Há dez dias ficamos sem energia elétrica das 17h00 até às 23h30. Achei bem estranho, mas logo me acostumei. Como temos um oratório em casa nunca ficamos sem velas e acendi duas colocando-as nos devidos candelabros. Aproveitei para ir visitar a Idalba que mora na casa ao lado e depois fomos visitar uma outra vizinha que iria viajar no dia seguinte. Como ela só tinha uma vela, fui levar-lhe algumas porque não sabia então a que horas a luz iria voltar. Ainda bem que a energia elétrica não acabou na rua, só nas casas. O que foi interessante é que me senti voltando à minha infância quando podia ficar na rua à noite sem problemas, em uma época tranquila em que brincávamos de pega-pega, esconde-esconde, mãe-da-rua, amarelinha, etc. no meio da rua. Fiquei pensando se conseguiria ficar sem TV e sem internet por algum tempo e percebi que sim. Iria aproveitar para colocar a leitura em dia. Devo confessar que tenho mais livros não lidos que lidos.
Vou transcrever em seguida a crônica escrita pelo Denis Russo Burgierman
Uma coisa terrível
As crianças não brincam mais nas ruas do bairro. Isso prejudica seu desenvolvimento - e o da sociedade
Tem uma coisa terrível acontecendo nas nossas cidades: as crianças sumiram das ruas. Não há mais meninos brincando de pega-pega nas calçadas, derrubando os embrulhos dos passantes. A trilha sonora do espaço público não é mais pontuada pelos gritos agudos da molecada. Não há mais garotos e garotas passando de bicicleta ou de patinete.
Mas o mais assustador é a sensação de que quase todo mundo acha normal que seja assim. O trânsito e a calçada foram ficando cada dia um tiquinho mais violentos, até que chegamos ao ponto em que um pai ou uma mãe que permita que o filho pequeno saia sozinho hoje é tido pela vizinhança como um maluco irresponsável.
O que não estamos percebendo é que as consequências desse êxodo infantil são muitas, e muito graves. Sem crianças, as ruas tendem a ficar ainda mais perigosas. Afinal, onde há crianças há também pais e mães espiando de longe pela janela - um fator essencial para a segurança do espaço público. Sem falar que nós, humanos, somos geneticamente programados para ter cuidado quando há crianças pequenas por perto. Sua ausência embrutece a rua para todo mundo.
Além de piorar a segurança, a fuga das crianças afeta a saúde da população, em diferentes faixas etárias. Pesquisas mostram que um moleque que anda de bicicleta por meia hora ao dia reduz dramaticamente suas chances de sofrer das chamadas "doenças de estilo de vida" (diabetes, câncer, doenças cardíacas, entre outras).
Não brincar na rua atrapalha até o desenvolvimento cognitivo da gurizada. É bem sabido que crianças que só se locomovem de carro prejudicam suas capacidades espaciais e sociais. Uma pesquisa feita na Holanda mostrou que alunos que vão à escola a pé ou de bicicleta prestam mais atenção na aula e aprendem mais.
Semana passada instalei uma cadeirinha na minha bicicleta e fui pedalar com Aurora, minha filhota de 1 ano. Saí de casa morrendo de medo, claro, afinal o trânsito já é assustador para mim. Mas, assim que dobrei a primeira esquina, vi a imagem dela refletida numa vitrine e percebi sua expressão de maravilhamento. Ficou claro para mim que é minha obrigação como pai expô-la à rua. É parte de seu desenvolvimento, assim como aprender a comer, a andar, a se relacionar.
Naquele dia, passeando pela cidade, vi vários sinais de que a população está retomando o espaço público. Voltei para casa no final da tarde, com Aurora exausta e feliz, e a esperança de que ela vai crescer numa cidade em cujas calçadas será possível brincar.
(texto publicado na revista Vida Simples edição 150 - setembro de 2014)
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