Infestado de aventureiros, o Brasil respondia pela metade da produção mundial do minério no século 18
Trezentos anos atrás, quem estivesse em busca de aventura e fortuna tinha o Brasil como destino certo. No fim do século 17, a descoberta de ouro e diamante nos aluviões e contrafortes de Minas Gerais sacudiu o marasmo da colônia portuguesa, até então imersa por quase 200 anos na sonolência dos trópicos, e a transformou de repente numa serra Pelada de dimensões continentais. Poucos lugares do mundo foram tão agitados e perigosos nesse período quanto o interior brasileiro.
A data e o local da descoberta do primeiro filão de ouro no Brasil são desconhecidos. O mais provável é que tenha ocorrido entre 1693 e 1695, por aventureiros paulistas que andavam à procura de índios para escravizar na região onde hoje estão as cidades de São João Del Rei e Tiradentes. Pouco tempo depois, em 1697, a notícia já tinha corrido o mundo e aparecia nos relatórios que o governador do Rio de Janeiro enviava à coroa, em Lisboa, nos quais dizia que os garimpos "se estendem de tal modo ao longo do sopé de uma cadeia montanhosa que os mineiros são levados a crer que o ouro nessa região dure uma grande quantidade de tempo".
O governador tinha razão. A região compreendida por Minas Gerais e as províncias vizinhas de Goiás e Mato Grosso, exploradas alguns anos mais tarde, era tão rica em ouro que, de 1700 a 1750, respondeu por metade da produção mundial desse minério. O primeiro carregamento de ouro do Brasil chegou a Lisboa em 1699. Levava meia tonelada. A quantidade foi aumentando até chegar a 25 toneladas em 1720. No total, estima-se que entre mil e 3 mil toneladas de ouro foram levadas à capital do império.
O historiador Tobias Monteiro (1866-1952) estimou que só de Minas Gerais foram despachadas para Portugal cerca de 535 toneladas de ouro entre 1695 e 1817, no valor de 54 milhões de libras esterlinas da época, ou cerca de 12 bilhões de reais corrigidos em 2008. Outros 150 mil quilos de ouro teriam sido contrabandeados no mesmo período, no cálculo de Monteiro. Em 1729, o fluxo de riquezas para a metrópole aumentou ainda mais com a descoberta das jazidas de diamante na colônia. O historiador Pandiá Calógeras (1870-1934) avaliou em 3 milhões de quilates, ou 615 quilos, o total de diamantes extraído no Brasil de meados do século 18 ao começo do século 19.
Como resultado da descoberta de ouro e pedras preciosas, a população da colônia passou de 300 mil para 3 milhões de habitantes em menos de um século. Foi a primeira grande onda migratória para o interior brasileiro. Só de Portugal, entre meio milhão e 800 mil pessoas mudaram-se para o Brasil de 1700 a 1800. Vinha gente de todo lado, "vagabundos e desordeiros, sendo a maioria deles da classe baixa e imorais", afirmou o governador da Bahia em 1701. Outra testemunha, um padre jesuíta, relatou: "Todos os anos, multidões de portugueses e estrangeiros chegam nas frotas para partir para as minas. Das cidades, vilas, plantações e interior do Brasil vêm brancos, mestiços e negros juntamente com muitos ameríndios contratados pelos paulistas".
Num cenário como esse, as confusões eram inevitáveis. A primeira, e mais importante, ficou conhecida como a Guerra dos Emboabas, na qual um grupo de paulistas foi massacrado, em 1709, por portugueses que vinham da Bahia e do interior de Minas Gerais. Em 1720, uma revolta contra o governador de Vila Rica teve de ser duramente reprimida pela coroa. A tensão continuaria até bem depois de esgotada a capacidade de produção das minas e resultaria na Inconfidência Mineira, de 1792.
