Por que é preciso resistir às mais sedutoras guloseimas - e as dicas para iniciar um programa de desintoxicação e fazer trocas inteligentes
Cientistas do mundo todo têm estudado mais a fundo os males do açúcar nos últimos anos, e a constatação é de que ele é muito mais perigoso do que parece. A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que ele represente até 10% do total de calorias ingeridas diariamente, não mais do que isso. Ou seja, se sua dieta é de 2 mil calorias, cerca de 200 delas podem vir do ingrediente - o que equivale a dois brigadeiros de 20 gramas cada um, uma fatia fina de bolo de chocolate ou 5 colheres de chá do ingrediente adoçando sucos, cafés, chás e receitas em geral. "É do que seu corpo precisa para ter energia suficiente para funcionar. Mas você pode fazer escolhas saudáveis tirando essa energia de opções mais nutritivas, como o açúcar mascavo, o orgânico e o das frutas", diz a endocrinologista Cintia Cercato, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). Os brasileiros não só fazem vista grossa para esse tipo de recomendação como costumam extrapolar o limite estabelecido: o consumo chega a 14,5%. Confira os três principais motivos para reduzir a ingestão do açúcar e veja como substitui-lo no dia a dia.
1) Causa dependência
Ao entrar em nosso organismo, depois de passar por um processo de refinamento e perder fibras e nutrientes, o açúcar, literalmente vicia. Ele aumenta a produção de hormônios que causam a sensação de bem-estar, como a dopamina e a serotonina. Assim, funciona como se fosse um sistema de recompensa: quanto mais açúcar você consome, mais dopamina é liberada no organismo e mais satisfeita você se sente. Acostumada ao prazer, terá mais e mais vontade de atacar guloseimas - e em doses cada vez maiores. "A compulsão alimentar, principalmente por doces e carboidratos refinados, é tão forte quanto o envolvimento com drogas ilícitas", compara a nutricionista Lucianna Jardim, do Rio de Janeiro. A sensação de satisfação, porém, dura pouco: apenas até o momento em que a insulina, substância produzida pelo pâncreas, entra em cena para varrer todo esse açúcar da corrente sanguínea e levá-lo às células, estocando-o em forma de gordura. Com ele fora da circulação, você volta a sentir falta do ingrediente e o ciclo recomeça. Quando há excessos, o pâncreas sofre sobrecarga e deixa de produzir insulina. Como resultado, a pessoa desenvolve diabetes.
2) Acelera o envelhecimento
"Existe um processo natural do corpo chamado glicação. Com outros mecanismos, como a oxidação, ele é responsável pelo envelhecimento. O açúcar potencializa essa ação", explica o dermatologista Alexandre Filippo, do Rio de Janeiro. A glicação é desencadeada quando a glicose, proveniente do açúcar, adere a uma molécula de proteína e origina os Advanced Glycation End Products (AGE). Eles são depositados sobre as células e dificultam a reparação e a renovação de elastina e colágeno. Exatamente por isso, a pele perde viço e aparecem rugas e manchas. Filippo ressalta ainda que a glicação tem efeito cumulativo. "Depois de muito tempo de consumo contínuo de açúcar, as consequências para a pele serão para a vida toda", alerta ele. Apesar de nenhuma pesquisa ainda ter estabelecido a quantidade de açúcar capaz de piorar o processo, a relação entre o ingrediente e o envelhecimento já foi comprovada por um estudo do Centro Médico da Universidade de Leiden, na Holanda, feito em parceria com o setor científico da multinacional Unilever. Seiscentos voluntários entre 50 e 70 anos fizeram, primeiro, exames para identificar quanto de açúcar tinham no sangue. Em seguida, foram fotografados. Outros 60 voluntários analisaram as fotos e estimaram a idade de cada um. Os que tinham mais açúcar no sangue também aparentavam mais idade - para cada 18 miligramas (menos de 1% de 1 colher de chá) por litro acima da média considerada ideal para a idade, a pessoa parecia ser cinco meses mais velho.
3) Pode ter relação com o câncer
Na sociedade científica, a relação entre o açúcar e o surgimento de tumores cancerígenos ainda é um tema polêmico. Mas a maior parte dos últimos artigos publicados consegue estabelecer um padrão de causa e consequência. Para começar, descobriu-se que as células doentes exigem mais glicose do que as normais para funcionar. Isso quer dizer que o açúcar seria essencial para a proliferação e o crescimento de tumores. Em 2011, um estudo da Universidade de Yeshiva, nos Estados Unidos, analisou 5 mil mulheres que já haviam passado pela menopausa. Durante 12 anos, foram medidos os níveis de açúcar e insulina no sangue delas. Ao final desse período, 81 desenvolveram câncer colorretal. conclusão da pesquisa: aqueles que apresentavam maior nível de glicose no sangue tiveram duas vezes mais risco de desenvolver a doença, já em outro estudo americano, de 2012, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, cientistas descobriram que os tumores alteram o processo de glicação e produzem um tipo de açúcar que estimula seu crescimento. Pacientes com câncer de mama e de pulmão tinham de duas a quatro vezes mais essa espécie nociva de açúdar no sangue do que pessoas saudáveis. Os resultados ainda não são conclusivos, mas os cientistas adiantam que isso pode ser um bom pontapé inicial para a descoberta de novas curas.
