do corpo outros corpos... o espiritual, o mental, o emocional. Trabalhei mais de dez anos com ele. Às vezes, nós somos os nosso próprios inimigos. Assim foi com Rubinho Barrichello, Christian Fittipaldi - todos eles tinham um inimigo interno. O trabalho mais lindo que fiz foi com o Mika Hakkinen, o campeão mundial. O Christian chegou para mim e pediu: "Nuno, você que é feiticeiro, mágico, faz alguma coisa com ele, que está péssimo". Conversei com o cara uma hora e meia. Era em Silverstone e ele estava maluco, perdido, raivoso, desnorteado, possesso. Ele tinha um inimigo, um outro companheiro de escuderia que ele precisava eliminar da sua mente. Fui falando naquele inglês acaipirado e o convenci que ele não tinha nenhum inimigo, mas que estava perdendo as próprias energias de tanta raiva... Quando ele venceu a primeira competição, ele dedicou a vitória ao técnico e a mim, dizendo que eu tinha mudado a sua vida. Que eu o tinha ensinado a se concentrar... Se ele está tendo esses resultados, como campeão mundial, ele diz que a raiz, o miolo do vencedor, se fez nesse momento, quando nós conversamos profundamente. Teve um ano, 1991, que minha filha chama de trilegal: Rubinho foi campeão da Fórmula 3, o Christian foi campeão da Fórmula 3 Intercontinental e o Ayrton foi campeão da Fórmula 1 e tricampeão também!
Hoje, trabalho com empresários, pessoas normais. Eu os chamo de atletas também. Eles viram atletas, modificando o físico e a alma. Tudo é uma questão de treino.
É necessário estabelecer um equilíbrio entre o estado estressante e o estado meditativo. A batalha que temos que enfrentar na hora de uma boa performance, e a necessidade de paz, de tranquilidade, para que você tenha também uma boa performance. Isso é um trabalho exercitável, desenvolvível, que é a minha especialidade, com atletas de alta performance. Tem o dia, tem o sol, e tem o repouso. A Ayrton, por exemplo, aprendeu a meditar, aprendendo primeiro a respirar, porque as pessoas não sabem respirar, tem que começar por aí. Depois, aprender a relaxar, porque as pessoas não sabem relaxar. Depois, precisa aprender a se interiorizar, se aceitar, estar consigo mesmo, e isso ser prazeroso. As pessoas fogem de si mesmas. Chegam em casa, ligam a televisão, pegam o telefone, como se encontrar a si mesmos fosse a pior coisa do mundo... Aí tem que aprender a meditar, o que é dificílimo! Com o Christian Fittipaldi, fiquei vários meses, quase dois anos, e ele dizia:
- "Nuno, correr uma hora está um espetáculo, estou levantando 70 quilos, agora esse negócio de não pensar em nada não vai!"
Mas não é para pensar em nada! O pensamento vem, o pensamento vai, não se incomode com ele... não se preocupe! Você começa e pensar que não pode pensar, e aí enrola tudo. Lembra como você era franzino, que caminhar pra você era uma agressão, e você fez exercícios para o seu coração? Lembra que você era fraquinho, gordo, balofo, gago, inseguro, flácido? Você não fez musculação (Nuno tem um método de musculação natural, com barras fixas), não dá oitavas na barra, peitorais? Olha que braço lindo... Agora está na hora de fazer exercício com a sua cabeça...
Uma das coisas mais importantes para o estresse é o trabalho físico - quanto mais você está envolvido com o seu corpo, mais a sua mente está sossegada... É por isso que se fala que a corrida é uma meditação ativa. Quanto mais você estiver envolvido com o seu corpo físico, mais você está relaxado com seu corpo mental... A atividade com o corpo físico é uma oportunidade que você tem de estar dando aquela compensação para o seu corpo mental. O Ayrton levou muitos anos para aprender a meditar. Mas ele tinha um cerimonial que a gente criou antes da corrida, onde ele ficava horas sozinho. As pessoas perguntavam o que ele fazia antes... Ele fazia um aprofundamento mental, onde a meditação começava com a respiração, com o relaxamento, levando-o a atingir uma alta densidade mental. Em alguns momentos essa profundidade foi de tal ordem que ele conquistou estados além do estado de Alpha. Ele contava 5-4-3-2-1 e estava em Alpha! Foram anos e anos, de lutas e exercícios. Meu método é baseado na prática, no exercício. Há muitos terapeutas em SP, psiquiatras famosos, que mandam clientes para mim quando quando compreendem que o paciente não tem mais jeito, o cara está há sete anos fazendo terapia, sabe tudo - mas na cabeça.
"Agora só com o Nuno, não tem mais jeito..."
Você tem que vivenciar com o seu corpo uma realidade concreta, em que você se transforma, se modifica, executa, faz... nada toca tanto seu centro de entendimento, sua razão, como algo acontecido, realizado. Por isso, há necessidade de exercitar. Agora não pensei você que o Ayrton ia para o grid de largada assobiando, nas nuvens. Ele ia numa busca, com a adrenalina e os hormônios em alta performance, para que ele pudesse resplandecer. Ele tinha quatro jogos de pneus, dois de verdade e dois na cabeça dele. Ele ficava tão concentrado que era capaz de saber a quantos giros estava o carro que ele tinha acabado de ultrapassar.
O método Nuno Cobra começa na parte cardiovascular, depois trabalha a parte muscular localizada, para então chegar na meditação, composta de mentalização, programação mental e relaxamento.
Eu sempre tive ideias um tanto arrojadas. Isso fez com que eu me afastasse do academicismo. O meu método é usar o corpo para chegar na mente das pessoas. Porque devemos viver na exuberância do ser. Devemos usar o corpo para caminhar em direção ao espírito, senão não há função nenhuma...
Imagina falar isso em 1950, 60 - falar que chegávamos ao cérebro pelo músculo e ao espírito pelo corpo...
Era a época do intelecto, da razão matemática, dedutiva. Então eu, que tinha procurado o caminho do corpo, era um pária. Quando fui fazer Educação Física, em 57, percebi que meus colegas também não entendiam, porque eles ficavam no corpo pelo corpo... veja hoje os personal trainers - ele ficam lá fazendo essa malhação... Eu dizia já em 1960 que malhar era para Judas... que o corpo se tratava com carinho, com cuidado, com muita atenção... É claro que você é fruto de 5 milhões de anos que vêm sendo caminhados pelo homem na face da Terra. Você necessita de movimento. Seu coração é atrofiado pela sociedade moderna, que aleijou o homem, tornando-o sedentário. Que tipo de movimento precisa ter o seu coraçãozinho para ele reagir, se transformar e se desenvolver? É muito particular ao seu estado.
