quarta-feira, 18 de maio de 2016

Só tinha que ser com você - Isabella D'Ercole



Três histórias de mulheres que não deixaram escapar o primeiro amor. duas demoraram décadas para voltar a encontrar o namorado da adolescência. A terceira nem chegou a cogitar se casar com outro e sobe ao altar neste ano

Janet Thomas tinha 14 anos quando viu Homero pela primeira vez. Estava em um bailinho da escola, em São Paulo, promovido em comemoração ao Dia dos Namorados. Ela levou uma amiga, que, no início, pareceu despertar o interesse de Homero. Depois, as atenções do jovem de 19 anos se voltaram para ela. Os dois conversaram a noite inteira. Duas semanas depois, estavam cara a cara novamente em uma festa de clube. Como era uma época em que não existia celular, internet ou aplicativo de mensagens, resolveram que não podiam perder muito tempo na paquera e começaram a namorar ali mesmo. "Ele era mais velho, interessante. Eu, novinha, fiquei completamente encantada", ela lembra. Por três anos, com Janet na crítica fase da adolescência, em pleno processo de formação de identidade, e Homero jovem demais, os dois dividiram a sensação de descobrir o mundo juntos. Cresceram, escolheram novos caminhos, foram atrás de sonhos. Mas, quando Janet tinha 17 anos, a relação minguou. O motivo, até hoje, não é certo. Ela diz que ele a trocou por outra. Ele, que ela queria casar cedo e ainda não estava pronto para sustentar uma família. Foi então que Homero tomou um susto, pois, seis meses depois do fim, Janet se casou com seu melhor amigo. Dois dias antes da cerimônia, desesperado, foi tentar convencê-la a desistir de tudo e fugir com ele. Não teve sucesso.

A psicopedagoga Janet passou 28 anos casada e diz que viveu uma relação cheia de amor e companheirismo. Acabou mudando de estado - para o Paraná, depois para o Mato Grosso - e teve três filhos. Contudo, ela admite que, vira e mexe, seu pensamento se voltava para Homero. O que teria acontecido com ele? Mais de uma vez, achou até ter visto o ex andando na rua ou no supermercado. Estava enganada. No fundo, pensava que nunca mais o veria. Quase 30 anos depois, em 2007, Janet o encontrou.

Na época, ela estava se divorciando do marido e precisava viajar para São Paulo a fim de cuidar da mãe doente. Sua filha mais velha, de 17 anos, fez um perfil na rede social Orkut para que pudesse se comunicar mais facilmente com ela e com a caçula, de 14 anos. Naquela semana, o filho de Homero abriu uma conta para o pai na mesma rede social e o primeiro nome que ele buscou foi o de Janet. Depois, ela veio a saber que aquele era um comportamento comum dele: por anos, jogou o nome da namoradinha do passado no Google em busca de alguma notícia. Quando a achou, mandou uma mensagem. Janet não respondeu. Ele recorreu, então, à filha dela, que, na hora, incentivou a mãe a dar trela. "Tinha acabado de sair de um relacionamento longo e achei que aquilo podia ser ruim, mas cedi", conta. O casal conversou pela internet por seis meses. "Com o tempo, foi tudo ficando mais interessante", diz Janet. Eu me lembro de pensar que, mesmo depois de décadas, ele continuava o mesmo, a essência estava ali conservada", derrete-se.

Foi no Natal daquele ano que Homero, já separado da mãe do filho, com quem tinha vivido sete anos, pediu Janet em namoro, ainda por mensagem. Depois disso, ela abriu o jogo com os filhos e, com muito incentivo em casa, embarcou para uma estadia de duas semanas em São Paulo. A mãe já havia morrido, não tinha mais ninguém na cidade. O objetivo era reencontrar Homero pessoalmente e ver se ainda rolava química. Na primeira noite, foram jantar e conversaram muito. No dia seguinte, logo pela manhã, ela sentiu um mal-estar e ligou para ele ir encontrá-la. Quando Homero chegou ao hotel, Janet estava em coma. Havia sofrido uma trombose cerebral e ele teria que cuidar dela até filhos e familiares chegarem. Foi no quarto do hospital que ele conheceu os meninos de Janet, reencontrou o pai e os irmãos dela. "Meus filhos o têm como o homem que salvou minha vida, mas, para nós, era complicado. Estávamos namorando? Eram tantas dúvidas." Indiferente às incertezas, Homero ficou cinco meses ao lado de Janet, cuidando. Dormiu no hospital algumas noites. Quando ela teve alta e foi se recuperar na casa do pai, em Londrina (PR), ia visitá-la nos fins de semana. Em seguida, Janet retomou seu cargo como secretária de Educação de Querência, no Mato Grosso, onde estava morando. E lá se foi Homero atrás dela. Os planos eram de ficar seis meses. "O período se alongou e os meses viraram seis anos. Ele até fez as pazes com meu ex-marido, com quem brigara na época do casamento", ela diz. Há dois anos, a carreira a fez mudar novamente para Londrina. Homero prepara-se para segui-la ainda neste ano. Até lá, percorre mais de 1 500 quilômetros todo mês para ficar com seu primeiro amor.

