quarta-feira, 18 de maio de 2016

A alfabetização no contexto bilíngue - Marina Freitas


Um dos marcos mais importantes na vida escolar é a aprendizagem da leitura e da escrita. Atualmente há diversas abordagens metodológicas que fundamentam as ações nas diferentes escolas. A alfabetização tem tal importância, pois fornece as ferramentas necessárias para que os demais aprendizados ocorram.

Anteriormente quando a cultura era passada de uma geração para outra apenas através da tradição oral, boa parte do aprendizado dependia de um interlocutor que podia compartilhar saberes.

A partir do momento em que a leitura e a escrita aparecem como um recurso acessível para todos, os indivíduos tornaram-se mais autônomos no processo de aprendizagem, podendo buscar o conhecimento em livros e outros registros escritos. Com o advento da internet a informação ficou ainda mais acessível para todos.

Nesse cenário bastante favorável ao aprendizado e ao acesso às informações, fica ainda mais evidente a importância da alfabetização como forma de ingresso no mundo do conhecimento. Após alfabetizada a criança que tem o apoio, direcionamento e orientação de bons educadores, pode tornar-se protagonista de sua jornada de aprendizagem.

Recentemente, a educação bilíngue tem sido uma ótima opção, considerada por diversas famílias. Nesse contexto, a alfabetização pode ocorrer de diversas formas, introduzindo antes a língua materna ou ambas simultaneamente. Mas será que este cenário é de fato favorável para as crianças?

Para que possamos fazer uma análise mais precisa, é necessário que nos aprofundemos um pouco no processo de aquisição linguística.

Para de fato dominar um idioma é necessário que as quatro habilidades linguísticas sejam asseguradas, e são elas: a compreensão auditiva, a fala, a escrita e a leitura. Quando uma língua é aprendida num contexto social, e não apenas como aprendizagem de língua estrangeira, a compreensão e fala costumam acontecer antes da leitura ou da escrita.

Para aprender a falar qualquer língua a criança parte de uma base comum, que é oferecida pelo aparelho fonador. Ela explora no balbucio todos os sons que somos capazes de produzir. A partir do que ouve na língua que é falada ao seu redor, a criança vai restringindo os sons que produz àqueles que pertencem à sua língua materna. E em paralelo vai atribuindo significado ao que ouve e ao que fala.

Para aprender a ler e escrever em qualquer idioma também é necessária uma base comum, que por sua vez é oferecida pelo corpo que integra diversos aspectos e habilidades. Como por exemplo: A linguagem já aprendida, que permite que a criança entenda a função e uso da mesma; os gestos de coordenação motora fina, que permitem o traçado das letras; e a coordenação viso-motora, que é necessária principalmente para a escrita e para o reconhecimento de símbolos associados a determinados sons, são algumas das habilidades necessárias.

Esse conjunto de habilidades precisa ser preparado antes que o processo de alfabetização se inicie, pois se a criança ainda não tem todo o repertório necessário, o processo não irá acontecer da forma desejada, podendo acarretar numa série de déficits, dificuldades ou distúrbios de aprendizagem.

Sendo assim, ser alfabetizada em mais de um idioma ao mesmo tempo deve ser visto como um processo natural e viável. Para isso a escola deve proporcionar experiências que preparem a criança para a alfabetização, independentemente da língua em que o processo irá ocorrer, ou se será em uma ou mais línguas.

O traçado firme e uma letra adequada são resultados de boa coordenação motora. O trabalho de aprimoramento da mesma se inicia na exploração da coordenação motora grossa, que vai a partir do seu refinamento possibilitar os movimentos de escrita precisos das mãos, braços e coluna. Brincadeiras como pular corda, correr e escalar brinquedos e atividades como amarrar os próprios sapatos, alimentar-se sozinho e modelar massinha contribuem para isso.

Para uma boa organização espacial da escrita e leitura são necessárias noções de lateralidade. Ler e escrever da esquerda para a direita e iniciar a escrita no canto superior esquerdo do papel são conceitos que só são bem incorporados quando a criança consegue organizar o próprio corpo e movimento no espaço. Atividades como pular amarelinha, jogos como boliche e outras brincadeiras que usam o espaço ajudam a criança a formar esses conceitos.

Se a criança se prepara de forma plena, ela se mostra pronta para aprender a ler e escrever em uma ou mais línguas. Quando vive esse processo em dois idiomas de forma paralela, a criança cria diversas hipóteses a respeito da construção de palavras em cada língua, tendo um conhecimento mais rico e profundo de cada uma delas. Isso se intensifica à medida em que testa e descarta hipóteses que funcionam em um dos idiomas e não no outro, ou quando testa hipóteses que funcionam em ambos.

Aprender desta forma é mais instigante, e permite que crianças em contextos bilíngues assumam, ainda antes de finalizado o processo de alfabetização, o protagonismo de seus processos de aprendizagem. Esse tipo de empoderamento, em ambientes escolares nos quais há acompanhamento de educadores preparados, costuma produzir crianças interessadas em aprender e buscar o conhecimento, fazendo com que o contexto bilíngue seja muito favorável para o processo de alfabetização e construção de saberes.


(texto publicado na revista Leve & Leia nº 136 - ano 9 - março de 2016)

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