As pessoas usam escadas rolantes, nem uma escada sobem mais! A escada cata o cara aqui e joga lá em cima como se fosse um pacote... Aí ele senta numa cadeira e toma um cafezinho... essa é a nossa sociedade. Então você precisa de um trabalho de corpo, mas... qual trabalho? Não é o corpo pelo corpo, mas uma coisa que o leve a tirar de dentro de si essa magnificência dada por Deus a todas as pessoas, impedida de florescer pela própria sociedade castradora, tirando dele a criatividade, a beleza, amor, a crença nele mesmo. Deus não criou ninguém para ser um desacerto, para dar errado, para ser doente, para ser infeliz. A sociedade é que deturpa a característica divina que carregamos no fundo da alma. Meu método é explorar a potencialidade das pessoas, resgatando nelas as suas raízes de beleza, de certeza, de triunfo, de alegria, de saúde. Já tenho 45 anos de trabalho, e comecei comigo mesmo. Quando eu modifiquei meu corpo, eu descobri que modifiquei minha mente. Percebi que tinha mais segurança, mais autoestima. Eu fiz acontecer, tenho um curriculum vivo das pessoas que eu pude tocar, e desenvolver nelas essa coisa maravilhosa. Eu não dei nada para ninguém, eu não dei nada para o Ayrton! Eu explorei continuadamente essa coisa esplendorosa que ele tinha, do potencial extraordinário. Eu fui um consultor, um argumentador científico, que dizia: "Você tem que dormir mais cedo, duas da manhã é muito tarde!" Levei muitos meses para convencê-lo a dormir mais cedo, até que um dia eu liguei para a portuguesa que cuidava dele; eram 21h30 e ele já estava dormindo! Não porque eu tinha pedido, mas porque ele tinha se esmerado durante o dia e precisa de repouso do animal que nós somos... Esse animal que é contrariado quando não tem prazer, quando não se alimenta de nutrientes verdadeiros, mas de comida degradada, venenosa, deturpada por tanta química. Hoje temos um arroz que não é arroz, um açúcar que não é açúcar...
Eu estudei sociologia, psicologia, filosofia. Trabalhei com excepcionais e desenvolvi um trabalho baseado no movimento, na inteligência do movimento, chegando à intelectualidade emocional. Noutro dia sonhei com eles, quando estava na Suécia, num campeonato de tênis de mesa. Porque eu os modelei e enquanto modelava o corpo, eu modelava o espírito, a mente, as emoções. Foi um trabalho espetacular e três anos depois eles estavam completamente diferentes. Depois trabalhei com presidiários. Mas a raiz do meu trabalho foi o tênis. O cara que vence não é o melhor, mas o que acredita que é o melhor... Assim formei tenistas campeões. Desenvolvia o coração dos meus alunos, eles corriam pela quadra como loucos. Depois montei a "Nuno's Place". Consegui ótimos resultados com meus atletas, homens das mais variadas profissões e problemas - síndrome do pânico, câncer, hipertensão, sedentarismo, obesidade. Eles conseguiram tanto esplendor! Isso me dava uma energia extraordinária...
O pensamento positivo é um vírus, ele contamina o ambiente. Você passa para as pessoas coisas bonitas e coisas negativas. A gente é o que a gente pensa! A gente vai até onde a gente acha que vai; com isso, eu fiz muita gente ir mais longe do que elas pensavam no início... Com toques psicológicos, mentais, eu fiz com que pessoas atingissem graus com os quais elas nunca podiam sonhar.
Até que um dia aparece um rapaz franzino, nervoso, inquieto - Ayrton Senna. Eu não conhecia, não sabia o que era Fórmula Três, achava que era vela, porque naquela época eu trabalhava muito com vela. Ele disse que tinha problema no coração. O que esse garoto quer, eu pensei. Aí eu fiz tudo quanto era exame, ele não tinha nada e comecei o trabalho com ele, explorando através do corpo outros corpos... o espiritual, o mental, o emocional. Trabalhei mais de dez anos com ele. Às vezes, nós somos os nosso próprios inimigos. Assim foi com Rubinho Barrichello, Christian Fittipaldi - todos eles tinham um inimigo interno. O trabalho mais lindo que fiz foi com o Mika Hakkinen, o campeão mundial. O Christian chegou para mim e pediu: "Nuno, você que é feiticeiro, mágico, faz alguma coisa com ele, que está péssimo". Conversei com o cara uma hora e meia. Era em Silverstone e ele estava maluco, perdido, raivoso, desnorteado, possesso. Ele tinha um inimigo, um outro companheiro de escuderia que ele precisava eliminar da sua mente. Fui falando naquele inglês acaipirado e o convenci que ele não tinha nenhum inimigo, mas que estava perdendo as próprias energias de tanta raiva... Quando ele venceu a primeira competição, ele dedicou a vitória ao técnico e a mim, dizendo que eu tinha mudado a sua vida. Que eu o tinha ensinado a se concentrar... Se ele está tendo esses resultados, como campeão mundial, ele diz que a raiz, o miolo do vencedor, se fez nesse momento, quando nós conversamos profundamente. Teve um ano, 1991, que minha filha chama de trilegal: Rubinho foi campeão da Fórmula 3, o Christian foi campeão da Fórmula 3 Intercontinental e o Ayrton foi campeão da Fórmula 1 e tricampeão também!
Hoje, trabalho com empresários, pessoas normais. Eu os chamo de atletas também. Eles viram atletas, modificando o físico e a alma. Tudo é uma questão de treino.
(texto publicado na revista Planeta Meditação nº 9)
Um café com Simon Kuper: O sorriso em meio à bagunça do futebol - Marco Bezzi
Estudioso acredita que grandes eventos esportivos, como a Copa, são capazes de gerar uma onda de felicidade nas pessoas por anos. Será?
O britânico Simon Kuper decidiu misturar futebol e economia ao coescrever o livro Soccernomics (ed. Tinta Negra). Kuper descobriu em suas pesquisas que um evento como as Olimpíadas ou a Copa do Mundo não faz um país mais rico. Mas o faz mais feliz. "Os políticos ainda preferem usar apenas a linguagem do dinheiro quando sediam um grande evento. Falar sobre felicidade parece algo menos", diz. Segundo Kuper, após o Mundial, mesmo com os seguidos protestos contra sua realização, o Brasil deve ser atingido pelo mesmo efeito verificado em estudos como o do instituto Eurobarometer, que submete os cidadãos europeus a pesquisas sobre felicidade há 40 anos. Uma grande amostra dos pesquisadores na Europa, após grandes eventos esportivos, se dizia mais feliz, algo que seria apenas possível com um aumento de salário substancial.
Como funciona a ciência da felicidade após um grande evento esportivo?
Em países europeus, as pessoas reportaram uma maior satisfação com a vida após seu país abrigar uma Copa ou um Campeonato Europeu. Em outras palavras, receber um grande evento faz as pessoas mais felizes. Esperamos que a Copa possa beneficiar um país maluco por futebol como o Brasil ao menos por um ou dois anos.
De onde aflora esse sentimento?
Vem de compartilhar uma experiência comum. No trabalho, na escola, no ônibus, os brasileiros vão falar mais uns com os outros sobre a Copa do Mundo, sobre os jogos, sobre a organização. Essa conversa nacional cria unidade e reúne as pessoas em torno de algo maior.
Mas e se o Brasil não ganhar a Copa?
Não há diferença, segundo o que vimos em outros países. Uma tragédia (como a derrota do Brasil para a Itália em 1982) também é uma experiência compartilhada.
As manifestações contra a Copa podem apagar o clima festivo?
Não acredito. Mas acho que as pessoas fazem bem em demonstrar seu descontentamento. O governo deve fornecer aos brasileiros escolas e hospitais no "padrão Fifa".