Terra revirada
No auge da prosperidade, Vila Rica chegou a ser a maior cidade do Brasil, com 100 mil habitantes. O geólogo alemão Von Eschwege (1777-1855) contabilizou que no começo do século 19 ainda havia na colônia 555 minas de ouro e diamantes, que empregavam 6 662 trabalhadores, dos quais 6 493 eram escravos. A terra foi devastada pela atividade mineradora. "Por todos os lados, tínhamos sob os olhos os vestígios aflitivos das lavagens, vastas extensões de terra revolvida e montes de cascalho", descreveu o botânico Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) ao percorrer o interior de Minas Gerais. "Tanto quanto a vista alcança, está a terra toda revirada por mãos humanas, de tanto que o sonhado lucro excitou o desejo de trabalhar."
O controle sobre a mineração era rigoroso. Uma lei de 1733 proibia a abertura de estradas como forma de combater o contrabando, facilitando a fiscalização por parte dos funcionários portugueses. O ouro devia ser entregue às casas autorizadas de fundição de cada distrito, onde se cobravam os direitos da coroa. Um quinto, ou seja, 20% do minério em pó era reservado ao rei. Outros 18% pagos às casas de cunhagem. O restante ficava com os garimpeiros na forma de barras marcadas com seu peso, quilate, número e as armas do rei, além de um certificado que lhe permitia entrar em circulação.
Para facilitar o comércio, autorizava-se também a circulação de ouro em pó, em pequenas quantidades, usadas em pagamentos nas compras do dia-a-dia. Além do controle feito nas casas de fundições, havia postos de vigilância nas estradas, especialmente entre as minas e o litoral, onde uma guarnição militar tinha autorização para revistar qualquer pessoa. A punição para os contrabandistas era drástica: prisão, confisco de todos os bens e deportação para a África.
O contrabando dominava boa parte do comércio da colônia, apesar das tentativas de combatê-lo. O historiador Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878) calculou em 40% o total do ouro desviado de forma ilegal. Metais e pedras preciosas escoavam pelo rio da Prata rumo a Buenos Aires. Curiosamente, a mesma região, na fronteira com o Paraguai, ainda convive com o contrabando. A diferença é que agora por ali circulam clandestinamente pacotes de cigarros, artigos eletrônicos e bugigangas chinesas.
Trezentos anos atrás, quem estivesse em busca de aventura e fortuna tinha o Brasil como destino certo. No fim do século 17, a descoberta de ouro e diamante nos aluviões e contrafortes de Minas Gerais sacudiu o marasmo da colônia portuguesa, até então imersa por quase 200 anos na sonolência dos trópicos, e a transformou de repente numa serra Pelada de dimensões continentais. Poucos lugares do mundo foram tão agitados e perigosos nesse período quanto o interior brasileiro.
A data e o local da descoberta do primeiro filão de ouro no Brasil são desconhecidos. O mais provável é que tenha ocorrido entre 1693 e 1695, por aventureiros paulistas que andavam à procura de índios para escravizar na região onde hoje estão as cidades de São João Del Rei e Tiradentes. Pouco tempo depois, em 1697, a notícia já tinha corrido o mundo e aparecia nos relatórios que o governador do Rio de Janeiro enviava à coroa, em Lisboa, nos quais dizia que os garimpos "se estendem de tal modo ao longo do sopé de uma cadeia montanhosa que os mineiros são levados a crer que o ouro nessa região dure uma grande quantidade de tempo".
O governador tinha razão. A região compreendida por Minas Gerais e as províncias vizinhas de Goiás e Mato Grosso, exploradas alguns anos mais tarde, era tão rica em ouro que, de 1700 a 1750, respondeu por metade da produção mundial desse minério. O primeiro carregamento de ouro do Brasil chegou a Lisboa em 1699. Levava meia tonelada. A quantidade foi aumentando até chegar a 25 toneladas em 1720. No total, estima-se que entre mil e 3 mil toneladas de ouro foram levadas à capital do império.
