sábado, 23 de agosto de 2014

De gênio a louco - Renata Telles


Atrás de uma trajetória de ouro no mundo da moda, Yves Saint Laurent escondia um lado que poucos conheciam. Era tímido, ansioso e maníaco-depressivo. Aos 17 anos, deixou a cidade natal de Orã, na Argélia, para morar em Paris, França. na mesma época começou a trabalhar como assistente na grife Christian Dior. Com a morte do estilista quatro anos mais tarde, ele assumiu o cargo de diretor criativo da marca e passou então a ser conhecido na alta-costura. O sucesso veio acompanhado do amor. Depois de lançar uma coleção bem-sucedida, Yves foi apresentado a Pierre Bergé, que se tornou seu namorado e seu maior companheiro, ficando a seu lado por 50 anos. "Eu o conheci em 3 de fevereiro de 1958 durante um jantar. Seis meses depois estávamos morando juntos", lembrou Pierre, em entrevista à revista eletrônica The Talks. A boa temporada, entretanto, deu lugar a uma fase conturbada na vida de Yves. Convocado para lutar na Guerra de Independência da Argélia, o estilista sofreu um surto nervoso e precisou ficar internado em um hospital psiquiátrico, sendo diagnosticado como maníaco depressivo. Ele nunca se recuperou do trauma. "A minha única luta é vestir as mulheres", disse Yves na ocasião e, por causa do Exército, foi demitido da Dior. Nada que destruísse o sonho do estilista de continuar nas passarelas. Três anos depois, incentivado por Pierre, os dois criaram a marca Yves Saint Laurent, responsável por revolucionar o mundo da moda. Amantes e sócios, a dupla era inseparável. "Tínhamos um Muro de Berlim entre nós. Eu nunca interferi em seu design criativo por motivos comerciais e ele nunca veio falar comigo sobre dinheiro", disse Pierre. Antenado na evolução social, em 1966 Yves lançou o smoking feminino. Também criou coleções ligadas à obras de arte como o vestido tubinho em cores primárias, inspirado no quadro Composição com Vermelho, Amarelo e Azul, do pintor holandês Piet Mondrian (1872-1944). A peça é um verdadeiro marco na moda. "Chanel deu liberdade às mulheres e eu acho que Saint Laurent lhes deu poder", falou Pierre. Companheiro de Yves até sua morte, Pierre teve um papel fundamental na vida do estilista e fez de tudo para que o casamento dos dois nunca acabasse. Em um dos episódios, por ciúme da modelo Victoire Doutreleau, uma das melhores amigas de Yves, Pierre atraiu a jovem para uma tórrida noite de amor. Depois fez com que o estilista descobrisse a traição. A relação dos dois continuou, mas Yves nunca mais olhou para Victoire. O gênio da alta-costura ainda teve mais três divas, a atriz Catherine Deneuve, 71, fiel amiga, as modelos Betty Catroux e Loulou de La Falaise (falecida em 2011), responsável por lhe apresentar a cocaína. Os anos 1970 seguiram à beira de muitas noitadas, drogas e bebidas. Pierre, sempre atento, tentava resgatar o companheiro de sua atração pelo submundo. Foi ele também que terminou com o caso de Yves e Jacques de Bascher, na época namorado do estilista Karl Lagerfeld, 80. Assim como Victoire, Pierre dormiu com Jacques e depois ordenou para que o bon vivant desaparecesse da vida dos dois. Yves entrou mais uma vez em depressão. "Ele só era feliz duas vezes ao anos: na primavera e no outono", contou o companheiro. Apesar dos surtos e das crises, as temporadas de moda continuaram até 2002, ano em que anunciou sua aposentadoria e promoveu seu último desfile em Paris. Na passarela, os modelos que marcaram os 40 anos da carreira da grife. "Eu passei por muitas angústias e infernos, conheci uma solidão tremenda, os amigos enganadores que são os tranquilizantes e narcóticos, a prisão que pode ser a depressão e as clínicas de saúde mental", disse em seu discurso de despedida. Na tentativa de livrar-se do vício da cocaína, Yves chegou a fumar 150 cigarros e a beber 25 Cocas-Colas por dia. Em 2007, descobriu um tumor no cérebro e morreu um ano depois, aos 71, deixando o cenário da moda órfão. No ano de 2009, Pierre realizou um leilão milionário, em que vendeu a coleção de arte que mantinha em conjunto com Yves. Foram arrecadados mais de 853 milhões de reais. Atualmente a grife tem como diretor criativo Hedi Slimane, que deu um ar mais punk às coleções. Criticado, Hedi tirou o nome Yves das etiquetas e a marca passou a chamar-se apenas Saint Laurent.




(texto publicado na revista Contigo nº 2014 - 24 de abril de 2014)



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