Hoje, aos 53 anos, Janet alegra-se com as voltas que a vida deu. "Foi só na nossa segunda chance que eu percebi como o Homero tinha sido uma peça importante na minha formação como pessoa. Ele influenciou meus gostos, me transformou em parte do que sou", afirma. A história dos dois virou um sucesso nas cidades em que eles viveram. Janet já foi parada na rua por mulheres que queriam abraçá-la e dividir casos de primeiros amores. "Parece história de filme e as pessoas se sentem atraídas por essa ideia de que era para ser, de que há uma mão do destino", explica a psicopedagoga. A verdade é que o primeiro amor tem mesmo um apelo diferente, um potencial enorme para ser especialmente marcante - como, aliás, quase todas as primeiras experiências que temos. "Nunca passamos por aquilo, então há um certo medo envolvido, um mistério", explica o psicólogo Ailton Amélio, de São Paulo, um especialista em vida a dois, autor de livros como Relacionamento Amoroso - Como Encontrar Sua Metade Ideal e Cuidar Dela (Publifolha). Segundo Amélio, guardamos as lembranças dessa época de descoberta em uma redoma, protegidas de autocrítica e julgamentos, o que torna aquelas imagens eternamente positivas. Dão saudade. Ao olharmos para trás, brigas e dificuldades simplesmente desaparecem e restam apenas os bons momentos.

Era mesmo para ser?

O primeiro amor, além disso, lembra a juventude, uma época sem tantas preocupações e responsabilidades. E pode ser um elo importante com o passado. "Normalmente, após um término traumático,como o fim de um casamento longo, o primeiro namorado reaparece na nossa cabeça e ele tem o papel heroico de resgatar quem éramos antes desses relacionamentos que acabaram mal", analisa a psicóloga e sexóloga Maria Claudia Lordello, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). E isso ajuda a entender quem nos tornamos. Janet recorda-se de ter tido uma gostosa sensação de "conforto" ao reencontrar Homero após o divórcio: "Já tínhamos intimidade. Não era uma relação começando do zero, que pode assustar nessa fase. E foi ele quem me ajudou a recuperar a autoconfiança e autoestima, a voltar a  gostar de mim".

Os especialistas acreditam que é necessário contar com uma dose de sorte para fazer o primeiro amor dar certo depois de os dois terem se distanciado com as muitas curvas da vida. "Quando um antigo casal se reencontra, um espera que o outro seja o mesmo daqueles primeiros tempos", observa Maria Claudia. "Essa ideia tende a cair por terra em poucos dias, pois a convivência mostra quem o outro se tornou. Mas também passar um tempo juntos pode revelar que vocês ainda se completam." Para Janet, por concidência, a vida levou tanto ela quanto Homero por caminhos semelhantes - e talvez por isso, após 28 de distância, os dois ainda tinham os mesmos valores e gostos que os uniram lá atrás.

Já quem começa a namorar cedo e se casa com esse amor, sem nunca ter tido outra relação significativa, encara uma dificuldade diferente, a de ter de crescer junto com o parceiro e passar por mudanças, mas não deixar que elas afastem os dois. "É preciso que o casal enxergue as transformações do outro como uma oportunidade de renovação. Enquanto o parceiro apresentar novas facetas, não haverá tédio na relação, pois sempre será necessário redescobri-lo", avalia a psicóloga Maria Claudia. Claro que isso exige maturidade, coisa que, certamente, eles não tinham quando eram muito jovens e se conheceram, mas adquirem com o passar do tempo, meio simultaneamente.

Décadas atrás, quando as garotas tinham de guardar a  virgindade até subirem ao altar, casar-se com o primeiro amor, sem nem olhar muito para outras possibilidades, muito menos testá-las, era algo muito mais comum do que hoje. "A expectativa da virgindade, há muito, não existe mais. As mulheres conquistaram liberdade para experimentar e desvendar suas preferências", afirma o psicólogo Ailton Amélio. "Agora, elas se casam conscientes do que realmente querem e gostam." Em outro ponto, as coisas são bem diferentes nos dias atuais. Multiplicaram-se as ferramentas para encontrar um primeiro amor perdido no mundo. Temos a internet, programas de busca, redes sociais.Mas, ainda que sejam usadas ao montes, não é raro creditarmos um reencontro desses ao destino. Isso reforça a mágica. Fica aquele sentimento "só tinha que ser com você" - e isso, segundo Maria Claudia, até reforça os laços. "A aura de pura paixão traz colorido à vida, deixa tudo mais bonito e aproxima."

