segunda-feira, 21 de julho de 2014

Cérebro do homem evoluiu devido ao consumo de comida cozida (O Globo)


A expressão “somos aquilo o que comemos” nunca fez tanto sentido. O cérebro humano só se desenvolveu e chegou ao patamar atual, diferenciando-se dos demais primatas, porque o homem começou a cozinhar os alimentos. Vários estudos já tinham relacionado mudanças nos hábitos alimentares ao desenvolvimento do órgão, mas uma pesquisa da UFRJ e do Instituto Nacional de Neurociência Translacional publicada hoje no periódico científico “Proceedings of the National Academy of Sciences” comparou o cérebro humano e o de primatas, comprovando que a maior quantidade de nutrientes adquirida por meio dos alimentos cozidos foi essencial para o crescimento da massa encefálica e do aumento do número de neurônios do Homo erectus, ancestral do homem moderno.

O trabalho analisou por que os gorilas e orangotangos têm corpos maiores que o do homem e, no entanto, têm um cérebro menor. O resultado mostrou haver uma “limitação metabólica” tanto com relação ao número de horas disponíveis para a alimentação, como na baixa quantidade de calorias presentes em raízes e vegetais que são ingeridas por eles.

— O que fizemos foi mostrar com modelos matemáticos que a exigência calórica do corpo e do cérebro é de fato limitante — comentou uma das autoras do trabalho, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, professora da UFRJ. — Se o Homo erectus não tivesse modificado sua dieta, nós não estaríamos aqui, seríamos inviáveis. Para termos o cérebro de hoje com alimentos crus, teríamos que passar mais de nove horas por dia comendo sem parar.

Com o alimento cozido, economiza-se tempo para a mastigação e pode-se consumir com mais facilidade e em maior quantidade opções mais calóricas, como a carne. O Homo erectus começou a usar o fogo na alimentação entre 600 mil e um milhão de anos atrás. Análise de fósseis mostrou que ao longo das gerações houve uma redução dos dentes e sua musculatura facial, indicadores de que a força para a mastigação igualmente diminuiu.

Os cientistas vêm notando que existe uma tendência evolutiva do aumento do cérebro nos mamíferos. Porém, no caso deste ancestral do homem, esse tamanho praticamente dobrou num período entre 200 mil e 400 mil anos. Já o do orangotango, por exemplo, passou por um aumento, mas parou de crescer.

— O que fazer quando se chega neste limite? Uma opção seria comer mais horas, o que pareceu inviável; outra seria a necessidade metabólica diminuir, o que também não ocorreu. Restou uma alternativa: mudar o rendimento calórico da alimentação para, aí sim, escapar desta limitação — explicou a pesquisadora.

Além de consumir alimentos mais calóricos em menos tempo, o ancestral do homem teve ainda a possibilidade de empregar o tempo livre (em que não precisava comer para atender às necessidades calóricas) em outras atividades, o que também pode ter colaborado para o desenvolvimento cerebral, com o aumento do número total de neurônios.

— Ele não precisou mais passar o dia todo catando comida, pôde se organizar, ter interações sociais mais significativas, ir mais longe, ter mais experiências, tornar mais rica a vida — exemplificou Suzana.

Avidez por comida continua

O número de neurônios, por sinal, é uma característica que diferencia o homem dos outros animais. Por isso, a equipe da UFRJ se debruça agora na massa encefálica do elefante. A hipótese é de que, apesar do tamanho, ela tem menos neurônios do que a do homem. A pesquisa está em andamento, mas espera-se também encontrar relação com o cozimento da comida. Por outro lado, a pesquisadora levanta uma possível consequência negativa deste avanço:

— O homem continuou a ter avidez por comida, mas hoje consome uma quantidade enorme de calorias, muito mais do que ele precisa por refeição, levando à obesidade.




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