(texto publicado na revista Vida Simples nº 147 - julho de 2014
A primeira meditação - Nádia Macedo
Para quem nunca experimentou a prática, pode ser um desafio concentrar-se na respiração e observar o fluxo dos pensamentos
Eu nunca havia meditado. Quando pensava sobre o tema, imaginava alguém sereno, sentado em lugar paradisíaco, com os olhos fechados e as mãos sobre os joelhos. Por causa da ansiedade, meditação sempre me pareceu um alvo quase impossível de atingir. Porém, o desejo de combater a tensão e de me conhecer melhor falou mais alto, e passei a procurar mais informações sobre o tema. E encontrei, em São Paulo, um curso de meditação voltada para a autodescoberta.
O curso foi criado por pessoas inspiradas pelo mestre Sri Chinmoy - um líder espiritual indiano que emigrou para os Estados Unidos nos anos 60 -, com o intuito de disseminar o ato de meditar. É o caso de Patanga Cordeiro, um servidor público que pratica a técnica há mais de dez anos, e que ministrou a aula, gratuita, de que participei em São Paulo, em uma terça-feira à noite.
Estávamos em 20 pessoas, cada uma sobre uma almofada individual. Patanga entra na sala e começa explicando as diferenças entre meditação e relaxamento. Na primeira, o objetivo é exercer a concentração, e devemos, de preferência, realizar a prática de olhos abertos. Na segunda, o objetivo é relaxar, e pode-se ficar de olhos fechados.
Depois das explanações, chega o momento dos exercícios. Com as pernas cruzadas, fiquei parada por mais de 20 minutos, prestando atenção apenas na respiração. Não foi fácil. Tracei uma batalha entre a tendência da minha mente a divagar e a minha decisão de mantê-la concentrada. Por alguns minutos, consegui, mas logo as minhas costas começaram a doer. Não resisti e me inclinei um pouco para a frente; quando voltei à posição inicial, quem me pediu atenção foram os pés, que formigavam. No momento em que decidi mexê-los, ouvi uma intervenção de Patanga, dizendo que, para conseguir uma boa meditação, é preciso ignorar os pedidos do corpo. Continuei a batalha até o final do exercício. Não é simples, mas a sensação de conseguir alguns minutos de concentração é boa.
A meditação traz muitos benefícios para a saúde, como a melhora dos níveis de pressão arterial. Dedicar alguns minutos por dia à prática pode trazer paz e autoconhecimento. "Ontem, eu era esperto e queria mudar o mundo. Hoje, sou sábio e, por isso, estou mudando a mim mesmo", disse, certa vez, Sri Chinmoy.
(texto publicado na revista Vida Simples nº 147 - julho de 2014)
Picadas na pele, efeitos analgésicos no cérebro
Sob a óptica da medicina ocidental, a picada de uma agulha de acupuntura produz a conclusão de um impulso: receptores cutâneos transmitem informações sobre o local e a intensidade da dor até a medula espinhal. A partir daí, o sinal passa por diversas transformações (no mesencéfalo, por exemplo) até que, pela via do tronco cerebral e do diencéfalo, chega enfim ao tálamo (que faz parte do sistema límbico) e ao córtex somatossensorial, onde a dor é percebida de forma consciente. Então, o sistema límbico agrega ao impulso uma componente emocional: o incômodo da dor. Além disso, o cérebro reage ao estímulo da acupuntura da mesma maneira como a outras irritações provocadas por estresse: o corpo passa a secretar o hormônio ACTH (adrenocorticotrofina) em maior quantidade, o que, por sua vez, leva à produção de substâncias analgésicas.
O estímulo atua em pelo menos três planos. A primeira inibição da dor ocorre na medula espinhal. O estímulo provoca a secreção de encefalina e dinorfina, o que resulta na inibição da excitabilidade elétrica das células nervosas condutoras. Assim se explica também o rápido alívio da dor, o chamado efeito analgésico imediato da acupuntura: enquanto a agulha estiver fincada na pele, o estímulo atua contra as dores reais à maneira de uma manobra diversionista, ou seja, distraindo o paciente.
Especialistas como o médico Markus Bäcker, do Instituto de Medicina Natural e Integrada da Universidade de Duisburg-Essen, postulam ainda um segundo mecanismo, mais a longo prazo, no plano da medula espinhal: sinapses inibidoras diminuiriam de forma duradoura a força de transmissão das fibras nervosas condutoras, de tal modo que a dor real já não chegaria ao cérebro e, portanto, não poderia ser sentida.
Um terceiro mecanismo que também conduz à inibição mais duradoura pode ser atribuído a uma espécie de contrairritação do cérebro: mesmo bom tempo depois de retirada a agulha, a atividade que foi acionada em partes do diencéfalo persiste. A partir do hipotálamo ou da hipófise, hormônios como a betaendorfina retornam à medula espinhal, proporcionando ali um efeito analgésico duradouro.
(texto publicado na revista Mente Cérebro nº 258 - ano XX - julho de 2014)
Dê a outra face - Mel Aitak
Uma das lições de Cristo ao oferecer o outro lado do rosto ao agressor tem um sentido mais amplo do que imaginamos. E esse sentimento é simbólico. O Mestre queria nos mostrar a importância de amarmos nossos inimigos e fazermos o bem mesmo a quem nos decepciona - e sem esperar nada em troca!
Na prática, Cristo mostrou que não devemos revidar a dor ou responder com rancor ou desrespeito. Ao contrário. Sempre que retribuímos o mal que alguém nos causou, elevamos nossa frequência vibratória e ajudamos a melhorar um pouquinho mais a energia do planeta.
Essa missão é bem difícil, sem dúvida. E, se você for incapaz de revidar o mal com o bem, pare e faça uma oração para aquela pessoa. Depois, saia da mira dela. Ninguém precisa ficar frente a frente com o perigo. Às vezes, recuar é a melhor saída. Volte, reveja a situação e perdoe. Sim, perdoe!
Afinal, cuidar do nosso bem-estar e dar conta da missão que temos neste mundo já é tarefa suficiente para uma vida inteira! Imagine, então, ainda tentar mudar o outro. Evite fazer isso. Cada um tem seu projeto para executar nesta encarnação. Certo ou errado, cabe apenas à pessoa decidir o caminho a ser seguido.
Como escreveu Augusto Cury no livro O Vendedor de Sonhos (Ed. Academia de Inteligência), "não tema a difamação exterior". Tema apenas os que querem entrar em seus pensamentos para destruir sua essência. Todo o resto, acredite, não tem importância...
Paz e luz!
(texto publicado na revista AnaMaria nº 929 - 1 de agosto de 2014)
Como a uva se transforma em vinho? (A Fantástica Ciência da Comida)
O vinho, por definição, é o resultado da fermentação de uvas. Ela ocorre quando as cascas de uvas se rompem, permitindo que fungos microscópicos, chamados leveduras, penetrem no fruto. Eles transformam os açúcares da uva (glicose e frutose) em álcool e gás carbônico. Ao mesmo tempo, outras reações bioquímicas vão acontecer, de acordo com os tipos de uva, de levedura e de fermentação. Tal processo só cessa quando o açúcar termina ou quando o álcool atinge uma concentração mortal para as leveduras, cerca de 16%. Os vinhos tintos são feitos de uvas pretas com cascas e talos. Os brancos podem usar uvas brancas ou pretas - neste caso, cascas e talos ficam de fora para não tingir a polpa, que é branca. Os rosés são produzidos a partir de uvas pretas, sem os talos. O sumo é separado das cascas logo que começa a ficar rosado.