O historiador Tobias Monteiro (1866-1952) estimou que só de Minas Gerais foram despachadas para Portugal cerca de 535 toneladas de ouro entre 1695 e 1817, no valor de 54 milhões de libras esterlinas da época, ou cerca de 12 bilhões de reais corrigidos em 2008. Outros 150 mil quilos de ouro teriam sido contrabandeados no mesmo período, no cálculo de Monteiro. Em 1729, o fluxo de riquezas para a metrópole aumentou ainda mais com a descoberta das jazidas de diamante na colônia. O historiador Pandiá Calógeras (1870-1934) avaliou em 3 milhões de quilates, ou 615 quilos, o total de diamantes extraído no Brasil de meados do século 18 ao começo do século 19.
Como resultado da descoberta de ouro e pedras preciosas, a população da colônia passou de 300 mil para 3 milhões de habitantes em menos de um século. Foi a primeira grande onda migratória para o interior brasileiro. Só de Portugal, entre meio milhão e 800 mil pessoas mudaram-se para o Brasil de 1700 a 1800. Vinha gente de todo lado, "vagabundos e desordeiros, sendo a maioria deles da classe baixa e imorais", afirmou o governador da Bahia em 1701. Outra testemunha, um padre jesuíta, relatou: "Todos os anos, multidões de portugueses e estrangeiros chegam nas frotas para partir para as minas. Das cidades, vilas, plantações e interior do Brasil vêm brancos, mestiços e negros juntamente com muitos ameríndios contratados pelos paulistas".
Num cenário como esse, as confusões eram inevitáveis. A primeira, e mais importante, ficou conhecida como a Guerra dos Emboabas, na qual um grupo de paulistas foi massacrado, em 1709, por portugueses que vinham da Bahia e do interior de Minas Gerais. Em 1720, uma revolta contra o governador de Vila Rica teve de ser duramente reprimida pela coroa. A tensão continuaria até bem depois de esgotada a capacidade de produção das minas e resultaria na Inconfidência Mineira, de 1792.
Terra revirada
No auge da prosperidade, Vila Rica chegou a ser a maior cidade do Brasil, com 100 mil habitantes. O geólogo alemão Von Eschwege (1777-1855) contabilizou que no começo do século 19 ainda havia na colônia 555 minas de ouro e diamantes, que empregavam 6 662 trabalhadores, dos quais 6 493 eram escravos. A terra foi devastada pela atividade mineradora. "Por todos os lados, tínhamos sob os olhos os vestígios aflitivos das lavagens, vastas extensões de terra revolvida e montes de cascalho", descreveu o botânico Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) ao percorrer o interior de Minas Gerais. "Tanto quanto a vista alcança, está a terra toda revirada por mãos humanas, de tanto que o sonhado lucro excitou o desejo de trabalhar."
O controle sobre a mineração era rigoroso. Uma lei de 1733 proibia a abertura de estradas como forma de combater o contrabando, facilitando a fiscalização por parte dos funcionários portugueses. O ouro devia ser entregue às casas autorizadas de fundição de cada distrito, onde se cobravam os direitos da coroa. Um quinto, ou seja, 20% do minério em pó era reservado ao rei. Outros 18% pagos às casas de cunhagem. O restante ficava com os garimpeiros na forma de barras marcadas com seu peso, quilate, número e as armas do rei, além de um certificado que lhe permitia entrar em circulação.
Para facilitar o comércio, autorizava-se também a circulação de ouro em pó, em pequenas quantidades, usadas em pagamentos nas compras do dia-a-dia. Além do controle feito nas casas de fundições, havia postos de vigilância nas estradas, especialmente entre as minas e o litoral, onde uma guarnição militar tinha autorização para revistar qualquer pessoa. A punição para os contrabandistas era drástica: prisão, confisco de todos os bens e deportação para a África.
O contrabando dominava boa parte do comércio da colônia, apesar das tentativas de combatê-lo. O historiador Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878) calculou em 40% o total do ouro desviado de forma ilegal. Metais e pedras preciosas escoavam pelo rio da Prata rumo a Buenos Aires. Curiosamente, a mesma região, na fronteira com o Paraguai, ainda convive com o contrabando. A diferença é que agora por ali circulam clandestinamente pacotes de cigarros, artigos eletrônicos e bugigangas chinesas.
(texto publicado na revista Aventuras na História edição 64 - novembro de 2008)
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