quarta-feira, 18 de maio de 2016

Arte observada: A obra Dante e Virgílio no Inferno foi inspirada por uma breve cena do Oitavo Círculo do Inferno - Milenna Casseb Saraiva


William-Adolphe Bouguereau foi um pintor acadêmico que nasceu na cidade de La Rochelle, França, em 1825. Com um talento nato para as artes, recebeu treinamento em uma das mais prestigiadas escolas da época, a Escola de Belas Artes de Paris, onde veio a ser, mais tarde, professor muito requisitado. Sua carreira floresceu no período áureo do Academicismo, sistema de ensino do qual foi um ardente defensor e representante. Sua pintura se caracteriza pelo perfeito domínio da forma e da técnica, com um acabamento de alta qualidade, obtendo efeitos de grande realismo. Deixou uma vasta obra, centrada nos temas mitológicos, alegóricos, históricos e religiosos; nos retratos, nos nus e nas imagens de jovens camponesas. Acumulou fortuna e fama internacional em vida, recebendo inúmeros prêmios e condecorações, mas no fim de sua carreira começou a ser desacreditado pelos pré-modernistas. A partir do início do século 20, logo após sua morte, sua obra foi rapidamente esquecida, chegando a ser considerada vazia e artificial, um modelo de tudo o que a arte não deveria ser. Na década de 70, passou a ser novamente apreciada, e hoje é considerado um dos grandes pintores do século 19. Faleceu aos 80 anos por complicações cardíacas.

A obra Dante e Virgílio no Inferno foi inspirada por uma breve cena do Oitavo Círculo do Inferno, escrito pelo poeta Dante Alighieri, sendo parte de sua mais famosa obra. A Divina Comédia, escrita, aproximadamente, em 1320. Na cena, Dante, acompanhado por Virgílio, assiste a uma luta entre duas almas condenadas: Capocchio, um herege e alquimista, é atacado e mordido no pescoço por Gianni Schicchi, que havia falsificado a identidade de um homem morto a fim de reclamar sua herança de forma fraudulenta. Schicchi lança-se a Capocchio, seu rival, com uma fúria estranha e viciosa. O artista descreve a cena por meio de detalhes minuciosos, que impressionam por tamanha perfeição. São músculos, nervos, tendões, dentes e sangue que levam o espectador para dentro do que o pintor imaginava ser o inferno. Na verdade, Bouguereau ousou explorar os limites estéticos, como o exagero da estrutura muscular a ponto de distorcê-la, das poses, do contraste cromático, de luz e sombras, das figuras monstruosas e dos grupos de almas condenadas. Mesmo que a imagem remeta muito às histórias sobre vampiros da atualidade, esta pintura foi feita mais de 50 anos antes de Drácula, de Bram Stoker, ser escrito. Grandes pintores de diferentes épocas criaram inúmeras obras inspiradas na obra de Dante Alighieri, mas nunca na história se viu uma obra tão impactante como a de William. Muito conhecido por seu dom de pintar a pele humana perfeitamente, o artista obteve grande êxito em retratar a cena canibalesca de uma forma repugnante e, ao mesmo tempo, sensual. Apesar de o foco da obra ser a luta entre as almas penadas, os personagens principais que intitulam a obra, Dante e Virgílio, encontram-se no fundo, do lado esquerdo, somente observando as atrocidades ao seu redor. Nota-se, também, mais ao centro, a imagem de um demônio com asas de morcego e braços cruzados, sorrindo e contemplando-os, como se estivesse se deliciando com todo o cenário de eterna angústia, sofrimento e terror que ali presenciam. Tudo nessa pintura sublinha o sentimento de drama e horror, um tema decorrente da época, em que a Igreja impunha suas regras e oprimia a população pela doutrina do medo. Bouguereau utilizou outra obra para inspirar a criação de seu quadro, com tintas e cores fortes e quentes, delineando uma das muitas e intermináveis visões dos Infernos, que sempre vão surgir dos mais heterogêneos pincéis, nas mais heterogêneas escolas de pintura, antigas, modernas e contemporâneas.


(texto publicado na revista Circuito edição 196 - ano 16 - abril de 2016)

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