Com cenas inéditas de bastidores de filmagens de Fellini, depoimentos e gravações desconhecidas, Ettore Scola homenageia o amigo, que conheceu nos anos 1940, famoso por inventar histórias
Fellini era dado a inventar histórias. Não só para seus filmes, diga-se. De vez em quando, o diretor de "Amarcord" e "A Doce Vida" mentia mesmo. Sobre a vida dos outros e sobre a própria - como a fuga com o circo na infância, uma fantasia que alimentou boa parte de sua cinematografia, uma das mais importantes do planeta. "É o maior Pinóquio do cinema italiano", diz o narrador do filme "Que Estranho Chamar-se Federico", homenagem de Ettore Scola ao colega e amigo de juventude, de quem guardava gravações inéditas e raras, incluídas agora no longa-metragem. Quem entrega Fellini, portanto, é Scola, um de seus amigos de vida inteira.
Mistura de documentário com ficção, o filme passa pelos bastidores de grandes filmes do cineasta nascido em Rimini e mostra a genealogia de alguns de seus maiores personagens, como Cabíria, vivida por Giulietta Masina, sua mulher. A prostituta que valeu a ela o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes de 1957 foi inspirada, o filme mostra, por uma mulher para quem Fellini deu carona durante uma noite. A profissional teria lhe contado a história do amante que levara todas as suas economias. Sair de carro à noite, oferendo carona a desconhecidos, era um dos métodos de pesquisa do cineasta, que depois recontava as biografias anônimas em seus filmes com o pincel de sua ironia fina e suas imagens oníricas, nascidas dos desenhos que antecediam suas cenas - prática também de Scola.
O longa acaba sendo igualmente uma autobiografia. Scola chegou à capital italiana no fim dos anos 1940, vindo de Trevico, sul da Itália. Foi procurar emprego na revista satírica "Marc'Aurelio" (vindo de Rimini) tinha começado como desenhista. Uma cena mostra um menino comentando com o avô os desenhos de um cartunista chamado Federico. Até a morte de Fellini, em 1993, os dois foram muito próximos e o humor aparece impregnado na maior parte do filme de ambos. Scola não filmava havia dez anos e tinha anunciado a aposentadoria em 2011. Mas, afinal, no mundo do cinema, mudar de ideia é mentira perdoável. Assim como inventar histórias.
(texto publicado na revista Isto É nº 2324 - ano 38 - 11 de junho de 2014)
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