domingo, 5 de outubro de 2014

Doença de adulto - Andressa Basílio


O estilo de vida contemporâneo - com pouco exercício e muito fast-food - fez com que a obesidade infantil atingisse níveis insustentáveis. Com ela, diabetes, hipertensão e outros problemas que costumavam aparecer mais tarde já são diagnosticados na infância. Saiba como livrar seu filho deles

Se você tem mais de 30 anos, provavelmente se lembra de um tempo em que as crianças caminhavam até a escola, brincavam nas ruas de pega-pega, futebol e outras atividades que exigiam bastante do corpo. Bons tempos em que o hambúrguer não era a refeição mais acessível, o estresse do dia a dia era restrito ao mundo adulto e o computador não passava de uma caixa branca com letras verdes. Nas últimas décadas, os hábitos mudaram muito: algumas crianças mal encontram seus pais durante a semana, as refeições estão cada vez mais industrializadas e a tecnologia entrou de vez em nossa vida, fazendo com que os dedos pequenos trabalhem mais do que o corpo inteiro, deslizando por telas e controles de todos os tamanhos.

Essa mudança no estilo de via veio acompanhada de uma série de consequências ruins para a saúde de nossas crianças. A maior delas é a obesidade. O último levantamento feito pelo IBGE, em 2009, indica que, em 20 anos, os casos quadruplicaram entre crianças de 5 a 9 anos, chegando a atingir 16,6% dos meninos e 11,8% das meninas, o que significa mais de 6 milhões de crianças no Brasil que encaram lutas diárias contra a balança.

Se os dados, por si só, assustam, existe outra particularidade que faz do excesso de peso uma condição ainda mais preocupante: a associação com outras enfermidades, como hipertensão, colesterol alto e diabetes tipo 2. Um estudo da Associação Brasileira de Síndrome Metabólica e Obesidade mostrou que 60% das crianças entre 5 e 10 anos têm pelo menos um fator de risco para doenças cardiovasculares (pressão alta, alteração nos níveis de colesterol e triglicérides ou do metabolismo da glicose) e 20% delas têm dois ou mais desses problemas. Se continuarem nesse ritmo, a perspectiva é que a incidência de doenças do coração aumente mais de 30% nos próximos 15 anos. Isso sem mencionar os prejuízos extras do excesso de peso, como asma, complicações ortopédicas, puberdade precoce e baixa autoestima.

A boa notícia é que dá para manter seu filho fora do grupo de risco. Como? Apostando na alimentação equilibrada e nas atividades físicas. Sabemos que isso soa como mais do mesmo, mas não existe solução mágica. "Cerca de 70% das mortes do mundo poderiam ser evitadas com mudanças de hábitos. Não adianta esperar a gordurinha aparecer para tomar uma atitude. Mesmo que a criança aparente ser magra, pode ter doenças se levar uma vida sedentária", avisa o pediatra Roberto Mendes, da Unicamp (SP).

Mas sabemos que não há milagre que faça uma criança adotar uma dieta impecável todos os dias. Então, antes que você resolva substituir todas as guloseimas por brócolis e congêneres, é fundamental saber como o corpo do seu filho funciona e, assim, traçar uma estratégia inteligente e sem radicalismos. Em seguida, você entende um pouco mais sobre as doenças associadas à obesidade e o que fazer para afastá-las de sua casa.

Pressão alta, um mal traiçoeiro

Dados do Ministério da Saúde sinalizam que cerca de 1/4 da população tem hipertensão arterial, a popular pressão alta. Desse total, 5% são crianças e adolescentes, uma média de 5 milhões de menores de 18 anos. Entre os principais prejuízos da doença estão o impacto no funcionamento dos rins e o aumento nos riscos de infarto e de acidente vascular cerebral (AVC) no futuro. O pior é que o problema é silencioso e, muitas vezes, só é diagnosticado lá na frente, depois de anos de estrago.

Embora a predisposição genética seja um fator de risco importante, outro vilão da pressão alta pode ser facilmente eliminado: o sódio, principal componente do sal de cozinha. Quando ingerido, ele vai para o sangue e atrai as moléculas de água, causando retenção de líquido. E, com o aumento no volume de sangue circulante, a pressão exercida na parede dos vasos passa a ser maior. Para prevenir, a Organização Mundial de Saúde recomenda que o consumo de sódio não ultrapasse dois gramas diários - isso equivale ao que é encontrado em cinco gramas (uma colher de chá) de sal.

O problema é que o sódio é muito empregado na indústria para dar sabor e conservar os alimentos. Caldos para temperar, comida congelada, embutida, salsicha e macarrão instantâneo são alguns dos campeões na substância. Tanto que, em 2003, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, firmou acordo com a Associação Brasileira de Indústrias de Alimentação (Abia) para a redução do mineral nos alimentos industrializados. A estimativa é uma diminuição de 9 mil toneladas até 2020.

Enquanto isso, cabe a você restringir o consumo em casa, adotando medidas simples. "Tire o saleiro da mesa e, na hora de preparar a comida, vale trocar o sal convencional pelo light, que tem até 50% a menos de sódio", indica o nutrólogo Durval Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia.

Além das devidas correções alimentares, incentivar seu filho a beber muita água é outra medida preventiva, pois ajuda a eliminar o sal do organismo. Habituar-se a ler os rótulos dos produtos também é útil, não só para se assegurar de que você está comprando itens com pouco sódio, como menos gordurosos, ricos em vitaminas e mais saudáveis.