(texto publicado na revista Super Interessante - A Fantástica Ciência da Comida - edição 188-D - junho de 2003)
Vislumbres de eternidade - Jerônimo Teixeira
Para um filme extraordinário, uma trilha extraordinária: A Grande Beleza apresenta ao expectador a vigorosa vertente sacra da música religiosa contemporânea
"O Além está além, e eu não me ocupo do Além", diz Jep Gambardella, jornalista, escritor e bon-vivant, no monólogo final de A Grande Beleza. A trilha sonora silencia exatamente nessa frase. Segundos antes, porém, as digressões de Gambardella (magnificamente interpretado por Toni Servillo) eram sublinhadas por vozes límpidas e serenas - quase se diria: angelicais - que cantam os versos místicos de The Lamb (O Cordeiro), do poeta inglês William Blake (1757-1827). Como tantas outras peças corais compostas pelo inglês John Tavener, The Lamb é um suave convite à elevação espiritual. A mesma música acompanha a cena em que o protagonista faz um passeio solitário às margens do rio Tibre e considera, pesaroso, a fútil ambição que o inflamou ao chegar, jovem, a Roma: tornar-se o "rei dos mundanos". Nas cenas mundanas - festas exuberantes, selvagens e bregas -, o filme recorre à música eletrônica da hora (incluindo o DJ brasileiro Gui Boratto). Mas, sempre que Gambardella se recolhe à nostalgia e á melancolia, o que se ouve é música sacra. Não, não Bach ou Handel, mas compositores contemporâneos como Tavener - morto no ano passado, aos 69 anos - o americano David Lang, o estoniano Arvo Pärt ou o russo Vladimir Martynov. Uma trilha extraordinária para um filme extraordinário.
The Lamb - Tavener
Em A Grande Beleza - vencedor do Globo de Ouro de filme estrangeiro e indicado ao Oscar na mesma categoria -, o diretor italiano Paolo Sorrentino leva o espectador do grotesco ao sublime de um momento para o outro. O melhor exemplo disso é a freira caquética e meio tantã que acaba se mostrando capaz de milagres genuínos. O milagre vem com música: The Beautitudes, de Martynov, executada pelo quarteto de cordas americano Kronos, é a peça mais emocional da trilha, quase manipulativa quando entra nas cenas mais ternas. Sua prolongada repetição do mesmo tema mostra a dívida do autor com o minimalismo de americanos como Steve Reich e Philip Glass, mas também reflete a disciplina rígida da Igreja Ortodoxa Russa. Trata-se, afinal, de uma oração. O americano David Lang, participante de um grupo de vanguarda de Nova York chamado Bang on a Can (Batida em uma Lata), define World to Come, etérea peça para violoncelo que entrou na trilha de Sorrentino, como "uma espécie de oração, introspectiva e muito pessoal". Arvo Pärt é, ao lado do polonês Krzysztof Penderecki (que Sorrentino deixou de fora), um expoente da música religiosa. Nos anos 1960 e 1970, a espiritualidade foi sua forma de resistência diante do ateísmo oficial do regime comunista (a Estônia pertencia então à União Soviética). Mas a música de Pärt que entrou no filme fala não de fé, e sim da saudade do torrão natal - no caso, a região escocesa das Highlands celebrada pelo poeta Robert Burns (1759-1796). "Meu coração está nas Highlands, meu coração não está aqui", diz a soprano Else Torp no refrão. Há um diálogo subterrâneo com a existência deslocada de Gambardella: embora imerso no luxuoso decadentismo de Roma, ele deixou seu coração num romance da juventude.
The Beatitudes - Martynov
My heart's in the Highlands - Arvo Pärt
O CD de A Grande Beleza não está nas lojas brasileiras. Mas é fácil encontrar boas gravações das músicas do filme nas lojas virtuais. Os compositores que figuram na criação de Sorrentino realizaram um feito raro na música erudita contemporânea: encontraram um público. Um dos ítens da trilha, a Terceira Sinfonia, do polonês Henryk Górecki, morto em 2010, até esteve nas paradas: uma gravação dos anos 1990 chegou a vender 1 milhão de cópias. O crítico americano Alex Ross diz que Tavener, Pärt e Górecki encontraram ouvintes porque oferecem repouso em uma era de saturação. Nos termos do memorável monólogo de Gambardella: essa música está entre os vislumbres de beleza que ouvimos quando o mundo silencia seu blá-blá-blá.
Terceira Sinfonia - Górecki
(texto publicado na revista Veja nº 4 - ano 47 - 22 de janeiro de 2014)
O Brasil nunca sofrerá um grande terremoto? - Rodrigo Ratier
Não dá para descartar uma megatragédia desse tipo, mas a possibilidade é muito pequena. Pelo menos enquanto a gente estiver vivo. "Já devem ter ocorrido grandes terremotos no Brasil há centenas de milhões de anos. mas, nos dados sismológicos coletados desde o século 18, não há registro de tremor forte em nosso território", afirma o geólogo João Carlos Dourado, especialista em sismologia da Unesp de Rio Claro (SP). A certeza de que o Brasil era uma terra abençoada por Deus e imune a terremotos, porém, foi abalada no início de dezembro, quando um tremor de 4,9 graus, na escala Richter no vilarejo de Caraíbas (MG), causou a primeira morte no país. De fato, o Brasil tem pelo menos 48 falhas pequenas sob sua crosta - uma delas teria causado o chacoalhão fatal. Mas a imagem de um país remendado não é para assustar. Primeiro, porque o Brasil fica no meio de uma placa tectônica, a Sul-Americana, longe das instáveis regiões de contato entre placas. Segundo, porque as fraturas daqui geram no máximo terremotos médios como o de Caraíbas. Mesmo que um abalo atinja uma cidade grande, provavelmente os efeitos não serão devastadores. "As casas do vilarejo desabaram por serem construções muito simples, sem suporte estrutural. Em áreas urbanas, as estruturas são reforçadas e mais resistentes a tremores dessa intensidade", diz João Carlos.
(texto publicado na revista Super Interessante nº 248 - janeiro de 2008)
É possível mudar nosso jeito de ser? (Revista Super Interessante)
Sim. Na verdade, mudamos nossa personalidade a toda hora. Agimos de modos diferentes com pessoas de idade, sexo ou posição social diferentes. Você já deve ter passado pela sensação de ser amigável e inteligente com alguém que o deixa confortável e agir do modo contrário com quem o desafia. Além disso, a nossa personalidade depende do que os outros acham: você pode ser chato para uma pessoa, mas gente boa ou confiável com quem o conhece melhor. "O homem tem tantos eus quantos são os indivíduos que o reconhecem", disse em 1890 o psicólogo William James, um dos primeiros a estudar a personalidade.