Corte radical no consumo
Segundo a médica Cintia Cercato, dá para reduzir bem o consumo do ingrediente eliminando refrigerantes e sucos adoçados e restringindo drasticamente os alimentos industrializados. Além disso, reserve os doces para ocasiões especiais - como fins de semana - e, em casa, troque, tanto para adicionar em bebidas como para preparar guloseimas, o açúcar refinado por versões mais saudáveis, como o mascavo e o orgânico. "Têm o mesmo efeito sobre o corpo e calorias quase iguais, mas oferecem mais benefícios", diz Celso Cukier, nutrólogo do Hospital São Luiz, em São Paulo. Veja os prós e contras dos substitutos.
Aspartame e ciclamato
São sintéticos e, por causa da alta quantidade de compostos químicos, há limites no consumo. "Recomendam-se, no máximo, dois saquinhos de 0,8 grama por dia", diz Celso. O poder adoçante supera muito o do açúcar; daí ser mais fácil seguir a recomendação de ingerir com moderação. Mas há controvérsias em torno de seu uso devido a possíveis efeitos colaterais, como dor de cabeça e até câncer (embora nenhuma pesquisa confirme isso).
Estévia
O adoçante é derivado da planta de mesmo nome, típica da América do Sul. É o mais indicado, pois tem origem natural. Também tem poder diurético e auxilia na regulação da pressão arterial. Não há limite máximo para o consumo, mas fique atenta: em grande quantidade, pode conferir sabor levemente amargo aos pratos.
Açúcar orgânico
Não tem nenhum agente químico envolvido no processo de produção, ou seja, a cana e o solo são cultivados sem aditivos ou fertilizantes sintéticos. Seu poder adoçante é similar a do açúcar refinado, e o consumo recomendado e também de até 5 colheres de chá por dia. Preste atenção no rótulo, pois esse tipo de produto precisa ter um selo certificando sua origem.
Açúcar de beterraba
É produzido da mesma forma que o açúcar tradicional, mas vem da beterraba. Contém mais frutose (o da cana é rico em glicose) e é mais famoso na Europa, onde o clima ameno facilita o desenvolvimento dessa planta. O indicado é ingerir 5 colheres de chá por dia, no máximo.
Açúcar mascavo
Também é extraído da cana, mas não passa pelo processo de refinamento, o que faz com que mantenha grande parte dos seus nutrientes, como cálcio, magnésio e potássio. Tem quase o mesmo número de calorias que o refinado e seu consumo deve, do mesmo modo, girar em torno das 5 colheres de chá diárias.
Mel
É um pouco menos calórico do que o açúcar: são 16 calorias em 1 colher de chá ante as 20 do açúcar. Também é mais saudável, já que é rico em potássio, cálcio e nas vitaminas B e C. Ainda há estudos comprovando que ele fortalece o sistema imunológico e reduz o colesterol. Consuma até 3 colheres de sopa por dia.
Alfarroba
Uma vagem é a origem do pó de sabor similar ao do cacau. É um substituto do chocolate, mas também pode ser usado como adoçante em receitas, pois tem açúcares naturais, como sacarose e frutose, mais saudáveis que o refinado, além de vitaminas e fibras. Utilize 5 colheres de chá do pó.
Olho vivo nas versões diet e light
Não é porque o produto traz essas palavras mágicas que você pode consumi-lo à vontade. Para começar, nem tudo que é diet é livre de açúcar - o nome indica apenas que é isento de algum ingrediente, talvez até gordura ou glúten. Já os itens light apresentam redução de 25% das calorias ou, então, de alguma substância da composição, que pode ser sal ou carboidrato. Assim, leia com atenção o rótulo. "Às vezes a versão diet ou light é até mais calórica do que a normal", diz o nutrólogo Celso Cukier. Ainda que seja mesmo livre de açúcar, cuidado. Ao ingerirmos um alimento desse tipo, nosso corpo se prepara para receber algo doce e libera insulina. Como o açúcar não vem, ele responde de duas formas: desacelera o metabolismo para economizar energia, acumulando gordura, ou provoca um desejo ainda maior por açúcar para compensar a frustração.
(texto publicado na revista Claudia nº 3 ano 52 - março de 2013)
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