Apesar de todas as precauções, é preciso verificar se a pressão do seu filho está em ordem. Em crianças, a elevação costuma ser assintomática. Por isso, a recomendação da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) é que a pressão seja aferida em consultas rotineiras com o pediatra, já a partir dos 3 anos - ou antes disso, em caso de histórico de doença cardiovascular na família. Infelizmente, a recomendação não reflete a realidade. A estimativa da SBC é de que isso aconteça em apenas 29% das consultas, por motivos que vão do esquecimento do médico até falta da braçadeira certa para a circunferência do braço infantil. Por isso, cabe aos pais cobrar a avaliação.

Se o aparelho acusar normalidade, não precisa se desesperar. Segundo a pediatra Flávia Jaqueline Almeida, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, o estresse e a ansiedade podem liberar substâncias que promovem um aumento momentâneo da pressão. "Para que haja um diagnóstico confiável, é aconselhado que sejam realizadas, no mínimo, três medições em dias diferentes", diz. E mesmo que o diagnóstico se confirme, abandonar os maus hábitos costuma reverter o quadro.

Medida de criança

Quando o médico for aferir a pressão do seu filho, esqueça os valores ideais de 12 por 8, que você ouviu a vida inteira. Os parâmetros utilizados na infância são bem distintos (e complexos). Para saber se está tudo em ordem, o especialista se baseia estabelecendo um intervalo de pressão considerado ideal, que é avaliado em uma unidade chamada percentil. Ou seja, não tente comparar as avaliações do seu filho com as de outra criança, porque é bem provável que a discrepância seja grande e a preocupação, desnecessária.

Colesterol na balança

A gente costuma pensar no colesterol como um vilão, sem saber que ele é importantíssimo para o organismo, por atuar na formação de membranas celulares, vitamina D e hormônios. Mas a boa relação com a substância ocorre enquanto seus níveis se mantêm equilibrados. Existem dois tipos de partículas que transportam o colesterol: o LDL e o HDL.

O primeiro é conhecido como mau colesterol por carregar gordura do fígado para as artérias, promovendo o depósito em suas paredes - o que facilita o aparecimento de doenças cardíacas. Já o segundo é chamado de bom colesterol devido à sua atuação contrária. Como uma espécie de faxineiro, o HDL absorve a gordura das artérias e a conduz de volta ao fígado, onde é eliminada. Ou seja, tanto um LDL em excesso quanto um HDL insuficiente podem afetar a saúde. Segundo Rosana Perim, gerente de nutrição do Hospital do Coração (SP), os danos não são imediatos, porque o acúmulo de gordura nos vasos é progressivo. Por isso, quanto antes a criança for diagnosticada, melhor. Ela também ressalta que os níveis de colesterol independem da gordura abdominal, já que uma criança magra pode apresentar uma disfunção genética ou deflagrada por uma dieta inadequada. 

Alguns estudos mostram que entre 28% e 40% das crianças e adolescentes brasileiros têm o colesterol total do corpo acima de 170 mg/dL, que supera o ideal de 150 mg/dL. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, o exame de sangue para dosar o colesterol deve ser feito em crianças com mais de 4 anos, a cada cinco anos (ou anualmente, quando há histórico familiar). Exceto as obesas, cuja avaliação precisa se repetir a cada quatro meses.

Se o exame acusar um descompasso, a primeira providência será eliminar da dieta alimentos com gordura saturada e trans, como queijos amarelos, bolachas recheadas, sorvete e chocolate. E incluir alimentos que elevam o bom colesterol - azeite, castanhas, abacate e peixes, como salmão e sardinha. "As fibras, como gergelim e aveia, também favorecem a eliminação do LDL pelas fezes", explica Durval Filho. Além disso, 60 minutos de atividade física diária ajudam a elevar os níveis de HDL no sangue.

Diabetes tipo 2 e a sobrecarga das células

No Brasil, quando uma criança é diagnosticada com diabetes, geralmente é do tipo 1, ou seja, autoimune. Acontece quando o organismo produz anticorpos que, em vez de proteger o corpo, atacam as células do pâncreas responsáveis pela produção da insulina, hormônio que coloca a glicose (açúcar) dentro das células para que sirva como fonte de energia. Embora não exista cura, há formas de controle.

O problema é que paralelamente ao aumento da obesidade, as crianças começaram a ser diagnosticadas com uma espécie de diabetes que só aparecia em adultos: o tipo 2, em que o excesso de peso e de gordura no corpo cria uma resistência à insulina e prejudica sua ação no organismo. Há 20 anos, esse tipo de doença em crianças era raríssimo. Hoje, dados da American Diabetes Association mostram que a cada 100 casos de diabetes em crianças e adolescentes norte-americanos, 30 já são do tipo 2.

A professora Angela Maria Spinola, chefe do setor de endocrinologia pediátrica da Unifesp, explica que, no Brasil, ainda há poucos casos que evoluem para esse distúrbio, mas os quadros de resistência à insulina são frequentes. Ou seja: o hormônio não dá conta de cumprir sua função de promover o aproveitamento da glicose - e isso acontece, principalmente, devido ao exagero na ingestão de doces e carboidratos. Consequentemente, o pâncreas passa a trabalhar redobrado para produzir insulina em maior quantidade. Com o tempo, ele não dá conta da sobrecarga e as taxas de açúcar começam a subir, a caminho do diabetes.

Antes que isso aconteça, a saída é adotar, novamente, hábitos saudáveis, como atividade física regular e uma dieta inteligente. Isso significa, claro, diminuir as guloseimas açucaradas e gordurosas e procurar, sempre que possível, substituir os carboidratos simples, como o pão branco, pelos integrais, que são absorvidos mais lentamente pelo organismo, promovendo saciedade e mantendo as taxas de insulina mais estáveis.



(texto publicado na revista Crescer de junho de 2014)










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