Mas é claro que há comportamentos e atitudes que são muito difíceis de largar. Somente 10% das pessoas com pontes de safena mudam hábitos alimentares e deixam o sedentarismo. As outras acabam morrendo de ataque cardíaco simplesmente porque não conseguem mudar. Muitas vezes um pai que bate na mulher e nos filhos promete a si mesmo parar com as agressões, mas não consegue. Talvez os genes favoreçam o comportamento impulsivo - e não é nada fácil ir contra a própria composição genética. Ou então, olhando pelo lado da psicologia, somos tão arraigados à referência dos nossos pais e às experiências da infância que esses traços viram nossa identidade. Se é assim, fica difícil até perceber o próprio modo de ser.
Mesmo assim, dá para mudar. "Não existe nenhuma pesquisa científica que mostre que o ser humano não tem jeito", diz Mariângela Gentil Savoia, psicóloga do Hospital das Clínicas de São Paulo. De ter consciência de si próprio, um traço bem arraigado à personalidade, atribuir a ele uma causa, vencer derrotismos e apegos, vão anos, se não uma vida toda. Mas talvez o caminho de nos conhecer, mudar o que for possível e nos contentar com o que somos seja o grande desafio da vida.
(texto publicado na revista Super Interessante nº 248 - janeiro de 2008)
quarta-feira, 30 de julho de 2014
Vampirismo energético - Luiz Gasparetto
Existem situações em que nós, infelizmente, nos deixamos levar pelo outro. Assumimos a responsabilidade por terceiros e nossos centros de força passam a trabalhar para eles. Chamo esse fenômeno de vampirismo. Você não imagina como isso é péssimo para sua evolução. Você fica estagnada e se anula, abastecendo o outro com a sua energia.
É possível, sim, ir contra essa influência. Como sempre digo, deixar-se influenciar depende somente de sua postura, atitude e modo de encarar a vida. Porque não existe essa história de vítima. Ninguém vai sugar sua energia se você não deixar. O vampiro só existe se a pessoa for “vampirizável“.
Preste atenção. Cada vez que você se depara com um vampiro, seu sistema sente e dá um sinal de alerta. E ele tem a capacidade de expulsar essas interferências. Então, assuma seu sexto sentido para dar um chega pra lá na negatividade. Só assim você conquistará a paz e chegará aonde quer. Mas prepare-se, pois existem várias versões de vampiros, que podem estar entre os amigos, no trabalho ou mesmo na família. Até você pode se identificar com alguns deles. Olha só:
Vampiro cobrador
Ele já chega cobrando, antes de cumprimentar: “Pôxa, você nem me telefonou!”. E, se você é cobrável, começa a se desculpar e acaba sob o domínio dele. Cede de primeira e ele rapidinho a coloca na condição de devedora. Pronto, é o suficiente para a aura dele engatar na sua. Resultado: bate uma sensação de fraqueza, perda de energia. Chega a dar tontura. E como cortar essa influência? Reagindo! Não dê atenção às cobranças. A defesa é questão de posse. A melhor tática para lidar com vampiro é encará-lo e falar a verdade, ainda que seja deselegante. Não se deixe constranger.
Vampiro crítico
É todo questionador: “Mas você vai sair assim?”, “Menina, como você fez aquilo?”. Ele critica, e você, para agradar, se justifica, permitindo que ele seja seu juiz. É impressionante, qualquer crítica nos afeta! Não queremos que pensem mal da gente, e isso é uma dificuldade de se impor. Pense: “Tenho minha visão e é ela que vale. O que o outro pensa não importa”. Assuma e se banque já, para que o outro não roube seu entusiasmo.
O vampiro reclamador se queixa de tudo e quer sua atenção. Você comenta qualquer coisa, diz que precisa ir, mas ele te segura e insiste em reclamar. Daí, você se coloca no lugar dele e dá dicas de como ser otimista. É isso o que ele quer. O coitadinho precisa de seu socorro, sua companhia, sua vida. Esse tipo é comum entre os idosos. Reclamam que se doaram a vida toda para os outros, mas pagaram caro. E fazem joguinho: “Vai sair e me deixar sozinho?”. Com pena e achando que é sua responsabilidade, você cede. Grande tolice!
Tem também o vampiro desesperado, o mais comum, mimado, mas não “ajudável”, pois nunca faz nada por si. Ele quer que você faça tudo por ele e ainda arma escândalo, faz barulho e se desespera tanto que acaba te deixando aflita. Daí, ele fica aliviado, e você, agitada e ansiosa, com a aura dominada pela energia negativa.
O vampiro adulador vem cheio de elogios: “Obrigado por existir. Você é a pessoa mais maravilhosa que conheço!”. Logo em seguida, vem a dentada. E por que ele quer pôr o seu ego lá em cima? Porque, quando mexe com sua vaidade, você não enxerga mais nada e se rende a qualquer pedido. Basta uma puxadinha de saco e você fica totalmente dominada. Cuidado!
A frase típica do vampiro impotente é: “Eu não consigo”. Ele já chega com um ar de que nada dá certo. Se você tenta levantá-lo, ele reforça sua impotência. Uma vez, eu estava com uma pessoa assim e, logo que percebi sua postura, disse: “Sua vida está uma droga e acho que você não quer melhorá-la. Está falando isso com tanto prazer!”. Quando você bate de frente, o sujeito empalidece, perde o rumo. É o que basta para não se deixar sugar.
Por fim, há o vampiro desencarnado, ou o encosto. Você está superbem e, do nada, fica irritada, crítica, começa a se cobrar ou sente outro desconforto. Se acontecer algo assim, pare e se pergunte: “Por que estou sentindo isso?”. Quando você descobre que se trata de um vampiro desencarnado, a questão está quase resolvida. Alguns encostos percebem que você se ligou e vão embora. Uma pena que, na maioria das vezes, a gente não se dê conta da existência deles. Por isso, antena ligada. Para se defender, entenda que esse estado de ânimo não é seu.
Vai uma piadina? - Sophia Braun
O sanduíche italiano feito de pão achatado com recheios variados entra no cardápio de diversas casas
Nem beirute nem wrap. O sanduíche em alta na cidade tem carregado sotaque italiano. Conhecido como piadina, leva o nome do pão achatado, típico da região da Emilia Romagna, feito de farinha de trigo, água, azeite (ou banha de porco) e sal. De recheio, recebe queijos, frios, embutidos, tomate e ervas. "No norte da Itália, pode ser encontrado em todo canto e custa muito pouco", diz Monica Fasano, sócia da La Bottega Piadina & Vino, em Pinheiros. No endereço aberto em dezembro, a massa cortada em discos é prensada bem fina e assada na chapa sem gordura. "Deve ficar maleável e levemente crocante", explica Monica. Só depois ganha ingredientes, como a combinação de mussarela de búfala, tomate e manjericão (25 reais), o item mais caro do menu.
Embora o lanche ocupe hoje espaço no cardápio de várias casas, conquistar o paladar dos paulistanos não foi tarefa fácil. "No início, ninguém sabia o que era", lembra Juliana Agapito Passaro, sócia do pioneiro La Piadina Cucina Italiana, aberto em 2008, no Itaim. Para surfar nessa onda, o Brera - Il Panino Italiano, no Jardim Paulista, lançou duas opções e planeja a terceira. "Teremos uma versão com presunto cru", adianta o chefe Oliver Kirkham. Esse ingrediente é a estrela do sanduba mais vendido do Piadina Tree, em Moema. A composição, que traz ainda queijo brie e aspargo, custa 27,50 reais e pode ser montada na massa integral por mais 1,50. Com pegada de fast-food, a Piadina Romagnola conta com lojas na Vila Olimpia e no Morumbi Shopping. "Juntas, as duas vendem cerca de 20.000 unidades por mês", contabiliza o sócio Roberto Celidonio.