Mas nada disso significa que as pessoas não possam vivenciar emoções igualmente fortes, verdadeiras e muito especiais com alguém que conheceram há apenas dois ou três anos - o que talvez já seja o quarto ou quinto relacionamento importante em sua vida. Segundo o psicólogo Ailton Amélio, não é data de início que determina a intensidade nem o prazo de validade de um amor. Quer dizer, para a sorte de todos, há muitas formas de se apaixonar e ser feliz, e em qualquer época da vida.

Juntos desde a adolescência

"Meus pais e os do Marcelo eram vizinhos, em São Paulo, então convivemos desde que eu era bebê, mas foi quando tinha 13 anos que ele começou a chamar minha atenção. Ele era cinco anos mais velho, cabeludo e tocava rock na bandinha do prédio. Eu fiquei atraída, mas só me apaixonei, de verdade, depois do nosso primeiro beijo, que não demorou.  Aliás, ainda é nessa data que comemoramos nosso aniversário de namoro. No começo, meus pais foram contra nossa paquera, porque achavam que eu era muito nova para ele. Ficamos meses trocando cartinhas de amor escondido. Pela manhã, antes de ir à escola, eu deixava um bilhete para ele na caixa do extintor de incêndio do prédio. Ele pegava antes de ir trabalhar e deixava outro em troca. Quando dava, nos encontrávamos na casa dos amigos, que encobriam o namorico. Tivemos várias briguinhas, chegamos até a nos separar. O Marcelo era muito ciumento e eu detestava isso. Mas não conseguia ficar longe dele. Quando fiz 21 anos, ele foi pedir aos meus pais permissão para namorar comigo oficialmente. Desde então, a gente nunca mais se separou e lá se vão quase dez anos. Há dois, ele me levou para jantar em um restaurante que frequentávamos quando éramos pequenos, cada um com sua família. Temos até uma foto juntos lá. Naquela noite, ele me pediu em casamento. Agora, estamos comprando apartamento e planejando a festa, marcada para setembro."

Paola Mello, 30 anos, fonoaudióloga

"Uma amiga da Paola me contou que ela gostava de mim. Não dei bola porque a achei nova demais. Só que ela começou a frequentar todos os ensaios da minha banda e fomos nos aproximando. A Paola me atraía de um jeito diferente. Quando a via, tremia e sentia borboletas no estômago. Ainda sinto. Apesar de sermos parecidos nos valores básicos, foram nossas diferenças que nos uniram. Ela me ensinou que o principal no amor é o respeito."

Marcelo Pucci, 35 anos, músico

Reunidos 20 anos depois

"Namorei o Paulo na época do cursinho. Nossa relação era bem aquela coisa de adolescente: intensa, cheia de brigas, um amor explosivo. Ficamos assim por quase um ano. Quando nós rompemos, nunca mais ouvi falar dele. Fui viver a minha vida: casei, mudei de país, investi na minha carreira. Vinte anos depois do nosso namorico, quando já estava separada do meu primeiro marido, o Paulo ressurgiu. Ele me achou no Linkedin, uma rede social profissional, ou seja, nada tem a ver com romance. Começamos a conversar e, para nossa surpresa, morávamos e trabalhávamos no mesmo bairro, em São Paulo. Ironicamente, nunca havíamos nos cruzado na rua. Marcamos um encontro e eu lembro até hoje da sensação engraçada do primeiro beijo: era exatamente igual ao nosso primeiro beijo lá atrás! Foi incrível reviver essas emoções. Resolvemos ficar juntos, mas as certezas não forma sempre maiores do que as dúvidas. Muitas vezes, me perguntei se deveríamos mesmo nos casar ou ter filhos. E sei que ele também tinha questionamentos parecidos. Mas, aos 38 anos, aconteceu uma coisa que não esperávamos: eu engravidei. Nossa filha, Sophia, hoje tem 2 anos e foi ela que nos trouxe a certeza de que deveríamos confiar nos caminhos que a vida traçou e nos unir de vez. Ele se mudou para meu apartamento e, desde então, somos muito felizes."

Alethea Risoleo, 40 anos, gerente de trade marketing

"Após o namoro no cursinho, seguimos caminhos diferentes. Eu me casei e ela também, mas os dois se separaram. Um dia, estava no Linkedin e resolvi jogar o nome dela. Não tinha intenções claras, mas a Alethea havia sido importante para mim e pensei em retomar o contato. Logo no primeiro encontro, a gente se deu muito bem. No segundo, já não via mais nós só como namorados, mas como uma família. Precisamos, no entanto, nos conhecer de novo, pois havíamos mudado bastante."

Paulo Prósperi, 40 anos, gerente de TI


(texto publicado na revista Claudia nº 3 - ano 54 - março de 2015)

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