terça-feira, 24 de maio de 2016

Empatia não é suficiente - Gustavo Gitti


A capacidade de se colocar no lugar do outro é fundamental, mas pode nos esgotar se não for integrada a outras práticas

É uma alegria ouvir mais e mais a palavra "empatia". No entanto, ela tende a ser usada como um guarda-chuva para coisas bem diferentes, às vezes como se fosse algo completo por si só. Com essa linguagem vaga, fica mais difícil reconhecer os processos internos que desejamos estimular quando falamos em empatia. Por isso recomendo a leitura de A Revolução do Altruísmo, do francês Matthieu Ricard (doutor em genética molecular, fotógrafo e monge budista, com grande experiência em integrar neurociência e métodos contemplativos em primeira pessoa), que acabou de ser publicado no Brasil pelas Palas Athena.

Para evidenciar o limite da empatia, Matthieu pesquisou o fenômeno do burnout, exaustão emocional comum entre cuidadores que lidam diariamente com o sofrimento, como profissionais de saúde e agentes sociais. Junto com a psicóloga alemã Tania Singer (diretora do departamento de neurociência social no Instituto Max Planck) e usando ressonância magnética funcional para gerar imagens em tempo real da atividade do cérebro, Matthieu sentiu apenas empatia por uma hora e meia, visualizando cenas de pessoas em sofrimento extremo. O resultado de isolar a empatia foi cansaço, mal-estar, sensação de impotência e o impulso de se distanciar. Logo depois, mantendo o mesmo contato empático com o sofrimento, assim que ele introduziu a prática da compaixão, sua mente se transformou: a aflição se dissipou e surgiu disposição amorosa para ajudar. Eles descobriram que as redes neuronais ativadas pela empatia são bem diferentes das ativadas pela compaixão.

Portanto, não é uma questão de definição teórica, mas de processos que podemos praticar. Empatia é a capacidade de entrar no universo do outro (via imaginação cognitiva ou ressonância afetiva). Amor é o desejo de que todos sejam felizes e encontrem as causas da felicidade - inseparável do altruísmo, a motivação de valorizar e beneficiar os outros. E compaixão é o desejo de que todos não sofram e superem as causas do sofrimento - como diz Matthieu, quando o amor altruísta encontra o sofrimento do outro através da empatia, se torna compaixão.

Para cultivar o altruísmo, é crucial ampliar a capacidade de não se perturbar, de se manter calmo e estável em meio a uma situação com grande potencial aflitivo. Precisamos também de sabedoria ou clareza sobre a realidade, de modo a entender como o sofrimento se constrói e quais métodos podem liberá-lo. Às vezes ajudamos bem mais quando oferecemos o que o outro precisa, não o que diz querer.

O vídeo "Agonia", do grupo de humor Porta dos Fundos, mostra um médico com bastante empatia, mas sem equilíbrio e sem compaixão: ele tem um grande potencial de sentir a dor do outro, porém reage com tanto medo que não consegue sequer manter os olhos abertos, incapaz de realmente ser útil. É parecido com a gente tentando ajudar alguém com depressão, ansiedade ou raiva em meio a experiências que também nos perturbam. Por favor, leia A Revolução do Altruísmo.


(texto publicado na revista Vida Simples edição 160 - julho de 2015)

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