(texto publicado na revista Veja São Paulo nº 18 - ano 47 - 30 de abril de 2014)
Pombo doméstico - Carolina Giovanelli
Há dois meses, a professora Elisangela Ronconi ia para o trabalho quando viu um filhote de pombo sentado em frente à estação Parada Inglesa do metrô. No dia seguinte, encontrou-o no mesmo lugar. "Não estava machucado, mas acho que caiu do ninho e ficou perdido", diz. "Não ia ficar assistindo a ele morrer aos poucos." Resolveu levar Peru, como foi batizado, para casa. Ela até tentou soltá-lo, mas, depois de o pássaro voar um pouco e voltar na direção do casal por três vezes, desistiu. "Pesquisei sobre os pombos e vi que eles não são ratos com asas", afirma. Peru, que tem conta no Instagram, anda solto e dorme na gaiola à noite. Para não sujar o apartamento, usa uma roupinha com um tipo de fralda. Vive feliz com seus dois irmãos gatos e come ração de canário.
(texto publicado na revista Veja São Paulo nº 18 - ano 47 - 30 de abril de 2014)
Vale a pena ler de novo: Rainha da Sucata - Roni Silva
Considerada o segundo maior sucesso da década de 90 na Globo, a novela Rainha da Sucata sofreu algumas alterações sem, no entanto, perder o humor
Silvio de Abreu escreveu inicialmente a novela Rainha da Sucata para ser uma grande comédia. Porém, ao perceber que o gênero não era o mais adequado ao horário, o autor transformou a trama num grande drama, vivido pela personagem principal Maria do Carmo (Regina Duarte), mas sem deixar de lado totalmente o humor.
Personagens "ressuscitados"
Tanto que um dos personagens de maior sucesso nessa história, foi dona Armênia, vivida por Aracy Balabanian. A gringa vivia às voltas com seus três "filhinhas" - Geraldo (Marcelo Novaes), Gerson (Gerson Brenner) e Gino (Jandir Ferrari) - e não parava de ameaçar colocar "na chon" o suntuoso prédio da Avenida Paulista, onde estavam instalados a boate e escritório de Maria do Carmo, de sua propriedade. O bordão "na chon" caiu na boca do povo e rapidamente se popularizou. Aliás, a personagem fez tanto sucesso que Silvio de Abreu ressuscitou todo o pessoal, dois anos depois, em Deus Nos Acuda, também de sua autoria.
Dona Armênia
A concorrência
Mas não eram apenas Armênia e sua trupe responsáveis pelos risos em Rainha da Sucata. Fazendo concorrência a essa família estava o triângulo amoroso protagonizado por Adriana Ross (Cláudia Raia), a "bailarina da coxa grossa", o professor gago Caio Szemanski (Antônio Fagundes) e a sensual Nicinha (Marisa Orth), que ficou popularmente conhecida como "purgante".
Adriana flagra Caio e Nicinha juntos
Grandes estreias
Aliás, Rainha da Sucata foi a primeira novela em que Antônio Fagundes fez um papel cômico e marcou também as estreias de Marisa Orth e da veterana Cleyde Yáconis em novelas da Rede Globo.
Ditando moda
E como tudo o que aparece em novelas pode virar moda, Rainha da Sucata não fugiu à regra. Embora de gosto duvidoso, as roupas e adereços, criados pela figurinista da novela Marília Carneiro, para a personagem Maria do Carmo, rapidamente ganharam as ruas. Na época, os chapéus e costumes espalhafatosos usados pela empresária, assim como as bolsas Chanel com alças de corrente e laçarotes nos cabelos viraram os must da mulherada.
Primeiro suicídio
A novela inovou também ao mostrar pela primeira vez na TV uma cena de suicídio. Laurinha Figueroa (Glória Menezes), no auge de seu desespero e para prejudicar Maria do Carmo, se jogou do alto do edifício da Avenida Paulista. Jamais uma cena como aquela tinha sido mostrada. No máximo, encontrava-se o personagem já morto ou ouvia-se o tiro, mas nunca a cena de alguém se jogando do alto de um prédio.
O suicídio de Laurinha Figueroa
Outros talentos
Levada ao ar entre 2 de abril a 27 de outubro de 1990, às 20h30, com um total de 177 capítulos, Rainha da Sucata foi uma obra de Silvio de Abreu, com direção de Jorge Fernando e Jodele Larcher e direção executiva de Roberto Talma, que contou com os talentos de Cláudia Ohana, Reginaldo Faria, Andréa Beltrão, Mônica Torres, Raul Cortez, Renata Sorrah, entre outros.
(texto publicado na revista TV Brasil nº 392 - 11 de agosto de 2007)
A última derrota de Napoleão
Novo livro reconta em detalhes os últimos três dias do imperador que foi venerado, detestado e exaustivamente estudado
Nenhuma outra figura histórica vendeu tanto livro quanto Napoleão Bonaparte, se descontarmos a "Bíblia". Somam-se cerca de 80 mil títulos, sendo que alguns alcançaram a venda de mais de um milhão - como a biografia de André Castelot, dos anos 1960. Tão incensado quanto detestado, o general que se tornou o primeiro imperador da França nunca saiu da moda nas universidades ou livrarias. Às vésperas das comemorações dos 200 anos de sua abdicação, em 1815, começam a pipocar títulos sobre o período. Um dos mais curiosos deles - que já pode ser encontrado em português - trata com lente de aumento dos três dias que antecederam a renúncia que marcou o fim de seu governo.
"L'Abdication", que chega no Brasil como "A Queda de Napoleão", relata as 72 horas que separam a volta do imperador a Paris depois da derrota de Waterloo do ato que devolveu a França à dinastia de Luiz XIII. Além dos documentos já mais que conhecidos, o historiador Jean-Paul Bertaud, se apoiou nas cartas trocadas entre o governante e o grupo minguado de aliados depois das sucessivas derrotas do Grande Exército, sustentáculo do governo bonapartista.
O desespero e suas tentativas de justificar a derrota mostram a consciência do general que estava mais frágil do que nunca. Nesse ponto, seu império já experimentava uma sobrevida. Um ano antes, em abril de 1814, ocorrera uma primeira abdicação, da qual Napoleão se reergueu, apesar do decréscimo de saúde, dinheiro e soldados.
Além de muita dificuldade em largar o poder, Napoleão tinha o controle de quase todos os jornais e dos telégrafos, de maneira que rumores da abdicação não foram veiculados em nenhum momento antes da derrota. E, depois que aconteceu, levou semanas, quando não meses, para chegar a todo o território francês.
Bertaud mostra num relato emocionado que a renúncia encontrou ainda resistência da população francesa em aceitar o fato. Mesmo dividida naquele instante, prevalecia a ideia de que o país havia se tornado um império graças ao seu herói controverso.
A abdicação ocorreu em 22 de junho. Nos Baixos Alpes, o povo de Dignes, por exemplo, só soube do ato em 2 de julho. Três meses antes, quando Napoleão voltou de Elba, Dignes levou poucos dias para receber a informação e distribuir entre os seus habitantes. Em Lyon, os cartazes sobre a renúncia foram retirados dos muros e rasgados. Em Périgueux, uma junta militar cobriu os locais que deveriam noticiar a saída de Bonaparte com mensagens de fidelidade ao antigo governante. "Não seremos russos, nem prussianos, nem ingleses, nem alemães. Preferimos morrer de armas em punho a deixar de ser franceses."
Napoleão era uma lenda em vida. E sabia disso. "Minha vida daria um romance", era um de seus bordões. Em suas memórias, Benjamin Constant sintetiza a forma como Napoleão se tornou um mártir. "Contando com os destroços de um Exército ainda invencível e uma multidão galvanizada pelo som do seu nome, preferiu abrir mão do poder e disputá-lo pelo massacre da guerra civil".
Não era bem assim. Napoleão queria ficar e refazer seu Exército, mas não tinha dinheiro, nem apoiadores que o ajudassem na arrecadação. Três dias antes, de renunciar em nome do filho, que ainda era uma criança e por isso não assumiria, o imperador pensava em resistir. Passadas 24 horas, ele começava a elaborar outros planos: mudar-se para a terra de Benjamin Franklin, que também tinha lutado contra a Inglaterra. Como cidadão comum instalado, poderia chamar seus amigos mais próximos e fundar uma pátria nova. "Antes que se passe um ano, os acontecimentos da França e da Europa haverão de agrupar a seu redor milhões de indivíduos, em sua maioria dispondo de propriedade, talento e instrução" - teria lhe aconselhado Lavalette, um de seus últimos homens de confiança. Ou seja, o sacrifício não teria sido exatamente uma escolha.
Bilhetes como estes trocados nessas últimas 72 horas de permanência do governo no palácio do Eliseu mostram também que a megalomania, assim como a cistite e as dores de estômago, não queriam deixar o governante. Diferentemente do que Benjamin Constant defendia, e que bonapartistas repercutiram ainda durante muito tempo depois de sua morte. Napoleão Bonaparte não abdicou para salvar a França da guerra civil. Ele ainda tentou argumentar a favor de uma ditadura temporária. "Eu preciso ser investido de um grande poder. No interesse da pátria eu poderia me apropriar desse poder, mas seria muito mais útil e mais racional que ele me fosse concedido pelas Câmaras". Não convenceu. Em três dias embarcava para a Ilha de Santa Helena, onde morreria seis anos depois, eternizando-se como mártir.
(texto publicado na revista Isto É nº 2324 - ano 38 - 11 de junho de 2014)
Fellini, o mentiroso - Ana Weiss
Com cenas inéditas de bastidores de filmagens de Fellini, depoimentos e gravações desconhecidas, Ettore Scola homenageia o amigo, que conheceu nos anos 1940, famoso por inventar histórias
Fellini era dado a inventar histórias. Não só para seus filmes, diga-se. De vez em quando, o diretor de "Amarcord" e "A Doce Vida" mentia mesmo. Sobre a vida dos outros e sobre a própria - como a fuga com o circo na infância, uma fantasia que alimentou boa parte de sua cinematografia, uma das mais importantes do planeta. "É o maior Pinóquio do cinema italiano", diz o narrador do filme "Que Estranho Chamar-se Federico", homenagem de Ettore Scola ao colega e amigo de juventude, de quem guardava gravações inéditas e raras, incluídas agora no longa-metragem. Quem entrega Fellini, portanto, é Scola, um de seus amigos de vida inteira.
Mistura de documentário com ficção, o filme passa pelos bastidores de grandes filmes do cineasta nascido em Rimini e mostra a genealogia de alguns de seus maiores personagens, como Cabíria, vivida por Giulietta Masina, sua mulher. A prostituta que valeu a ela o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes de 1957 foi inspirada, o filme mostra, por uma mulher para quem Fellini deu carona durante uma noite. A profissional teria lhe contado a história do amante que levara todas as suas economias. Sair de carro à noite, oferendo carona a desconhecidos, era um dos métodos de pesquisa do cineasta, que depois recontava as biografias anônimas em seus filmes com o pincel de sua ironia fina e suas imagens oníricas, nascidas dos desenhos que antecediam suas cenas - prática também de Scola.
O longa acaba sendo igualmente uma autobiografia. Scola chegou à capital italiana no fim dos anos 1940, vindo de Trevico, sul da Itália. Foi procurar emprego na revista satírica "Marc'Aurelio" (vindo de Rimini) tinha começado como desenhista. Uma cena mostra um menino comentando com o avô os desenhos de um cartunista chamado Federico. Até a morte de Fellini, em 1993, os dois foram muito próximos e o humor aparece impregnado na maior parte do filme de ambos. Scola não filmava havia dez anos e tinha anunciado a aposentadoria em 2011. Mas, afinal, no mundo do cinema, mudar de ideia é mentira perdoável. Assim como inventar histórias.
(texto publicado na revista Isto É nº 2324 - ano 38 - 11 de junho de 2014)
terça-feira, 29 de julho de 2014
Como fazer para encontrar o céu aqui na Terra? - Carlos Eduardo Leal
1- Deixe de lado os preconceitos
2- Siga o preceito do seu coração
3- Seja alegre
4- Se permita também ser triste
5- Se permita até não ser
6- O ser humano é isso: alegre e triste, simples e trêmulo
7- Esqueça as horas
8- Mas não das pessoas
9- Procure pelo seu irmão
10- Mas não tente achar sua irmã (permita que ela vá, livre como os dias que sempre ondulam)
11- Apenas permita que ela te ache
12- Abra os braços para um abraço
13- Abra as mãos para os aflitos
14- Segure sua mão oposta
15- Segure a queda premeditada
16- Não ponha invólucros no sorriso
17- Costure uma roupa alegre
18- E também outra com o tecido da dignidade
19- Não saia de casa à toa
20- Mas saia de casa para ficar à toa
21- Encontre um amigo perdido
22- Encontre alguém perdido
23- Faça dele um amigo
24- Saiba encontrar o sol num dia chuvoso
25- Principalmente para aqueles desabrigados pela vida
26- Saiba ouvir o canto dos pássaros
27- Mesmo que eles só existam na sua imaginação
28- Renuncie ao ato contínuo de renunciar a vida
29- Renuncie ao desespero
30- Renuncie ao fato de querer dar trégua a vida
31- Não renuncie nunca ao amor
32- Nem tenha medo de amar apaixonadamente
33- Mesmo que dele não se tenha muitas esperanças
34- Regue a vida com um balde de carinho
35- Regue um encontro
36- Plante uma semente de futuros
37- Regue com acordes suaves
38- Espere para ver os sons nas tonalidades das nuvens
39- E os galhos vergando para dar sombra a sua alma
40- Estremeça com o frio
41- Dos corações gélidos de indiferença
42- E dos desagasalhados pela vida
43- Indigne-se com a falta de indignação
44- Plante uma lágrima
45- Numa caixa de lenços abandonada pelos amantes
46- Desenvolva projetos
47- Um trevo em forma de anjo
48- Um manto costurado de sorrisos
49- Uma pegada recente plantada na relva macia
50- Acredite que você acredita em seus sonhos
51- Em que crêem os que não crêem?
52- Suba uma colina e de lá grite uma palavra que nunca tenha sido dita
53- Invente uma palavra e ela já será uma frase, uma sentença, uma
oração
54- Assim, os céus descerão
55- Dê uma bússola para seus filhos
56- E ofereça o caminho do mundo para eles
57- Encontre o filho perdido dos outros
58- Você - nunca se esqueça - pode ser a bússola que eles necessitam
59- Reserve um lugar na primeira fila da generosidade
60- Mas justamente por isso compre mais um lugar
61- Nunca se sabe quem estará precisando
62- Há sempre alguém a mais
63- Há sempre alguém com menos
64- Reserve a expectativa para O Encontro
65- Seja gentil, isso gera Gentileza
66- Não desperdice sua bondade com quem não a mereça
67- Não se impaciente com o atraso dos outros
68- Mas se impaciente com o pouco caso, a indiferença
69- Pegue seu saca-rolhas preferido
70- Abra uma garrafa de nuvens
71- Abra um pote de anti-guerras
72- Abra uma lata de soluções
73- Procure freneticamente a sua
74- Alie-se ao mar
75- Alicie-se com suas espumas
76- Recrie o vento
77- Sopre um sudoeste em seus próprios cabelos
78- Mova as dunas de lugar
79- Desperte um rio
80- Seja uma correnteza
81- Deságue suavemente no mar
82- Veja que você pode ser doce e abissal ao mesmo tempo
83- Seja luz para que haja sombras
84- Seja inverno para que te sucedam primaveras
85- Seja complexo para que possam achar em você suas partes mais
simples
86- Eleve uma criança ao colo
87- Eleve um pensamento
88- Não crie limo para outros escorregarem
89- Antes, seja um tobogã de vertigens
90- Leia um livro para um cego
91- E também para uma criança ainda cega para o alfabeto
92- Conte uma história inesquecível
93- Invente muitas outras
94- Se invente, ou melhor, reinvente-se a cada dia
95- Seja um agricultor de verdades
96- Semeie com seus princípios
97- Adube com os meios mais sinceros
98- Certifique-se da honestidade dos fins
99- Mas não abra mão da colheita afinal,
100- Home is where the heart is.
101- Seja simples
102- Pinte um quadro
103- Dilua-se em cores
104- Não seja noir, black
105- Mas permita-se ser dark
106- Cante um hino
107- Pinte sua história
108- Seja um cavalete para os instáveis
109- Dilua-se em outros
110- Mas nunca se perca de você mesmo
111- Equilibre-se numa única nota
112- Faça dela sua harmonia
113- A partitura da sua vida
114- Crie cores jamais inventadas
115- Sorria em lilás
116- Faça um aperto de mão em azul cobalto
117- Dê um abraço em Terra di Siena
118- Solfeje em verdes Paul Veronese
119- Reze em amarelo van Gogh
120- Tome um café às margens do Danúbio
121- Suba o Everest dos teus sonhos
122- Eleve-se um degrau acima em tua vida
123- Seja você e mais alguém
124- Seja outros, plural
125- Mas permita-se sentir a solidão pela falta destes mesmos outros
que habitam em você
126- Incline-se um pouco mais para ouvir o outro
127- Curvar-se pode ser um ato majestoso
128- No fundo, você estará reverenciando a você mesmo
129- Um gesto para ser seguido por todos ao infinito
130- Passe um café para seu amor ao cair da tarde
131- E verás a tarde soerguer-se impávida, um colosso
132- Festeje o aroma da broa de milho
133- Lembre-se que um simples campônio plantou, regou, até que a
espiga estivesse pronta para seu usufruto
134- Lembre-se deste seu parceiro imaginário
135- Porque lembrar-se dos outros também é cuidar
136- Portanto, para cuidar de você mesmo, basta que não se esqueça de
você mesmo
137- Lembre-se da sua infância
138- Da primeira goiaba comida
139- Da primeira árvore que subiu na vida
140- Da primeira queda
141- Ah, este foi seu outono
142- Caíste com a primeira folha / outono da vida
143- E descobriste o valor de aprender a se erguer
144- Mas, lembre-se também do primeiro amigo na escola
145- Da primeira professora
146- Do primeiro brinquedo
147- E da primeira traquinagem feita com seu melhor amigo
148- Suspire pela lembrança do primeiro olhar apaixonado
149- Sorria tristemente ao lembrar-se do primeiro não
150- Conte para todos como foi seu primeiro sim
151- O susto, a emoção e a ardência do primeiro beijo
152- Ah, quanto encanto há no primeiro beijo
153- Ainda não se está no mundo da lua, mas pode ser seu Everest
154- A doce escalada até a conquista do outro
155- Não deixe a tinta do seu passado amarelar
156- Pegue suavemente o pincel
157- Faça do seu corpo uma tela viva, caliente
158- Onde outros possam perder seus olhares em suas campinas
verdejantes
159- Mergulhe em Rouge Naphtol Noir, a cor inconfundível das paixões
160- Apaixone-se pelo adolescente que você foi
161- Seja uma ilha de fantasias possíveis
162- Recrie antigos conceitos
163- Uma ilha pode ser uma pessoa cercada de felicidade por todos os
lados
164- Então, pule a cerca e caia nela
165- Uma ilha é um oceano de possibilidades
166- É sentir o aroma da primeira fornalha, e ser grato por poder
presenciar este momento mágico, solene
167- Há milhões de pessoas neste mundo que esperam ansiosos por este
instante
168- Assim como uma lagarta sonha em ser borboleta
169- Assim como um salmão sonha em subir o rio
170- Ou como um filhote de pássaro aguarda para arriscar o primeiro
voo
171- Assim também o jaguar corre desenfreado atrás de sua gazela
172- Ou como os corvos festejam o amadurecimento do milho
173- Faça um espantalho para espantar os humanos-corvos
174- Espante-se com a vida, não seja indiferente a ela
175- Afague um cachorro
176- Ande num cavalo a galope
177- Amarre com cipó um feixe de lenha
178- Procure pelos gravetos mais simples
179- Estes lhe darão o melhor fogo
180- Para queimar os temores
181- Para dissipar a escuridão de suas trevas
182- Não se afaste das sensações tormentosas
183- Tente, ao menos, compreendê-las
184- Asse um peixe, multiplique seus pães
185- Convide os amigos para um vinho
186- Suba uma serra com névoas
187- Deite sobre uma pedra
188- Olhe atentamente para as nuvens que festejam sua chegada
189- Elas indicarão a direção do vento
190- Pense que essa direção pode ser o sentido há muito esperado para
sua vida
191- Recrie sentidos, nuvens-animais, nuvens-castelos, nuvens-
hieróglifos
192- Invente novos rumos, outros caminhos
193- Mergulhe no rio, que é sempre outro
194- Mergulhe em outras vidas
195- Prenda a respiração
196- Solte lentamente o ar
197- O seu e o dos outros
198- Compartilhem do mesmo ar / hálitos da vida
199- Seus desejos / Seus enamoramentos / Seus encantos
200- Mas, mistério! Nunca revele todos os seus segredos...
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